Na noite desta quarta-feira, dia 9 de junho de 2010, Maximiano Rodrigues Alves sofreu um atentado a bala no município de Itambé, em Pernambuco. Testemunhas afirmam que um homem na garupa de uma moto efetuou quatro disparos de arma de fogo contra Maximiano, que foi atingido por um tiro de raspão na cabeça. O comerciante, de 45 anos, é testemunha no processo que investiga a execução, em janeiro de 2009, do advogado e ex-vereador Manoel Mattos, que desde a década de 1990 denunciava a ação de grupos de extermínio na fronteira entre Pernambuco e Paraíba.
É fundamental que se esclareça se existe ou não relação entre o atentado e o assassinato de Manoel Mattos. No entanto, levando-se em consideração que o trabalho investigativo e o processamento judicial do crime ficarão nas mãos das autoridades locais, as perspectivas de elucidação não são das melhores. Nos últimos dez anos, mais de 200 crimes de execução foram praticados entre PE e PB, mas, apesar das denúncias qualificadas e dos esforços da Promotora de Justiça da Comarca de Itambé (PE), Dra. Rosemary Souto Maior, os grupos de extermínio continuam articulados e grande parte dos crimes permanece sem solução.
Não por acaso. É notória a participação de policiais e a influência de magistrados e políticos nos 'esquadrões da morte' da região. Em 2005, a CPI dos grupos de extermínio da Câmara dos Deputados determinara a investigação de suspeitos, mas as resoluções não foram cumpridas. O relatório final fazia menção direta a nomes de delegados, de policiais, de um promotor, um juiz e até um deputado, todos acusados de participação direta ou conivência com os grupos.
Antes, em 2002, a OEA já havia determinado ao Brasil a garantia de proteção da vida e da integridade física de Manoel Mattos e de outras quatro pessoas que denunciavam grupos de extermínio na divisa entre Pernambuco e Paraíba – entre elas a Dra. Rosemary e os deputados federais Luiz Couto e Fernando Ferro. Apesar desta decisão e de todas as denúncias, a falta de apuração das autoridades locais e o descaso com as determinações da OEA foram determinantes para o assassinato de Manoel Mattos.
O atentado de quarta-feira - e a desconfiança de que seja feita uma investigação isenta - é mais um episódio que evidencia a urgência de que, naquela região, a competência de investigar e processar crimes atribuídos a grupos de extermínio não fique à mercê da influência de agentes públicos ligados justamente aos grupos criminosos.
Isso só seria possível através da instauração do Incidente de Deslocamento de Competência (IDC), um mecanismo jurídico que permite a federalização da investigação, do processamento judicial e do julgamento de crimes. Em outras palavras, significa dizer que a competência é transferida diretamente para a Polícia Federal, para o Ministério Público Federal e para a Justiça Federal, o que, em teoria, garante maior isenção.
No dia 24 deste mês de junho, o pedido de Incidente de Deslocamento de Competência (IDC) para o assassinato de Manoel Mattos completa um ano emperrado no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Fundamentado em um dossiê encaminhado pela Justiça Global e pela Dignitatis à Procuradoria Geral da República, o IDC não objetiva apenas a investigação do homicídio, mas abarca todas as denúncias envolvendo grupos de extermínio na fronteira entre Pernambuco e Paraíba.
O atentado sofrido por Maximiano ocorre apenas uma semana após a divulgação do relatório da ONU sobre execuções sumárias no Brasil, que citou textualmente o caso de Manoel Mattos e reforçou a importância dos processos de federalização. "Os esforços para combater os grupos de extermínio (no Brasil) foram recebidos com resistência violenta. (...) A tendência geral tem sido de que os casos não são transferidos (para a esfera federal). Um pedido de federalização sobre o assassinato de Manoel Mattos estava ainda pendente de julgamento até a data deste relatório”, diz o texto do documento.
Junto com dona Nair Ávila, mãe de Manoel Mattos, as organizações abaixo assinadas reforçam a necessidade de instauração do IDC e comunicam que estão oficiando a ONU, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, o Ministério da Justiça, a Secretaria Especial de Direitos Humanos e a própria ministra do STJ, Laurita Vaz, relatora do processo de IDC, sobre o atentado de quarta-feira.
Nair Ávila
Dignitatis Assessoria Técnica Popular
Justiça Global
Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares
Movimento Nacional de Direitos Humanos de Pernambuco
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