Uma visão de dentro pra fora.
Por Tito
Bárbaro! Cruel! Absurdo! São as principais expressões da sociedade quando no dito “concurso de agentes” adolescentes estão envolvidos.
A solução nada inovadora, em tempos ainda de vigiar e punir, é a punição do “menor” cada vez mais inserido na lógica do embrutecimento humano.
O ECA Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) vem trazer à baila que não mais, crianças e adolescentes serão tratados como objeto do Estado, mas sim sujeitos de direitos e dentro de uma perspectiva basilar do Sistema de Garantia de Direitos,porém , os deveres caminham de forma intrínseca para monitoramento e controle .
Pois bem, mas e dentro do outro lado dos muros que separam os socialmente admitidos para o convívio social e os que precisam ser “ressocializados”, o que de fato acontece?
Segundo o CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) “Partindo da necessidade de constituir parâmetros mais objetivos e procedimentos mais justos a fim de evitar a discricionariedade, o SINASE reafirma a diretriz do Estatuto sobre a natureza pedagógica da medida socioeducativa.”
O que embora as próprias entidades que estão na responsabilidade do atendimento chamado socioeducativo, sequer têm algum tipo de formação continuada no que diz respeito ao próprio SINASE, e verbaliza:
“Para isto, o SINASE tem como plataforma inspiradora os acordos internacionais em direitos humanos e, em especial, na área de direitos de crianças e adolescentes, que o Brasil é signatário”.
Sendo o Brasil signatário de diversos tratados internacionais como a Declaração dos Direitos da Criança, como os adolescentes que estão contemplados pelo Estatuto em epígrafe, em pleno 2011 sofrem com maus tratos, torturas, violência psicológica, abusos que afetam a dignidade sexual denunciados pelos próprios adolescentes e familiares, mas que se perde no ar. Solidificando-se a conveniência e oportunidade donde seria o organismo fundamental para garantir que tais violações não ocorressem, mas que traz em sua própria essência a manutenção e perfectibilização sendo o Estado Burguês.
Com a aplicabilidade pelo magistrado das chamadas “medidas socioeducativas” têm-se enquanto preferida a medida temível de internação como uma espécie de retribuição para o que o autor cometeu.
NÃO SE JOGA GASOLINA EM INCÊNDIO!
A não aplicação do artigo 121 do ECA que em seu “caput”trata da excepcionalidade, brevidade e respeito a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento da medida socioeducativa extrema de internação, assevera a falência estatal enquanto órgão que tem o dever de garantir direitos, mas que é donde garante as violações nas mais variadas formas.
Com a desproporcionalidade da medida aplicada frente a uma enchente de condenações a uma demanda crescente de adolescentes que em sua grande maioria são advindos de camadas mais pobres, onde suas identidades ora, inseridas no contexto frio e desumano como o capitalista, são submetidas aos ditames da classe dominante de nossos tempos estamos cada vez mais distantes de extinguir o conflito.
Sendo raros os atos infracionais contra a vida de outrem e, tendo na maioria esmagadora, os chamados crimes contra o patrimônio, se faz mister colocarmos em tela, que a consciência dos seres humanos, devido ao processo de fetiche da mercadoria4 está impossibilitada de entender de forma crítica e contundente a realidade que os rodeiam, sendo a mercadoria objetos externos que atendem ás necessidades humanas, logo, o que temos que analisar é de que maneira trabalharemos especificamente com os adolescentes no intuito de fortalecer sua auto estima se em tempos de relações monetárias onde “Deus é uma nota de cem?”.
A esse respeito aduz Antonio Carlos Gomes da Costa:
“Um dos caminhos para que isso ocorra é mudar nossa maneira de entender os adolescentes, e de agir em relação a eles. Para isso, temos de começar mudando a maneira de vê-los. O adolescente deve começar a ser visto como solução, e não como problema.”
O que evidencia a caracterização da falta de perspectiva de pensar os adolescentes não enquanto protagonistas e sim criminosos em potencial, é o posicionamento da Fundação CASA (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente) quando na verificação de inúmeras denúncias de violações de direitos dos (as) adolescentes e o descaso por parte da própria instituição que embora tenha alterado sua nomenclatura, resiste quanto ao trato com o adolescente de forma arcaica, mais parecendo como a extinta roda dos expostos
CONHECENDO UM POUCO DO CONVÍVIO EM UMA U.I.P.
