OS POLICIAIS QUE AGEM NA TOUCA
RENATO SANTANA
DA REDAÇÃO
O comando da Polícia Militar (PM) pode negar, o seccional da Polícia Civil afirmar ser preconceito e o Poder Judiciário e o Ministério Público não ter provas para chegar aos criminosos. O fato é que os grupos de extermínio, denominados assim pela Ouvidoria da Polícia e Defensoria Pública, responsáveis por parte dos homicídios dos Crimes de Maio, atuam e são compostos por policiais.
A entrevista com os dois ex-policiais foi negociada durante duas semanas e realizada de maneira separada. Eles explicam como esses grupos funcionam, de que forma se organizam, o planejamento das ações, o que o comando da PM sabe e a verdade dos casos de resistência seguida de morte. As revelações desmascaram os bastidores de uma guerra travada na escuridão. Os policiais terão suas identidades preservadas por nomes fictícios.
Entrevista
O LENDA
QUANDO O CAMISA DEZ ENTRA EM CAMPO
O nome faz jus. O Lenda. Sempre teve apetite, espírito policial. É o típico justiceiro. Age sozinho, no máximo com mais um. Já apagou muitos. Com farda e sem farda. Nunca se pode dizer quantos. Fosse por prazer, cada um seria lembrado. Mas não há prazer. Tampouco culpa. Trata-se de uma cruzada: "A pessoa que pega no machado para arrancar a erva daninha da raiz, um fruto venenoso, não vai ter má consciência de ter matado uma erva daninha".
Não concorda muito em chamar de grupos de extermínio a ação clandestina de policiais, cuja existência confirma. Encapuzados e sem farda, são os matadores nas madrugadas das periferias, inclusive da região. Para o Lenda "são pessoas que diante da ineficácia do sistema acabam agindo por meios próprios". Mesmo fora da Polícia Militar, continua sendo um camisa dez, um bilão, no jargão do submundo policial. Mata com a permissão de Deus. Depois que se aposentou, ficava injuriado ao ver ex-companheiros dizendo, na televisão, que escondiam a farda e saíam de casa com ela embaixo do tapete do carro.
O sangue subia. Não queria continuar jogado no sofá. O dedo coçou. Para ele, é bem nítido que hoje em dia os policiais fazem o papel de espantalho na horta. Faltam os bilões, os camisas 10. Ele era um. Ele é um. Seu fogo, diz, é contra o satanás, contra a "ferramenta do diabo para causar mal ao semelhante". É devoto. Instrumento do Deus que acredita.
Na polícia se aprende tudo isso quando se quer ser um camisa 10. Virou professor para os policiais mais novos e o salvador dos descuidados. Certa vez, um colega PM executou um rapaz. O comando pediu a arma para balística. Lenda entrou em ação. Com vinagre, limpou o corpo da arma e o cano. Depois, pegou uma bala, untou-a na graxa e passou-a na areia, à milanesa. Um disparo já é o suficiente para provocar ranhuras dentro do cano e despistar o exame balístico. É assim que se faz nas ações clandestinas da polícia. Há os que preferem armas frias, carros roubados e capuz para fazer trabalhos. Lenda usa o próprio carro, arma registrada e prefere pintar o rosto de graxa, usar disfarces e até mesmo peruca, óculos. Se for pego no caminho, está completamente dentro da legalidade.
- Aí ladrão! Pam! Pam! Pam!
Vai se esgueirando pelas sombras da lei, tal qual cada PM que decide ser camisa dez. Sorrateiramente, volta para o carro. Dispara: "O policial veste o papel do bandido para repreender o crime". Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
O sr. participou de incursões na periferia para matar em maio de 2006?
