Infância Urgente

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

18 anos do ECA: avalição e desafios

Durante o ano de 2008, mas especialmente no mês de aniversário do Estatuto dos Direitos da Criança e do Adolescente -ECA (julho), tem sido intenso o debate sobre a efetivação dos direitos da infanto-adolescência.

Expressão da organização dos trabalhadores, o chamado movimento da infância teve maior visibilidade no Brasil em meados da década de 70 e se fortaleceu durante a luta pela redemocratização do país. Nesta trajetória conquistamos o ECA, que regulamentou o artigo 227 da Constituição Federal de 1988. Suas disposições transitórias exigiram o reordenamento institucional de todas as ações dirigidas à infanto-adolescência no prazo de 180 dias após sua promulgação. Importante marco legal, é uma elaboração do movimento social na defesa da política pública e seu controle social num momento em que internacionalmente a tendência é de afirmação do neoliberalismo.

Nestes 18 anos temos tímidos avanços frente às graves violações. Na contramão dos direitos constitucionais, o Estado brasileiro – que afirma na Carta Magna que criança e adolescente é prioridade absoluta - vem reduzindo o investimento de recursos na área social, inclusive transferindo suas responsabilidades à sociedade. O setor privado vem se apropriando deste espaço e por sua natureza (que busca o lucro) gera severas distorções à concepção de direito. Ferindo os princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade, os Conselhos de Direitos têm aprovado as chamadas "doação casada" ou "doação condicionada", sem que haja responsabilização por tais violações.

A historiografia nos mostra que a criança somente há pouco tempo foi reconhecida em suas particularidades, enquanto ser em condição peculiar de desenvolvimento. Afirmamos atualmente que criança e adolescente são sujeitos de direitos, mas não vemos mudanças efetivas nas práticas sociais, visto que este segmento não tem garantido um espaço que realmente propicie a participação infanto-adolescente adequada à sua condição. Assim, é fundamental ter o conhecimento do processo histórico, refletindo se geração que vive sob a égide do Estatuto da Criança e do Adolescente realmente tem uma vivência diferente das gerações anteriores.

Neste contexto, é inerente à atuação do assistente social o debate ético-político, reafirmando o compromisso com a defesa intransigente dos direitos humanos, de uma sociabilidade que enfrente toda forma de opressão e da democracia enquanto socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida.

O Cress-SP tem, assim, construído ações no coletivo dos Fóruns da sociedade civil, tendo já coordenado o Fórum Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, com representação também em fóruns e conselhos municipais (no segmento dos trabalhadores), com vistas a contribuir no controle e deliberação das políticas públicas. Os assistentes sociais, que têm contato direto e indireto com as demandas sociais dos diferentes serviços, podem contribuir com a sistematização destes elementos que, via de regra, indicam ausências de direitos, mas também expressam forças sociais. Para além da denúncia, sabemos que os profissionais podem somar com os demais atores (usuários, trabalhadores, movimentos, universidades, etc) na elaboração de propostas alternativas que combatam a perpetuação da miséria e a subalternização dos sujeitos sociais.

Na defesa das políticas públicas estatais, a categoria dos assistentes sociais tem uma responsabilidade importante para a propositura de metodologias e formas de gestão que realmente democratizem e garantam a qualidade dos serviços prestados à população.

É evidente que compomos com o coletivo dos trabalhadores, mas há atribuições privativas dos assistentes sociais previstas no artigo 5º da Lei de Regulamentação Profissional e consolidadas na construção histórica dos processos de trabalho e da instrumentalidade do Serviço Social. Há perguntas essenciais para nos fazermos enquanto profissionais que atuam nas diferentes áreas: Qual o sentido das nossas ações? Como as intervenções nos níveis mediato e imediato contribuem para o enfrentamento das violações/ausência de direitos? Temos monitorado o impacto de nossas metodologias, ouvindo não apenas os parceiros e gestores, mas principalmente os sujeitos usuários dos serviços?

Ao comemorarmos os 18 anos do ECA, perguntamos ao nosso coletivo: temos contribuído para o processo emancipatório? Buscamos superar o viés assistencialista e paternalista que retira a dignidade do sujeito social? Temos nos unido aos demais atores que comungam desta defesa? Avaliamos com quem fazemos nossas parcerias e qual o caminho que estamos seguindo? Nesta perspectiva, entendemos que os princípios fundamentais do atual Código de Ética do Assistente Social, que completou quinze anos em 13 de março de 2008, são faróis para iluminar nossa reflexão, provocar indagações e mover a busca de possibilidades.

Evidentemente, frente à complexa realidade sócio-econômica e político-cultural vivemos um mosaico (cf. Rudá Ricci), em que nenhuma questão pode ser simplificada. A desigualdade social envolve os processos de acumulação de riqueza e concentração de poder, somada à intensional desqualificação dos Conselhos de Direitos e Setoriais, o que exige ações coletivas que visem a ruptura desta direção. Além disso, vivenciamos um momento desgastante, no enfrentamento à privatização e desmonte das políticas públicas, lutando na resistência pela plena efetivação destas e por um sistema de governança social (cf. www.fbo.org.br), com participação popular nos rumos do país.

O cenário nos mostra o quanto não há reais condições para o desenvolvimento de sujeitos emancipados, pois não há liberdade real quando não há possibilidade de escolhas reais. Vivemos a prisão da sociedade de consumo, a reiteração de práticas sexistas e machistas, mantendo-se a hierarquia e o autoritarismo. Reconhecer que a sociedade civil brasileira precisa urgentemente influenciar de forma definitiva para que o Estado enfrente a concentração de riqueza e poder – que somente é possível rompendo com a exploração da maioria – é um dos requisitos para a garantia dos direitos fundamentais a todos. Reconhecer que esta sociedade desigual não garante a plena expansão dos sujeitos sociais é o inicio da construção de outra ordem societária. Neste sentido, acreditamos que ao possibilitarmos a vivencia de uma infância e uma adolescência plenas, garantindo proteção integral para que a criança e o adolescente sejam efetivamente sujeito de direitos, participativos, com o direito de conviver dignamente com sua família, sua comunidade e sua cultura, com livre expressão, com condições objetivas para o seu desenvolvimento, que tenham real condição de escolha, poderemos romper com os padrões de sociabilidade vigentes e projetar outra sociedade.

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*Aurea Fuziwara é assistente social, militante do movimento dos Direitos da Criança e do Adolescente, Conselheira Presidenta do Cress 9ª Região/SP.

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