O Adolescente quando adentra os portões que lembram bastante as escolas das periferias é iniciado numa espécie de ritual que se encaixa perfeitamente com uma violência psicológica, pois o mesmo tem que “colar” o queixo no tórax, numa posição de serviçal, as mãos para trás e falar quando estiver passando por algum adulto a célebre solicitação:
“LICENÇA SENHOR!”
Caso o adolescente se recuse a reproduzir tal solicitação, é comum ameaças por parte de funcionários da chamada contenção, dizendo que da próxima vez, o “bicho vai pegar”. E pouco importa se a fila indiana parece interminável, todos têm que reproduzir e, aquele que se recusar, irá pagar caro pelo seu brio.
As instalações foram planejadas para conter rebeliões, por isso muitas escadas, sobe e desce o dia todo, a chamada disciplina necessária por parte de agentes que sequer estão preocupados com alguma pedagogia a não ser a da repressão.
No refeitório não é permitido qualquer diálogo, quem se atrever vai pro “quartinho” relembrar todas as “regras da casa”, vez ou outra alguém serve de bode expiatório para constantemente lembrá-los de que perderam o seu direito mais valioso :a liberdade!
“Hora da Brasa”, a ampulheta cede lugar para o tempo de 1,2 até 3 cigarros, fumados por algum funcionário.Nesse momento é permitido aos adolescentes conversarem, mas sem sair do lugar,a sala precisa abarcar todos os adolescentes que nesse momento permanecem sentados ao chão, enquanto uma linha divisória feita com fita crepe, separa os “menores” dos “funças”que , por sua vez, permanecem sentados cada qual em uma cadeira observando detalhadamente a conduta de cada “meliante”.
As atividades orquestradas pela pedagogia (entende-se aqui por pedagogia a parte responsável pelo processo educacional, porém, no quadro de funções esta é hierarquicamente inferior aos ditames da contenção) não necessariamente tem uma participação voluntária da parte dos adolescentes, os mesmos são obrigados a realizar atividades que as equipes técnicas acham importantes, e aí está o amálgama pois, de um lado existem profissionais “aptos” a desenvolver de forma técnica as capacidades individuais, por outro o Estado chuta o balde da truculência com a repressão severa e punitiva alicerçada pela artigo 125 do ECA que rege:
“é dever do Estado zelar pela integridade física e mental dos internos , cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de contenção e segurança”.
A grande questão que está posta é exatamente a institucionalização do adolescente que, embora digamos, esteja cumprindo para ficar “quite” com a sociedade, a experiência é brutal e decisiva para o maior temor ou previsão da magistratura conservadora: a inserção na vida delinquencial e ausência de freios inibitórios que contraditoriamente, encontra vinculação íntima nos porões da medida de internação.
UM RELATO BREVE DAS UNIDADES DE INTERNAÇÕES
No Brasil, entre 16 mil e 17 mil jovens estão internados, sendo que o País tem uma média de 390 unidades de internação sendo crescente esse número em todo o país, mas o modelo fracassado dos presídios no âmbito criminal é inspiração para modelos correcionais e meramente punitivos na esfera da adolescência.
Dentro de uma unidade, nota-se uma estrutura técnica, com uma equipe que embora detenha o prontuário do adolescente, não necessariamente conhece as instalações ao qual estão inseridos os adolescentes. Fica a possibilidade de se a unidade estiver “nas mãos dos funças” a rotina repressiva é muito semelhante à Unidade de Internação Provisória, caso a unidade esteja “nas mãos dos menores”é um contexto totalmente diferente e desafiador, tendo a lógica do chamado crime organizado como “modus operandus” a ditar como conduzir o convívio dos adolescentes com as subdivisões: “faxinas”, “correrias” e “vozes” ou “palavras”.Tendo como subsídios as informações de funcionários antigos (monitores ou agentes de proteção/contenção) que numa relação de poder ficam mais no convívio com os adolescentes do que qualquer técnico, informações como tipo de infração chegam primeiro que o adolescente, resultando em isolamento no caso se for “Jack”, e apadrinhamento se o adolescente for primário.