Estava trabalhando na PM em uma cidade da região. Houve incursões, sim. Policiais linhas de frente foram enérgicos na periferia. Todas as mortes foram ilegais e colocamos tudo na conta do crime organizado. As ações eram em represália aos ataques do PCC. Também existem pessoas que são simpatizantes da polícia e, inconformadas com a falta de ação, a inércia, vão lá e fazem. Seguranças privados, por exemplo, são vítimas do crime. Com a ajuda de policiais, agem. O caso mais recente é o do Dino Marreta. Foi sequestrado do bairro dele e executado. Era liderança do PCC na Vila Sônia. Era o chefe operacional do crime organizado. Não dá para dizer que eram só policiais, mas vamos dizer que era o lado de direita combatendo o de extrema esquerda.
O sr. confirma o uso de carros roubados e armas frias?
Tem policial que faz isso mesmo. Eu, particularmen- te, nunca participei nem recomendo porque está muito próximo da conduta do bandido. Corre o risco de, no caminho, você ser surpreendido (pela própria polícia) e não ter como escapar. Então, teria que usar dos meios mais normais e mais lícitos possíveis. Sobres as armas, há situações e situações. Fica muito mais viável usar a própria arma do Estado porque está na legalidade. Depois, é só descaracterizá-la.
Como é que o sr. faz para descaracterizar uma arma?
Na alma do cano (parte interna do cano) se você pegar uma bala, passar graxa, ou qualquer material adesivo, areia, e der um tiro, no exame técnico vai ser constatada outra arma. Vai mudar a sua característica interior. Vai criar ranhuras que anteriormente a arma não tinha. Um projétil coletado antes vai ter características diferentes desse coletado depois, para confronto, ou seja, balística.
E com os veículos?
Se numa determinada área o policial está utilizando um veículo autorizado, não está no ato ilegal. Para ninguém pegar a placa, a gente não vai com o carro até o local da ação. Estaciona nas proximidades, fica um lá esperando. Quem vai fazer o trabalho vai a pé, descaracterizado e com a pele camuflada. Encapuzar é burrice porque se você for visto com capuz é ruim (caracteriza grupo de extermínio). Enquanto uma barba postiça, uma peruca é melhor.
Essas ações não são mais tão explícitas como eram antes, certo?
O que ocorre: qualquer domicílio, inclusive na perife- ria, tem uma câmera registrando tudo ali. Hoje um garoto de favela tem um celular com capacidade para gravar. Então, o policial ou o justiceiro que queira agir tem que contar com tudo isso. Tem que ser extremamente ninja. Tem que se camuflar, não ser visto, pois há o risco de perder a vida. As ações dessa natureza são uma reação ao que os bandidos fazem. Alguns policiais levantam a bandeira da represália e fazem o que o Estado não faz.
Foi o que aconteceu em 2006...
De lá para cá. É uma guerra fria, silenciosa. Ninguém declara raiva de ninguém, mas, na hora que um vira as costas, vem a faca. Hoje o crime organizado e os policiais estão nesse pé. Os grupos de ação fazem parte dessa guerra. O Estado não assume que existe esse confronto, mas policiais militares vão para o combate. Está acontecendo há muito tempo e tem se intensificado. O político quando entra na favela pede autorização para o traficante. Reconhece que existe uma autoridade local. Oficialmente, político nenhum admite isso, mas, na prática, é diferente. Estão matando os policiais no bico, na folga e na porta de casa. Para a administração pública fica sendo um caso isolado, como se o policial tivesse contraído para si um problema com o bandido.
(Segundo levantamento feito pela Secretaria de Segurança do Estado, em 2009, 66 policiais morreram no período de folga e 16 em serviço. Em 2008, foram 55 policiais mortos sem a farda e 19 trabalhando).
Mas nos ataques de 2006 muitos inocentes, gente sem sequer ter passagem, entrou na conta.
Discordo totalmente. O suposto inocente, ou citado como inocente pela mídia, que está às duas horas, três horas da madrugada num boteco que fica numa biqueira (ponto de tráfico) da periferia não é inocente. Ele está ali e tem uma função no crime. Às vezes, não é pegar uma arma para assaltar. Ele exerce uma atividade no crime, ou está de olheiro. Leva e traz a droga para alguém. O inocente não existe.
