BRASIL TEM 815 PRESIDIÁRIAS ESTRANGEIRAS. SEM CONTATO COM A FAMÍLIA, ELAS VIVEM EM TOTAL ABANDONO E AQUELAS QUE SÃO MÃES AINDA COPRREM O RISCO DE PERDER OS FILHOS PARA O ESTADO
Maria Clara Prates e Alessandra Mello
Viver sem liberdade e longe da pátria endurece ainda mais a sentença de condenação aplicada às mães bolivianas S.P., de 19 anos, e M.B., de 21, presas no Brasil por tráfico de drogas. Elas embalam seus bebês no berçário insalubre da Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto May, em Várzea Grande, Região Metropolitana de Cuiabá (MT), e não veem saída digna para os filhos, a não ser entregá-los à guarda do Estado brasileiro.
M.B. tem traços indígenas e um corpo que não deixou a adolescência para trás. Ela não desgruda do filho de 1 ano e 5 meses, que herdou os olhos puxados dos descendentes bolivianos. Quando foi presa em Cáceres (MT), fronteira com a Bolívia, ele tinha 3 meses. Depois de algumas tentativas bem-sucedidas de trazer droga de sua cidade, San Matias, para o Mato Grosso, para ganhar R$ 1 mil, foi descoberta. Já estava sozinha, porque o companheiro foi preso meses antes, também por tráfico, e acabou conhecendo o sentido real da palavra abandono.
Com a família toda morando em San Matias, M.B. se desespera com a possibilidade de entregar o filho ao conselho tutelar de Cuiabá, pois não conseguiu contato com os parentes na Bolívia. “É meu único filho, não vou suportar me separar dele. Não tenho ninguém no Brasil e não sei o que fazer”, diz com olhos marejados.
Na penitenciária de Várzea Grande, mãe condenada pode ficar com o filho até que ele completar 2 anos. O menino de M.B. tem mais sete meses de convivência com ela. Presa desde outubro de 2010, não foi julgada. Sem sentença, ela não tem nem como sonhar com dias melhores. A mulher divide o quarto com outras seis presas, mas a falta de espaço e de berços não a impede de derramar ternura enquanto troca a fralda do pequeno. Dia após dia, evita pensar em separação, que ocorre sem acompanhamento de profissional qualificado. As crianças também não têm tempo de convivência com o novo núcleo familiar antes da saída do presídio.
Bem mais tímida e arredia, S.P. evita falar de sua vida. Com ela está o filho, de 8 meses, que tinha 1 mês quando ela foi presa também em Cáceres. Um dos poucos momentos em que ela sorri é quando está ao lado do bebê, deixando à mostra os dois dentes de ouro. S.P. vivia em San Ignacio, na Bolívia, e transportava, de ônibus, droga para o Brasil. Ela conta que o marido é trabalhador brasileiro. Eles se conheceram quando ele era trocador de um ônibus da linha San Ignácio-Cáceres.
“Meu marido chegou a ser preso, mas foi solto. Além deste bebê, tenho dois filhos que ficam com a família. Sonho sair daqui o mais rápido possível”, diz. A hipótese de se separar da criança nem passa pela cabeça dela, que acredita poder ser beneficiada por medida judicial com autorização para cumprimento de pena em prisão domiciliar. “Tenho um irmão em Cáceres e poderia ficar com ele, mas a legislação brasileira impede que o benefício seja concedido às mães estrangeiras.”
MULAS Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, há 815 estrangeiras em penitenciárias brasileiras e a maioria, 187, é boliviana. As sul-africanas vêm em segundo lugar, seguidas das paraguaias. A advogada criminalista Maíra Fernandes, do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, confirma que a maior parte das estrangeiras encarceradas responde por tráfico internacional, mas elas atuam apenas como mulas, ou seja, transportadoras de drogas. Para Maíra, elas entram no crime por causa da dificuldade financeira. E como estão fora do país natal, não chegam nem sequer a avisar os parentes e sofrem com o abandono no Brasil.
“Isso é sério. As presas estrangeiras não podem fazer ligações internacionais e nem sempre conseguem enviar correspondência. Muitas passam toda a pena sem contato com a família, que fica sem saber o que houve com a mulher que, misteriosamente, desapareceu.” A advogada destaca que, para piorar, os processos de extradição e expulsão consomem longo tempo na burocracia estatal. “Além disso, consulados omissos, sobretudo de países africanos, não procuram contribuir com o Estado brasileiro no apoio às presas estrangeiras, como na busca de contato com a família e até mesmo na expulsão, com custeio da passagem, transferência da execução da pena, entre outros.”
