"Guantánamo" de SP pode ser fechada
Conselhos médico e de psicologia pedem fim de local de internação psiquiátrica por ferir legislação de saúde e prisional
Espaço acolhe jovens de alta periculosidade, entre eles, Champinha, que estuprou e matou Liana Friedenbach
ELIANE TRINDADE
DE SÃO PAULO
A Unidade Experimental de Saúde, que ocupa terreno murado de 7.000 m2 ao lado da ponte da Vila Maria (zona norte), ganhou o apelido de "Guantánamo brasileira".
A unidade passou a funcionar em 2006 para abrigar Roberto Aparecido Alves Cardoso, o Champinha, prestes a completar 21 anos à época.
O jovem já cumprira os três anos de internação na Fundação Casa, pelo assassinato e estupro de Liana Friedenbach, em 2003.
Aos 24 anos, sete deles encarcerado, ele hoje tem a companhia de outros cinco ex-internos da Fundação.
Em seu termo de criação, a UES se destina "a adolescentes/jovens que cumpriram medida socioeducativa e tiveram essa medida convertida pelo Poder Judiciário, em protetiva, por serem portadores de transtornos de personalidade e/ou possuírem alta periculosidade".
O local é protegido por câmeras, muros altos, grades e portões com cadeados. Doze agentes se revezam nos cuidados com os internos.
FISCALIZAÇÃO
Em 16 de fevereiro, a unidade sofreu fiscalização a pedido do Ministério Público.
Após a inspeção, que envolveu o CRP-SP (Conselho Regional de Psicologia) e o Cremesp (Conselho Regional de Medicina de SP), foi pedido o fechamento da UES. O relatório foi entregue a promotores no último dia 14.
"A unidade tem que ser extinta por ferir a legislação de saúde e a prisional", diz Carla Biancha Angelutti, do CRP. As irregularidades: falta de projeto terapêutico, prontuários médicos não acessíveis e presença de carcereiros em local não prisional.
Em documento assinado por oito entidades, os internos são chamados de "presos políticos da saúde mental".
"Os jovens estão depositados lá ad eternum, já que não há um projeto terapêutico exigido em qualquer serviço de saúde mental", diz Carla.
É recorrente a comparação da UES com a prisão da base americana de Guantánamo, em Cuba, para onde foram suspeitos de terrorismo. De lá, surgiram denúncias de violação de direitos.
A unidade nasceu num vácuo jurídico, já que o Estatuto da Criança e do Adolescente não disciplina a questão. Sem definição na Justiça, o promotor Wilson Tafner entrou com um pedido de interdição civil de Champinha, com internação compulsória dele, que não poderia mais ficar na fundação após três anos de medida sócio-educativa.
O processo deixou de ser da Vara de Infância e passou à Vara Cível de Embu-Guaçu, domicílio do réu. "Criou-se um subterfúgio jurídico e o jovem foi declarado psicopata para criar uma hipótese de privação de liberdade não prevista na lei", diz Flávio Frasseto, defensor público.
Criou-se um novo problema: o local onde cumprir a medida inédita de internação psiquiátrica, numa unidade de saúde para infratores que cometeram crimes quando eram menores.
Em novembro de 2007, o imbróglio terminou por meio de um decreto que transferiu à Secretaria de Saúde o complexo para "atender determinação do Poder Judiciário". Nascia a UES, uma unidade de saúde em que os visitantes são recebidos pela placa "área de segurança".
OUTRO LADO
A Secretaria de Estado da Saúde informou, por meio de uma nota, que "por razões de segurança e pelo fato de os processos correrem em segredo de Justiça, não podemos fornecer detalhes sobre o atendimento".
Fonte: FSP
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