Como funciona isso no comando?
O comando é fechado em relação aos níveis operacio- nais. Cabos, soldados e sargentos, que são os profissionais linha de frente, de rua, também são. Os grupos são compostos por um número restrito de pessoas, que confiam um no outro e estão ali para agir.
E as ocorrências de perseguição seguida de morte?
Vamos ilustrar: ocorrência de confronto real. Quan- do se apresenta a arma do bandido na delegacia e se constata que tem seis cápsulas deflagradas no tambor do revólver, sabe-se que é um álibi para o Ministério Público, uma vez que o bandido não tinha mais poder de resistência. Por conta disso, o policial tira uma das cápsulas estouradas e coloca uma intacta para provar que o bandido tinha como resistir. Isso chama-se arredondar a ocorrência. O rigor da justiça e da sociedade exige essa habilidade. O Caso da Cavalaria (crime ocorrido em fevereiro de 1999 em São Vicente, quando três jovens foram assassinados por policiais em serviço), por exemplo. Acredito eu que eram policiais inocentes, sem intenção e foram vítimas de um ato de desespero. Os jovens foram para cima dos policiais, um dos meninos bateu com a cabeça na guia, ficou desacordado e os policiais, num ato de desespero, chegaram aos extremos. Havia várias maneiras de maquiar a ocorrência e tornar tudo legal e não fazer o que fizeram. Hoje em dia existem menos policiais capacitados para tornar legal um ato ilegal.
Na ação dos grupos de execução em 2006...
Queria tomar uma outra linha aqui. Muito se fala dos bandidos mortos e pouco dos policiais mortos. A mídia vem mostrando muito a ação violenta da polícia que, na verdade, é como um mulher que mata o marido quando está sendo agredida. Ela era agredida há muito mais tempo e ninguém se importou. Isso faz com que ela mate o marido quando está dormindo. E quando os policiais saem hoje estudando as possibilidades de executar um bandido na área é esse comportamento da mulher. A polícia está dessa forma. Acuada, amarrada. Um jovem para entrar na polícia pede autorização para o traficante. Esse policial se torna um refém e comprometido com o crime.
O policial também se envolve no crime?
No ano passado morreram vários policiais na região. Vou contar um caso: em Praia Grande, houve uma denúncia de que em um barraco havia grande número de armas do crime organizado. Policiais fizeram o cerco. O trabalho certo seria abordar, prender os elementos e apreender as armas. Porém, ao contrário, os policiais negociaram a liberdade dos criminosos e a liberação das armas. Fizeram um boletim de ocorrência com armas mais fajutas e pegaram uns bandidos envolvidos só para fazer cena. Já na hora de fechar o negócio, não foram fiéis ao combinado. Haviam acertado não prender ninguém e prenderam três. Ficaram com a grana dos bandidos. A primeira retaliação foi uma rajada de tiros de fuzil contra um policial quando saía de casa para o trabalho. O santo estava de plantão e ele não morreu. Depois disso, começaram os homicídios. O policial que age pelo crime acaba perdendo respeito e a coisa vira pessoal.
Quanto aos direitos humanos, o que você pensa?
Hoje o Estado estuda um monte de possibilidades sobre o que fazer para melhorar o ser humano. Você consertando o homem, conserta o mundo. A causa disso tudo é a falta de Deus na vida do homem. Temer a Deus e amar o seu próximo. Hoje fala-se muito em direitos humanos. Uma teoria que me trouxe bastante conforto na época, que me dá liberdade para exterminar um bandido como se extermina um verme, e que uma característica peculiar do ser humano é o amor ao próximo. Quando é o caso de um cidadão pôr uma arma na cintura e sair para levantar um dinheiro, disposto a tirar a vida do seu semelhante, ele já abriu mão da condição humana. Saiu como o próprio satanás, ferramenta do diabo para causar mal ao seu semelhante. Um sujeito bandido age como bicho e tem de ser tratado como tal. É jaula ou buraco.
