Infância Urgente

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Relatório de Visita na FEBEM 6

1.1. Da atualidade

Embora sejamos cônscios de que toda mudança substancial, como a ocorrida no final da década de 80 e início da década de 90, objeto de demanda de tempo e grandes esforços de todos os integrantes de dada sociedade, o fato é que a efetivação dos direitos e garantias fundamentais depende sobremaneira da máquina estatal, em suas três esferas de poder, ou seja, do Legislativo, Judiciário e Executivo, e em todos os níveis da federação.
Inegavelmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente traz à tona no ordenamento jurídico a garantia de direitos e deveres de todas as crianças e adolescentes, a fim de garantir sua proteção integral. No entanto, faz-se necessário reafirmarmos que a garantia efetiva de direitos continua a ser uma luta travada diariamente, o que podemos facilmente verificar face ao distanciamento gigantesco entre a lei e a realidade vivida.
A Constituição da República determina em seu art. 227, caput, que:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Reforçando o mandamento constitucional, o ECA, em seu art. 3º preconiza que:
“A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.”

Entretanto, é suficiente que estejamos vivos para analisar que tais normativas, apesar de basilares, estão ainda aguardando cumprimento efetivo por parte do Estado. Ao andarmos nas ruas dos grandes centros urbanos do país, ou nas mais distantes comunidades rurais, ou, ainda, pelas diversas cidades de nosso país de dimensões continentais, em qualquer região, seja no litoral, no interior ou no sertão, deparamo-nos, sem muito esforço, com milhares de crianças e adolescentes vivendo em condições sub-humanas, em total desrespeito à dignidade que merecem simplesmente por ser pessoa humana, enfim, com total distanciamento da realidade determinada pelas letras da Constituição e da Lei, e que muito provavelmente não são conhecedoras de que a vida degradante que se vêem obrigadas a vivenciarem está em total dissonância com os direitos que lhe são quase que sarcasticamente garantidos.
Crianças que desde cedo são obrigadas a trabalhar ou a esmolar para a si garantirem, por seus próprios meios, o mínimo a subsidiar a sua sobrevivência, que está sendo ignorada pela política e pela economia que rege não só o Brasil, mas todo o mundo. Crianças que parecem ser invisíveis e que estão sendo produto e, principalmente, vítimas, sem saber, da sistemática capitalista globalizada, advindo do ultrajante modelo neoliberal global.
No entanto, esta exclusão da vida social não se dá de forma plena, pois incide em relação ao mercado de trabalho, ao acesso a bens vitais para o salutar desenvolvimento humano e social, à fruição de direitos, mas não implica, por outro lado, em qualquer tipo de liberação dos deveres e obrigações impostas pelo sistema jurídico, especialmente pelo seu desdobramento repressor punitivo.
Esta inicialmente aparente contradição faz-se necessária à continuidade e manutenção deste sistema neoliberal, vez que esta parcela excluída deve ser ardilosamente controlada desde cedo, e, considerando que a geração de pessoas que vivem à margem do capitalismo globalizado é inevitável, adotam-se medidas para contenção da pobreza, certamente não no sentido de eliminá-la, mas simplesmente para minorá-la. Dentre estas medidas utilizadas para o controle social, utiliza-se o direito penal, enfatizando-se aqui a sua faceta juvenil, de forma cada vez mais repressora, desconsiderando-se por completo os fatores políticos, sócio-econômicos e culturais inerentes aos comportamentos definidos como transgressores, servindo-se unicamente da tipicidade meramente formal para a manutenção do status quo.
Aliás, o Direito, especialmente de sua vertente jurídico-repressora penal, sempre tem sido utilizado ao longo da história por aqueles que em determinado momento são detentores do poder a fim de subjugar os demais, seja lesionando-os fisicamente, confinando-os em masmorras ou, até mesmo, dando cabo de sua existência. Assim, o inimigo do sistema tem que ser eficazmente aniquilado, mas quem são os inimigos é determinado pelo momento histórico em que nos encontramos inserido, dito por aqueles que detêm o poder de dizer o Direito.
Na Idade Média, o inimigo do sistema consistia na figura do herege, no Estado Absoluto, o inimigo era aquele que ofendia o rei, nos regimes Totalitários são os opositores ao sistema, e num sistema capitalista é aquele que não conseguiu tornar-se um potencial consumidor, pois, quem não consome contribui em que à sua manutenção?

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