Segundo Maíra, nas oportunidades em que conversou com as estrangeiras, a maioria demonstrou quer quer é voltar para casa e receber notícias dos filhos e da família que deixou para trás. “Uma delas conseguiu contato com vizinhos algum tempo depois da prisão e foi o suficiente para saber que seu filho havia sido enviado a um abrigo. Ela contou isso chorando e sem mostrar esperança de reencontrá-lo.”
http://www.dzai.com.br/infanciaatrasdasgrades/blog/infanciaatrasdasgrades
Maria Clara Prates e Alessandra Mello
Viver sem liberdade e longe da pátria endurece ainda mais a sentença de condenação aplicada às mães bolivianas S.P., de 19 anos, e M.B., de 21, presas no Brasil por tráfico de drogas. Elas embalam seus bebês no berçário insalubre da Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto May, em Várzea Grande, Região Metropolitana de Cuiabá (MT), e não veem saída digna para os filhos, a não ser entregá-los à guarda do Estado brasileiro.
BETO NOVAES/EM/DA PRESS
Nem a falta de conforto do espaço oferecido a ela na penitenciária ou a grade na janela tiram de M.B. os momentos de ternura ao lado do filho
Com a família toda morando em San Matias, M.B. se desespera com a possibilidade de entregar o filho ao conselho tutelar de Cuiabá, pois não conseguiu contato com os parentes na Bolívia. “É meu único filho, não vou suportar me separar dele. Não tenho ninguém no Brasil e não sei o que fazer”, diz com olhos marejados.
Na penitenciária de Várzea Grande, mãe condenada pode ficar com o filho até que ele completar 2 anos. O menino de M.B. tem mais sete meses de convivência com ela. Presa desde outubro de 2010, não foi julgada. Sem sentença, ela não tem nem como sonhar com dias melhores. A mulher divide o quarto com outras seis presas, mas a falta de espaço e de berços não a impede de derramar ternura enquanto troca a fralda do pequeno. Dia após dia, evita pensar em separação, que ocorre sem acompanhamento de profissional qualificado. As crianças também não têm tempo de convivência com o novo núcleo familiar antes da saída do presídio.
Bem mais tímida e arredia, S.P. evita falar de sua vida. Com ela está o filho, de 8 meses, que tinha 1 mês quando ela foi presa também em Cáceres. Um dos poucos momentos em que ela sorri é quando está ao lado do bebê, deixando à mostra os dois dentes de ouro. S.P. vivia em San Ignacio, na Bolívia, e transportava, de ônibus, droga para o Brasil. Ela conta que o marido é trabalhador brasileiro. Eles se conheceram quando ele era trocador de um ônibus da linha San Ignácio-Cáceres.
“Meu marido chegou a ser preso, mas foi solto. Além deste bebê, tenho dois filhos que ficam com a família. Sonho sair daqui o mais rápido possível”, diz. A hipótese de se separar da criança nem passa pela cabeça dela, que acredita poder ser beneficiada por medida judicial com autorização para cumprimento de pena em prisão domiciliar. “Tenho um irmão em Cáceres e poderia ficar com ele, mas a legislação brasileira impede que o benefício seja concedido às mães estrangeiras.”
MULAS Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, há 815 estrangeiras em penitenciárias brasileiras e a maioria, 187, é boliviana. As sul-africanas vêm em segundo lugar, seguidas das paraguaias. A advogada criminalista Maíra Fernandes, do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, confirma que a maior parte das estrangeiras encarceradas responde por tráfico internacional, mas elas atuam apenas como mulas, ou seja, transportadoras de drogas. Para Maíra, elas entram no crime por causa da dificuldade financeira. E como estão fora do país natal, não chegam nem sequer a avisar os parentes e sofrem com o abandono no Brasil.
“Isso é sério. As presas estrangeiras não podem fazer ligações internacionais e nem sempre conseguem enviar correspondência. Muitas passam toda a pena sem contato com a família, que fica sem saber o que houve com a mulher que, misteriosamente, desapareceu.” A advogada destaca que, para piorar, os processos de extradição e expulsão consomem longo tempo na burocracia estatal. “Além disso, consulados omissos, sobretudo de países africanos, não procuram contribuir com o Estado brasileiro no apoio às presas estrangeiras, como na busca de contato com a família e até mesmo na expulsão, com custeio da passagem, transferência da execução da pena, entre outros.”
Segundo Maíra, nas oportunidades em que conversou com as estrangeiras, a maioria demonstrou quer quer é voltar para casa e receber notícias dos filhos e da família que deixou para trás. “Uma delas conseguiu contato com vizinhos algum tempo depois da prisão e foi o suficiente para saber que seu filho havia sido enviado a um abrigo. Ela contou isso chorando e sem mostrar esperança de reencontrá-lo.”
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