Entrevista
JUCA
"SE REÚNE UM GRUPO COM APETITE"
Juca fala em tom de desabafo. Policial Militar não pode falar, fazer greve ou criticar a corporação. Durante os dez anos em que esteve na PM, atuando na Capital e Interior (incluindo a Baixada Santista), participou dos grupos de extermínio. Na sua época, final dos anos 80 e decorrer dos 90, prevalecia esse tipo de ação. Era a época dos esquadrões da morte. Juca ainda respira o meio policial. E sabe quem age no capuz.
Deixou a corporação porque "trabalhava" muito. Na gíria, policial que trabalha muito é o que mata muito, prende acima da média e tem apetite para ações encapuzadas. É camisa 10, um bilão.
Policial assim é uma via de duas mãos para o comando. Na guerra urbana, pacificam áreas mesmo sem conquistá-las e sempre com ações encapuzadas ou em ocorrências de resistência seguida de morte. Por outro lado, trazem dor de cabeça, cobranças hierárquicas e se a bomba estoura, por mais que assumam seus atos, o comando fica marcado.
No submundo ninguém sabe de nada, não vê nada. Na verdade, é preciso fingir. Juca diz que todo batalhão tem seu grupo de camisas 10. O comando sabe. Como também há os "dedos cansados". No modo de dizer dos que gostam de "trabalhar", policiais que ficam longe da turma apetitosa. E também da ação direta.
Juca é o tipo de policial que segura um batalhão. Com amigos na ativa, afirma que as ações da polícia nos dias seguintes aos primeiros atentados do PCC, fardada ou não, foram "por conta da revolta com o que estava acontecendo e por ver o comando esconder". Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Os grupos de extermínio são integrados por policiais?
Sim, vou explicar o que acontece. Você presta um serviço fardado, legal. E o grupo é formado porque algumas coisas que você tem vontade de fazer é contido pelo regulamento. No caso, um regulamento interno. Para mim, esse é o motivo maior de o policial ficar de mãos atadas. Se conseguimos reunir três, quatro policiais, falamos na nossa linguagem, com pouco mais de apetite, atitude. O pensamento bate, é igual e acaba se formando o grupo que atua no caso... para a gente não é ilegal, mas atuamos mais no horário de folga. É um grupo fechado que atua descaracterizado, com a chamada touca. O pessoal aconselha: age na touca. A gente faz aquilo que tem vontade de fazer em serviço. Só que o regulamento nos impede de fazer.
Como é a organização dos ataques?
Geralmente, tem a área que o policial trabalha. Então, ali existem marginais que são mais destacados: assaltantes, homicidas, traficantes. No nosso caso, agimos assim: Há um bandido que está matando policial, dando trabalho na região. Então, o grupo se reúne e traça um plano. Quem é o cara? Fulano de tal é o chefe, tá mandando assassinar policial, fazer roubo. Esse é a bola da vez. O grupo define um dia, levanta os modos do bandido: por onde ele sai, onde ele fica, onde mora, hora que sai. Marca o dia e sai à caça do cara.
E se o marginal estiver com pessoas inocentes na hora do ataque, num bar, por exemplo?
Existe uma coisa no meio policial chamado tirocínio. Essa aí é uma experiência que se adquire com tempo de serviço. Um policial olha para você e faz uma análise rápida. Às vezes, acontece de errar. Olhar e achar que o cara é bandido e não é, pelo modo de o cara se vestir e de agir. Você faz aquela análise rápida e vê. Se achar que o cara é bandido também, vai junto.
O comando da polícia sabe deste tipo de ação?
Eu trabalhei no Tático Móvel, hoje Força Tática. O meu comandante sabia. Ele dizia: "Quer fazer faz, mas faz direito. Se sujar eu não sei de nada". A partir da hora que você sai para matar bandido, para o comando é melhor. A criminalidade na região dele vai abaixar. O comando quer é isso. Quem ganha os elogios é ele. A região que ele comanda vai ter índices de criminalidade mais baixos. Tudo isso por conta dos grupos de extermínio. Porque nem sempre em serviço dá para você fazer o que faz nesse tipo de operação.
