Policiais que usam “força excessiva”, “execuções extrajudiciais” e “torturas com impunidade”. Prisões com “condições cruéis, desumanas e degradantes”. Indígenas e líderes comunitários “ameaçados e atacados por defenderem seus direitos”. Em vez de reparação pelos crimes da ditadura, “impunidade por violações do passado”. Para a Anistia Internacional, essas foram as principais violações e ameaças aos direitos humanos no país em 2009, conforme seu relatório divulgado nesta quarta-feira (26).
A entidade, com sede em Londres, escreveu também que os direitos humanos sofrem “séria ameaça” no Brasil caso a iniciativa do governo federal sobre o assunto continue a ser “duramente criticada pelos militares brasileiros, com o ministro da Defesa tentando enfraquecê-la ainda mais”. O controverso 3º Programa Nacional de Direitos Humanos prevê, entre outros itens, a criação de uma comissão para investigar crimes cometidos durante a ditadura, descriminalização do aborto e controle social da mídia.
“Mesmo essa limitada proposta foi duramente criticada”, escreveu a ONG, que considerou a proposta branda por “não incluir a instauração contra violadores do passado”. “Diferentemente de muitos países da região, o Brasil não levou à Justiça nenhum dos acusados de grotescas violações dos direitos humanos cometidas durante os períodos anteriores de regime militar”, afirmou a entidade.
Apesar da referência enfática à necessidade de investigar os crimes da ditadura – a Anistia Internacional pediu o mesmo em cartas aos presidenciáveis José Serra (PSDB), Dilma Rousseff (PT) e Marina Silva (PV) –, o relatório 2009 se concentra nas violações cometidas por forças policiais em todo o país. Entre os destaques de brutalidade, a entidade citou os Estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Maranhão. O Espírito Santo figurou no texto pelo tratamento condenado aos presos.
De acordo com o documento, houve “reformas na segurança pública, embora limitadas”, o que indicou o reconhecimento “de que essa área foi negligenciada por muito tempo”. Mas a polícia continua hostil, tendo oficiais envolvidos com o crime organizado e grupos de extermínio. “Essa é uma situação antiga e mal combatida no Brasil”, disse Tim Cahill, especialista da Anistia, ao UOL Notícias.
A reportagem procurou representantes da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, mas não os encontrou para fazer comentários sobre o relatório.
Violência policial
A ONG afirmou também que em todo o país “moradores de favelas ou de comunidades pobres, frequentemente sob o controle de grupos criminosos armados, foram submetidos a incursões policiais de estilo militar”. “Os policiais que ficavam na linha de frente também eram expostos a riscos e muitos foram mortos no cumprimento do dever”, diz o texto da Anistia.
Cahill afirmou que iniciativas como a polícia comunitária, instalada em favelas do Rio de Janeiro, são positivas. Mas insuficientes, porque a violência dos agentes persiste em outras áreas. “Essas unidades só ajudam de verdade se trouxerem um investimento social. Isso nós ainda não vimos. Por isso continua a cultura de polícia violenta”, declarou.
Para reforça a tese da violência policial, a ONG lembrou que no ano passado 1.048 pessoas morreram no Estado do Rio de Janeiro supostamente em confronto com agentes. Em São Paulo, apesar de um aumento de 36% na comparação com o ano anterior, esse número foi de 543 pessoas – comparável ao de zonas de guerra. Além dos mortos, a entidade lamentou por torturados, ameaçados e roubados pela polícia.
Sobre as prisões brasileiras, a Anistia criticou em especial o caso do Espírito Santo – cujas cadeias são motivo de críticas internacionais para o Brasil. “Como um Estado tão pequeno tem problemas tão enormes e o governo estadual, ainda assim, bloqueia qualquer intervenção ali?” questionou Cahill. “Ali há esquartejamento de detentos, superlotação inacreditável. E tudo em um lugar controlado pelo crime organizado.”
O Espírito Santo foi acusado de torturar presos, alocá-los em contêineres de navios e mantê-los em condições subumanas. O cenário caótico levou o governador Paulo Hartung (PMDB) a proibir visitas de monitoramento do sistema prisional, o que acabou sendo suspenso mais tarde.
O relatório também trata das milícias do Rio de Janeiro, as quais, supostamente em troca de proteção, cobram serviços de moradores de áreas carentes. Critica as violações cometidas “tanto por policiais quanto por pistoleiros contratados por fazendeiros” em áreas de conflitos por terra.
“No quadro geral, é possível dizer que houve algumas melhorias, mas é muito menos do que o Brasil precisa para atender às exigências que a sociedade demanda”, concluiu Cahill. “O Brasil chegou ao patamar de ter um programa de direitos humanos, o que é importante em relação ao resto do mundo. Mas no quadro policial ainda está em um estado muito atrasado.”
Fonte:Uol
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