Superior Tribunal de Justiça analisa caso de duas mulheres no Rio Grande do Sul. Decisão, no entanto, não se tornará obrigatória para situações semelhantes
Uma família de Bagé, no Rio Grande do Sul, formada por duas mães e duas crianças, resolveu brigar pelo direito de ser reconhecida pela Justiça como tal. O caso tornou-se célebre quando, em 2006, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) reconheceu tal entidade familiar e autorizou que as crianças tivessem em seus registros os nomes das duas mães. Era uma decisão pioneira no país. O Ministério Público do Rio Grande do Sul, porém, resolveu recorrer e, hoje, o assunto chega pela primeira vez à pauta do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Como o caso é de 2006, o STJ consultou a assistente social que acompanha as crianças para saber se as duas mulheres continuavam juntas. Se não estivessem, o processo poderia ser arquivado. Mas a assistente social informou que as duas permanecem “casadas” e, agora, tentam adotar uma terceira criança. A decisão a ser tomada pelos ministros valerá apenas para a família. Mas, mesmo assim, vai sinalizar como os tribunais estaduais devem se posicionar sobre o assunto.
Sem edição de súmula sobre o assunto até o momento (o que obrigaria outros tribunais a seguir um entendimento único), as decisões em casos semelhantes são variadas em todo o país. Desde 2006, outros tribunais estaduais (Paraná, São Paulo, Acre e Amazonas) seguiram, ao menos em um caso, a tendência do tribunal gaúcho. Mas, no geral, não há consenso nem entre juristas, nem na jurisprudência, sobre a questão.
Na prática, não é incomum que homens ou mulheres homossexuais “solteiros” adotem crianças. Com o tempo, as crianças adotadas acabam por criar vínculos com o parceiro do pai ou da mãe. Para que o parceiro seja reconhecido também como pai ou mãe, é necessário um longo caminho a ser percorrido na Justiça.
Para a desembargadora aposentada do Rio Grande do Sul Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam) e autora do livro Homoafetividade – O que diz a Justiça, a tendência é de que, no julgamento de hoje, o STJ reconheça o direito das duas mães. “O STJ tem tido uma posição de reconhecer um conceito mais aberto de família”, diz.
De acordo com a jurista, que foi presidente da turma que julgou procedente a ação da família gaúcha em 2006, a decisão do TJ-RS atendia ao melhor interesse das crianças, uma vez que se verificou que a maternidade era exercida pelas duas mulheres. “Não há como impedir que as crianças tenham duas mães na prática, mas a Justiça poderia negar acesso a direitos se não reconhecesse o vínculo”, explica.
Para a professora de Direito da Criança e do Adolescente da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Jimena Aranda Oliva, o que deveria contar na avaliação é a aptidão para a adoção. De acordo com o promotor de Justiça do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente Murillo José Digiácomo, este é justamente o posicionamento do Ministério Público no Paraná. “Não existe preconceito contra pares homossexuais. A avaliação é feita a cada caso. E a adoção pode não ser recomendável tanto por casais heterossexuais como homossexuais”, explica.
Carlos Ramalhete, professor de Filosofia e colunista da Gazeta do Povo, é voz dissonante neste assunto. “Não é comum uma criança ter dois pais ou duas mães. Sai da normalidade. Uma decisão neste sentido pode condenar a criança a ser diferente o resto da vida”, opina. Para Jimena, porém, deve-se levar em consideração a diversidade das entidade familiares de hoje. “A família hoje não é só aquela formada pelo pai, mãe, filho e cachorrinho”, diz. A professora do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Araci Asinelli da Luz concorda. “A criança tem direito a uma família, à convivência familiar, a ser amada e acolhida. O importante é o desejo e a intencionalidade dessa família”, opina.
Fonte: Gazeta do Povo
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