Como vocês conseguem os carros, as motos, as armas? E depois, como vocês despacham a vítima?
O policial sai trabalhando e existem esses carros roubados por bandidos, que os abandonam e tal. Então, a gente localizava dois, três carros roubados. Um policial pegava e levava para a toca, como a gente chama. Ficava guardado para o dia da ação. Fazia a operação e depois abandonava. O veículo era localizado posteriormente como um carro roubado normal. Armas frias, com numeração raspada. Armas que eram apreendidas no dia a dia. Às vezes a gente parava na rua um indivíduo armado. Pegava aquela arma e mandava a pessoa embora.
De quantas incursões o sr. participou?
Participei de várias. A PM sempre foi rigorosa, mas no meu tempo não era tanto. Eu não me adaptaria para trabalhar na PM de hoje. Trabalhei em parte da década de 80 e prevaleciam os grupos de extermínio. No finalzinho dessa época. Não só eu, mas vários outros policiais. Participei de várias ações. Às vezes, de folga e até de serviço mesmo. Fazia a chamada montagem de ocorrência.
Os grupos de extermínio que atuaram em maio de 2006 também eram de policiais?
Sim. A gente sabe como acontece pelos amigos. As ações que ocorreram depois dos ataques do PCC foram mais por conta da revolta com o que estava acontecendo e por ver o comando esconder. O serviço de inteligência sabia que iam acontecer os ataques. mas subestimava o crime organizado.
Depois também começaram as ações dos grupos.
Os policiais mais antigos se reuniram com os mais jovens de apetite e começaram a matar. Como funcionava essa matança? O pessoal se reunia, descaracterizado, com o carro comum e ia aos bairros da periferia onde a situação era mais carregada. Quem estivesse no local já conhecido pelos policiais como ponto de droga, a chamada boca de fumo, morria. Foi pego na rua de madrugada: tem passagem? Tem! Não era nem levado para a delegacia. Era executado e jogado na primeira viela que encontrasse pela frente.
Dá para dizer que os comandos da Policia Civil e da PM não sabiam?
Sabem também que se forem a fundo o final mesmo acaba em policiais. Se for investigado como tem que ser, vai chegar em algum policial. Tá claro que é a resposta: o bandido matou o policial, o policial matou o bandido. Aí o policial vai e se envolve numa ocorrência com resistência seguida de morte. Se você se envolve numa ocorrência assim, é afastado das ruas, mudado de horário, obrigado a passar por um curso de reciclagem por 15 dias. Então, arruma o bico de acordo com o horário de trabalho. O comando também sabe disso, mesmo sendo proibido. A primeira coisa que ele faz é mudar o policial de horário. É castigo.
Isso no caso de ocorrências de resistência seguida de morte?
Vou te falar a verdade: 90% das ocorrências de resistência seguida de morte são montadas. A polícia pega o bandido, vamos supor, dentro de sua casa. Só está o policial e o bandido, que não vai encarar 20 policiais. Só que você sabe que ali é uma guerra. Se o bandido te pegar numa situação que não tem como fugir ou reagir ele vai te matar. Principalmente o ladrão 157, que mata para roubar. Esse não tem perdão. A gente já andava com o chamado kit. Era uma mochila contendo várias armas frias. Porque se o alvo não tivesse armado, mas tivesse uma situação que a gente podia matar, a gente matava e colocava uma arma fria na mão dele.
O que acontece com as armas usadas nos crimes?
São escondidas porque acabam sendo usadas novamente. O policial vai matar o cara, mas ele não atirou em você. A perícia vem para dizer se o cara atirou ou não. Aí o policial faz a montagem do local da ocorrência. Se matou o cara, o policial não vai dizer o número de tiros. Dá dois ou três tiros em locais fatais e sabe que o cara vai morrer. Mas como vai saber se o cara é destro ou canhoto? A gente "faz a mão" do indivíduo. Coloca a arma fria na mão esquerda e efetua o disparo. Na mão direita, outro disparo. Pode fazer o residuográfico que consta pólvora nas duas mãos.
