Luciana Araújo - 20/02/2011 - 10h37
O Estado de São Paulo conta com apenas 500 defensores públicos para atender as mais de 23 milhões de pessoas potencialmente necessitadas de assistência jurídica gratuita —maiores de 10 anos com renda familiar de até três salários mínimos—, ou seja, um defensor para cada 46 mil pessoas. Até o final do ano passado havia apenas 45 defensores atuando na área de execuções penais, sendo que a população carcerária do Estado é de mais de 180 mil presos.
Criada pelo Governo de SP apenas em 2006, a Defensoria Pública teve, desde então, cinco concursos em que foram contratados apenas 187 defensores. Apesar desse déficit de pessoal, em média 70% do orçamento da Defensoria vem sendo gasto anualmente com o pagamento de honorários a advogados particulares contratados por meio de um convênio firmado com a seção paulista da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
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Em 2010, de acordo com o demonstrativo da execução orçamentária divulgado no portal da Defensoria, ainda com o mês de dezembro em curso já tinham sido gastos R$ 301.499.125,00 – equivalentes a 98,67% da conta relativa ao “atendimento complementar e/ou especializado de assistência jurídica”. A dotação orçamentária total destinada ao órgão estava fixada em R$ 438.252.718,00. Ainda segundo a Defensoria, entre 1997 e 2009 o gasto anual com o convênio cresceu 730%, saltando de R$ 40 milhões para R$ 293 milhões.
O convênio existe desde 1986 e está previsto na Constituição do Estado e na lei que criou a Defensoria Pública. Esta forma de contratação, nos moldes praticados em São Paulo, não existe em nenhum outro estado do país. Aqui a Defensoria é responsável pela gestão do convênio, mas é a OAB-SP que define as cláusulas contratuais, a forma de pagamento e como funciona a contratação. A Ordem também faz a triagem e nomeação dos advogados nas cidades onde não há escritórios da Defensoria, a quem resta apenas pagar a conta com dinheiro público.
Quando a negociação se torna polêmica, até aqui a OAB fez valer sua posição nas barras dos tribunais. Em 2008, o convênio foi suspenso porque a Ordem pleiteava reajuste de 5,84% a título de correção da inflação e aumento de 10% na tabela de honorários, mas a Defensoria alegou não ter condições orçamentárias de atender à reivindicação e publicou edital para selecionar diretamente os advogados. A OAB-SP então propôs uma ADIn (ação direta de inconstitucionalidade) junto ao Tribunal de Justiça e um mandado de segurança na Justiça Federal e obteve duas liminares impedindo o prosseguimento da seleção. Hoje, os dois processos estão suspensos aguardando a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) em outra ação direta de inconstitucionalidade que questiona a obrigatoriedade do convênio.
Expansão lenta e gradual
O 1º subdefensor público geral do Estado, David Eduardo Depiné Filho, defende a importância do convênio para assegurar a prestação do serviço nas cidades onde a Defensoria ainda não consegue atuar com seus próprios profissionais. Ele afirma considerar “natural” que a expansão da Defensoria Pública de SP seja um “processo gradual e paulatino”.
“Principalmente se considerarmos o breve tempo de existência da Defensoria, que acaba de completar cinco anos. Até lá, o trabalho suplementar desenvolvido pelos advogados dativos, por intermédio do convênio existente, é necessário para garantir à população carente do Estado o exercício e a defesa de seus direitos em juízo", diz Depiné Filho.
Já o presidente da Anadep (Associação Nacional dos Defensores Públicos), André Luís Machado de Castro, critica a contratação de advogados particulares para a prestação de serviços públicos, o que violaria princípios constitucionais. “O malfadado convênio com a OAB trata-se de uma forma de privatização de serviços que a Constituição Federal determina que sejam realizados pelo Estado, através da Defensoria Pública”, protesta.
O presidente da seção paulista da OAB, Luiz Flávio Borges D’urso, afirma que os quase 47 mil advogados inscritos no convênio, que atuam em sistema de rodízio, recebem honorários baixos, de em média R$ 500,00 para acompanhamento de audiências ou apresentação de petições em processos.
Para o presidente da Associação Paulista dos Defensores Públicos, Rafael Vernaschi, “até pelo fato deles colocarem em sistema de rodízio, a gente percebe que é uma forma de garantir que mais pessoas participem, de reserva de mercado”, afirma. Os defensores também reclamam que precisam ser aprovados em concurso público, enquanto os advogados dativos não são submetidos a nenhum tipo de seleção. Uma parte utiliza o convênio para complementar rendimentos, mas no interior é comum que esta seja a única renda do profissional.
D’Urso rebate afirmando que “toda a infraestrutura sai do bolso do advogado” e que “a Defensoria paga salários entre R$ 7 mil e R$ 13 mil para cada um dos 400 defensores e toda infraestrutura é paga pelo Poder Público”.
Demanda
No ano passado, os cerca de 47 mil advogados atenderam um milhão de pessoas. Os 421 defensores que já estavam em atividade chegaram a 830 mil atendimentos. A Defensoria defende a tese de que 1.500 defensores públicos garantiriam atuação em todas as comarcas do Estado e absorveriam toda a demanda por assistência jurídica gratuita da população de baixa renda. O custo estimado para uma capacidade de 3 milhões de atendimentos por ano seria de R$ 465 milhões.
No ritmo em que tem se dado a ampliação do quadro do órgão, serão necessária mais uma década para que esse patamar seja atingido. O Plano Plurianual em vigor no Estado (PPA 2008/2011) previa a criação de apenas 100 novos cargos por ano de mandato do Governo. Neste ano a Assembleia Legislativa terá que aprovar novo PPA e, se esse planejamento não mudar, a sociedade terá que esperar muito até ter assistência jurídica gratuita para toda a população necessitada no Estado.
O presidente da OAB-SP afirma ainda que “se o convênio acabasse o dinheiro voltaria para o Judiciário” e não ajudaria a reforçar os cofres da Defensoria para sua expansão, porque os recursos vêm do Fundo de Assistência Judiciária. No entanto, a lei que criou a Defensoria é explícita ao determinar que cabe ao órgão administrar os recursos do fundo.
Fonte: Última Instância
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