Infância Urgente

segunda-feira, 28 de junho de 2010

A Copa do Mundo de 2010 deve ser exposta publicamente como a grande farsa que é

A Copa do Mundo de 2010 deve ser exposta publicamente como a grande farsa que é. A
Frente Anarquista Comunista Zabalaza (ZACF - Zabalaza Anarchist Communist Front), da
África do Sul, condena veementemente o cinismo e a hipocrisia do governo sul-africano que apresenta este momento como uma oportunidade única "apenas uma vez
na vida" para a melhoria da situação econômica e social das pessoas que vivem no
país (assim como no resto do continente).

Isto é afirmado claramente - a tal ponto que se torna impressionante - visto que
esta "oportunidade" tem sido e continua sendo a ganância desenfreada da elite
dirigente sul-africana assim como a do capital, nacional ou internacional. Na
verdade, a Copa do Mundo, se tiver algumas conseqüências é provável que estas sejam
devastadoras - para os pobres da África do Sul e para a classe trabalhadora - já em
pleno andamento.

Na preparação da Copa do Mundo, o governo gastou mais de 8,2 bilhões de rands (cerca
de R$ 2 bilhões), por exemplo, mais de 1 bilhão para o desenvolvimento das
infra-estruturas e 3 bilhões para reformas e construções de estádios que depois da
Copa do Mundo jamais estarão lotados. Isto é um tapa na cara de todos aqueles que
vivem num país marcado por uma pobreza extrema e com uma taxa de desemprego que gira
em torno de 40%.

Nos últimos cinco anos, os trabalhadores pobres têm vindo a manifestar a sua
indignação e decepção face à incapacidade do governo para corrigir as enormes
desigualdades sociais, organizando, em todo o país, mais de 8 mil manifestações para
exigir serviços básicos (água, eletricidade, saúde...) e habitações dignas.

Esta distribuição dos custos, pelo Estado, é mais uma prova dos equívocos do modelo
neoliberal capitalista e das suas políticas econômicas de "racionamento"[1], que só
serviram para aprofundar as desigualdades e a pobreza.

Apesar das afirmações anteriores, no sentido contrário, o governo acabou por
reconhecer, recentemente que "nunca foi a sua intenção" que este projeto chamado
Copa do Mundo fosse beneficiário em termos sociais[2].

A África do Sul precisa desesperadamente de infra-estruturas públicas em grande
escala, especialmente na área dos transportes públicos que estão quase totalmente
ausentes em algumas cidades, incluindo Johanesburgo. O Gautrain (uma espécie de trem
bala), lançado em 8 de junho (na véspera da Copa do Mundo), é provavelmente a grande
ironia disto: num país onde a grande maioria das pessoas depende, cotidianamente,
para percursos de longa distância, de táxis e lotações, sem condições mínimas de
segurança, o Gautrain oferece rapidez, transporte de luxo para turistas e para
aqueles que viajam entre Johanesburgo e Pretória (distante apenas 54 km).

O mesmo panorama aparece em toda parte: o Airports Company South Africa (ACSA)
gastou mais de 1,6 bilhões rans para a modernização dos aeroportos. Já a Agência
Nacional de Estradas Sul-Africanas (SANRAL), privatizada, gastou mais de 2,3 bilhões
de rans para uma nova rede de rodovias.

Tudo isso explicará a implementação de medidas de austeridade drásticas para
recuperar os bilhões gastos nas infra-estruturas, a maioria dos quais são de
interesse nulo para os africanos pobres, a esmagadora maioria do país.

Em toda a África do Sul os municípios estão envolvidos em "esquemas" de
revitalização urbana, acompanhados pelos seus inseparáveis programas de
gentrificação, com o governo tentado, apressadamente, esconder debaixo do tapete a
crua realidade deste país.

Em Johanesburgo, mais de 15 mil sem-teto e crianças de rua foram apanhadas e
"despejadas" em "abrigos"; em Cape Town, autoridades do município expulsaram
milhares de pessoas das zonas pobres e das favelas no âmbito do projeto "World Cup
Vanity" (tornar a cidade agradável para a Copa do Mundo). Em Cape Town tentou-se -
em vão - expulsar de suas casas 10 mil moradores da favela Joe Slovo com o objetivo
de esconder a população dos olhos dos turistas que viajam ao longo da rodovia N2.