Tem a coisa de recolher provas, tipo cápsulas?
Exatamente. Ângulo de tiro. Ir e dar um tiro na viatura. Já cheguei a ver um policial dar um tiro no outro, de raspão, para simular troca de tiros. No colete também. Tudo para deixar a ocorrência mais redonda com a simulação de troca de tiros.
Existe a prática de mexer no corpo da vítima de um ataque desse tipo para atrapalhar a perícia?
Para o policial não deixar provas para a perícia, no local dos fatos, você sempre socorre. Uma para você não entrar na omissão de socorro. Depois porque também quando você efetua o disparo no indivíduo ele não morre na hora. Aí a gente diz que está vivo. Agora, não chega vivo no pronto-socorro. Damos longas voltas, a viatura vai a 20 km por hora. Às vezes, até asfixia o cara dentro da viatura.
O que motiva este tipo de atitude?
A situação não vai mudar. É questão de baixos salários, problemas psicológicos. Muitos policiais são alcoólatras, viciados em drogas. Conheço vários. Tudo tem relação com a vida particular da pessoa. O cara mora de aluguel, mora na favela. Tem três, quatro filhos. O salário que ele tem não dá para sustentar e o cara vai fazer bico.
Agora no caso de um policial que não trabalha muito, é sossegado?
O sem apetite escolhe um serviço mais ameno. Agora se entrar tem que participar. Já vi casos de policiais que não quiseram participar e foram executados. A equipe fica com medo de ser caguetada. Mas um policial mata outro policial? Numa troca de tiros, com uma arma fria, o cara está de costas e outro policial o acerta com uma arma fria. Depois fala que foi o bandido que matou.
As ações são feitas
por pessoas com
consciência e
formação.
Um ato
de extermínio é um
ato de desespero
para se preservar"
O Lenda
A história do Lenda na PM durou três décadas. Duas delas na região. Aprendeu a montar ocorrências "redondas", organizar ações sem fardas e não deixar provas nos 10 anos em que passou pela Rota, na Capital. O Lenda é devoto. Executa suas sentenças nas entrelinhas da palavra do Senhor.
"Nos primeiros
ataques pegaram
vários policiais.
Depois foi
diminuindo, os
policiais não eram
mais pegos
marcando"
JUCA
Juca atuou nos esquadrões da morte, nos anos 1980, e saiu da polícia porque não queria deixar de trabalhar bastante. Na gíria, este é o policial que mata e prende muito. Sua experiência na região, fardado ou não, mostra a realidade dos crimes oriundos dos grupos de extermínio.
"Em 2006 eu acredito que houve um acordo do governo com o crime. Um
dos acordos era para não ter ataques aos policiais que estivessem fardados.
Pode ver isso. Por quê? Para não ficar em evidência que o sistema é vulnerável"
O Lenda
"Quando baixa ordem do PCC para matar policial, os primeiros que caem são os
policiais que trabalham demais e os corruptos. Matam na porta de casa, no bico"
Juca
66
este é o número de policiais que morreram em 2009
"O policial que trabalha demais, dá cana e mata não vai sobreviver. Outros porque são corruptos. É o chamado carteirinha: aquele policial que todo mês vai receber a grana dele" ( Juca).
Uma viatura da polícia, de acordo com relatos, sempre passa antes no local de ação dos encapuzados Motos e carros são usados para fazer a ação. Param de modo a não permitir possibilidade de fulga das vítimas Atiram sempre na região da cabeça e tronco. Os membros inferiores são atingidos também para evitar fuga Recolhem cápsulas deflagradas, para não deixar provas. Há relatos de que atiram nas vítimas ainda vivas Fogem. Logo na sequência a viatura da PM retorna ao local para atender a ocorrência.
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