Sumaríssimo relatar que numa unidade de Internação, a possibilidade de uma rebelião é constante, tendo várias possibilidades para consolidação da mesma, advinda de diversas reivindicações desde as instalações mais dignas, denúncias de maus tratos por parte dos agentes de “proteção”- contenção, respeito aos familiares no dia de visita, até o direito de usar roupas normais e não de internos, mais atividades culturais, atendimento técnico semanal, atendimento médico diário aos que necessitarem etc.
Eis o cenário pós-rebelião: adolescentes machucados, quebrados, na tranca sem poder circular pela unidade durante todo o período que for imposto o castigo, podendo apenas sair da cela (quarto) para necessidades fisiológicas, sem direito à visita, sem atividade alguma.
Esse é o tipo de controle que a sociedade pensou, mas e o retorno à vida em convívio social será tranqüilo?O que foi preparado para o retorno desse ser social por natureza para consolidar a chamada “ressocialização”?
Ficou comum a comunidade notar e perceber se o adolescente já teve “passagem” na Fundação, existem diversas maneiras para a percepção que evidenciam desde a própria fala e/ou gíria específica até os hábitos que ficam tatuados na mente do adolescente, sendo taxativo, por exemplo, a palavra SENHOR, SENHORA, remetida a qualquer adulto que se aproxime, porém, muito antagônico ao dito respeito, traz em seu anseio resistência e ódio ao que lhe fizeram psicologicamente.
As seqüelas internas são múltiplas: resistência com a escola, distanciamento de relações relativas à sua faixa etária como jogar futebol, falta de paciência para qualquer curso profissionalizante, trauma com relação a autoridade coatora como um segurança, um policial ou uma família rígida.
E temos as seqüelas externas: estereótipos remetidos a “esse tipo” de adolescente, resistência por parte da escola enquanto instituição de ensino cabendo a matrícula mediante ordem judicial e não como um direito salvaguardado na Constituição Federal. Resistência no próprio bairro/ comunidade como se o adolescente fosse um câncer, estigmatização por parte de policiais que eternamente irão persegui-lo como o grande mal a ser combatido.
Eis o que temos: um novo tipo de adolescente mais embrutecido, mais insensível, mais vulnerável a manter o ciclo perverso de nossos tempos:
POBRE-SEMIANALFABETO-VULNERÁVEL-CRIME-MARIONETE- DO-SISTEMA
QUANTO VALE OU É POR CRIME?
Tudo tem o seu custo para alógica do capital, para o adolescente ser inserido, por exemplo, no sistema de garantia de direitos, ele precisa infracionar, com isso dá respaldo a toda uma rede de atendimento direcionada a acalmar a revolta não direcionada da parte que se permite ainda questionar, porém sem um direcionamento, acaba por ser previsível sua perspectiva num estado de controle social tão avassalador quanto o Estado Democrático de Direitos.
“Aí mano aposente seu calibre, dispense a farinha, desfaça a quadrilha, o
nosso sangue o cadáver embaixo do jornal, o moleque fumando crack, é o que
o sistema brasileiro de corpos quer, pobre se matando, pobre trocando tiro
entre si, pobre morrendo na mão da policia, pobre no cemitério, seu trampo e
seu estudo brecam o cano do PM, mano informado, digno se valorizando é
embaçado mano, o Brasil treme”
Facção Central
Brincando de Marionete
BIBLIOGRAFIA
Estatuto da Criança e do Adolescente. EDEPE- Núcleo Especializado Infância e Juventude
MARX, Karl. Engels. Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Boitempo.
LAMENZA, FRANCISMAR DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E A DISCRICIONARIEDADE DO ESTADO
Atos Discricionários do Estado – Direito Administrativo.
São as ONGs, por exemplo, que viabilizam parcerias para incluir os jovens no mercado de trabalho e em cursos de educação profissional.
Um comentário:
É..., realmente...dolorida reflexão e tão verdadeira.................
maria helena - psicóloga na fundação casa
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