Em outros lugares, populares foram despejados para dar lugar aos estádios,
estacionamentos para turistas, ou estações[3]. No Soweto, as estradas foram
embelezadas ao longo das rotas turísticas e da sede da FIFA, enquanto as escolas ao
redor continuam com as janelas quebradas e as instalações em ruínas.

Apesar de muitos sul-africanos não terem caído neste "canto de sereia", outros são
inundados e arrastados pela enxurrada de propaganda nacionalista que visa desviar a
atenção do circo que é a Copa do Mundo.

Cada sexta-feira no país foi declarada "Dia do Futebol", onde a "nação" é
incentivada (e os alunos forçados) a vestir camisas dos Bafana-Bafana (seleção
nacional da África do Sul).

Os carros são enfeitados com bandeiras, as pessoas aprendem a "diski dance", que é
constantentemente demonstrado em todos os restaurantes turísticos. Já é praxe
comprar a mascote Zakumi. E quem se atrever a manifestar dúvidas sobre a Copa é
maculado como antipatriota. O exemplo mais significativo disso tudo foi o apelo das
autoridades aos grevistas do Sindicato dos Transportes (SATAWU), para que
abandonassem as suas reivindicações pelo "interesse nacional"[4].

Num contexto em que quase um milhão de empregos desapareceram, só no ano passado, as
declarações do governo, sobre a criação de mais de 400 mil postos de trabalho devido
à Copa do Mundo, são descontextualizadas e ofensivas. Os empregos que foram criados,
nesta euforia futebolística, são muitas vezes precários ou CDD (contratos com
duração determinada), por trabalhadores que não são sindicalizados e recebem
salários muito abaixo do salário mínimo.

Para além da repressão contra os sindicatos, os movimentos sociais têm sentido a
mesma hostilidade do Estado, traduzida oficialmente pela proibição geral de todos os
protestos durante a Copa do Mundo. Jane Duncan (do Instituto para a Liberdade de
Expressão) refere-se, com abundância de provas, que essa política foi colocada em
prática a partir do começo de março.

Um inquérito as cidades sede da Copa do Mundo, revelou que uma proibição geral de
qualquer reunião está em curso. Assim, no município de Rustenberg, "as concentrações
estão proibidas durante a Copa do Mundo".

O município de Mbombela recebeu a informação, da polícia nacional, de que não seriam
permitidos "encontros" durante a Copa. O conselho municipal da Cidade do Cabo
informou que não continuaria a receber pedidos para organização de marchas, que
"isso poderia ser um problema" durante a realização da Copa. Nos municípios de
Nelson Mandela Bay e de Ethekwini, a polícia proibiu manifestações durante o período
da Copa do Munde[5].

A Constituição da África do Sul, muitas vezes elogiada pelo seu caráter
"progressista", está longe de ser a garantia de liberdade e de igualdade. Esta nova
forma de repressão entra claramente em contradição com o direito constitucional à
liberdade de expressão e de reunião.

No entanto, os movimentos sociais, em Johanesburgo, incluindo o Fórum
Anti-Privatização e vários outros não desistiram, e obtiveram uma autorização para
uma marcha e manifestação no dia da abertura da Copa, com a ajuda do Instituto para
a Liberdade de Expressão. Porém, a marcha deverá ser confinada a três quilômetros do
estádio, onde não atrairá a atenção da mídia.

Não foi apenas o Estado sul-africano que realizou uma repressão severa sobre os
pobres e sobre qualquer atividade ou manifestação anti-Copa do Mundo, sob um
disfarce que representa a África do Sul como um polvo que estende os seus tentáculos
em convite a todos e a todas, para que afluam em rebanhos aos seus hotéis de luxo,
os quartos de hóspedes e salões de coquetéis, mas também o império criminal legal a
que Josepp Blatter e seus amigos chamam FIFA (admiravelmente nomeada THIEFA (clube
dos ladrões em inglês) pelo Fórum Social em Durban).

Prevendo com a Copa 2010 um lucro de aproximadamente 1,5 bilhões de euros, a FIFA já
arrecadou mais de 1 bilhão apenas com os direitos de transmissão televisiva. Os
estádios e as zonas circudantes foram entregues à FIFA durante o período do torneio
(como "casulos livres de impostos", áreas controladas e vigiadas pela FIFA e isentas
do imposto normal e outras leis estaduais sul-africanas), incluindo estradas e
pontos de acesso. Dessas regiões serão excluídas as pessoas que vendem produtos não
licenciados da FIFA. Assim, os que acreditaram que, durante a Copa do Mundo, iriam
aumentar a sua renda de sobreviventes, serão deixados de fora no frio "racionamento"
neoliberal.

Mais: a FIFA, como proprietária exclusiva da marca Copa do Mundo e dos seus produtos
derivados, dispõe de uma equipe com centenas de advogados e funcionários que
percorrem o país para rastrear qualquer venda não autorizada e para fazer marketing
da sua própria marca. Os produtos ilegais são apreendidos e os vendedores são
presos, apesar do fato da maioria na África do Sul e do continente comprarem os seus
produtos no setor do comércio informal. Porque muito poucos sul-africanos têm 400
rand (40 euros) para pagar pelas camisas das seleções e outras "engenhocas" da Copa.

Os jornalistas também foram efetivamente amordaçados neste evento, na hora de se
credenciarem, a FIFA incluia a aprovação formal de uma cláusula que impede as
organizações de mídia de criticá-la, comprometendo claramente a liberdade de
imprensa[6].

A ironia maior desta história toda é que o futebol era originalmente o esporte da
classe trabalhadora. Ir assistir aos jogos nos estádios era uma atividade de baixo
custo e de fácil acesso para as pessoas que escolhessem passar 90 minutos das suas
vidas esquecendo o cotidiano sob a bota do patrão e do Estado.

Hoje, o futebol negócio e a Copa do Mundo trarão lucros exorbitantes para um pequeno
grupo da elite mundial e nacional (com milhões de gastos desnecessários,
especialmente em um momento de crise capitalista mundial), que cobram aos seus
clientes-torcedores- espectadores milhares de rands, dólares, libras, euros, etc.,
para assistirem futebolistas caindo em excesso e mergulhando em campos super bem
tratados e que discutem, através de agentes parasitários, se são ou não dignos de
seus salários mirabolantes (Kaká recebe mais de 10 milhões de euros por ano no Real
Madri).

O jogo em si, que em muitos aspectos, mantém a sua beleza estética, perdeu a sua
alma trabalhadora e foi reduzido a uma série de produtos destinados a serem
explorados e consumidos.

Bakunin disse que "as pessoas vão a igreja pelos mesmos motivos que vão a um bar:
para hostilizar, para esquecer a sua miséria, para imaginar serem, por alguns
minutos, também, livres e felizes". Talvez possamos dizer o mesmo do futebol
negócio, com estas bandeiras nacionalistas agitadas e a sua cegueira, com as
estridentes vuvuzelas. Deste modo parece mais fácil de se esquecer do dia a dia, de
tomar parte na luta contra a injustiça e a desigualdade.

Mas numerosos também são os que continuam o combate, e a classe trabalhadora, os
pobres e as suas organizações não são assim tão maleáveis às ilusões quanto o
governo gostaria de crer. Construiremos acampamentos temporários junto aos portões
dos estádios onde tiver aglomerações, ações de greve geral - autorizadas ou não.

E apesar dos insultos, das zombarias e os rótulos de "antipatrióticos" e a supressão
da liberdade de expressão, vamos fazer ouvir as nossas vozes para denunciar
publicamente as desigualdades terríveis que caracterizam a nossa sociedade e os
jogos mundiais que se disputam em detrimento da vida daqueles sobre os quais se
construíram os impérios que, no fim das contas, serão destruídos.

Abaixo a Copa do Mundo!

Phansi [Abaixo] a repressão do Estado e do nacionalismo que nos divide!

Phambili [Viva] a luta do povo contra a exploração e os lucros!

Mais infos:

http://www.ukzn.ac.za/ccs/default.asp?2,40,5,2037
http://antieviction.org.za/
http://www.abahlali.org/

Nenhum comentário: