A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) inicia nesta quinta-feira (20) a audiência pública na qual o Brasil terá que responder pelas acusações de detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de dezenas de pessoas em operações de repressão à Guerrilha do Araguaia, na década de 1970.
Para emitir seu julgamento, o órgão sediado na Costa Rica vai ouvir, entre hoje e amanhã, os depoimentos de representantes das vítimas, as conclusões da comissão interamericana e a defesa do Estado brasileiro, que está a cargo de uma delegação interministerial. O anúncio da sentença está previsto para novembro.
O processo é consequência de uma petição de agosto de 1995 movida por ONGs junto à Comissão Interamericana de Direito Humanos. Desde então, organismo analisou o caso e sugeriu ao Brasil uma série de medidas reparatórias. Como o país não concretizou as sugestões, a comissão encaminhou a denúncia à Corte, que é a última instância para o caso.
De acordo com documentos, “a demanda se relaciona com a suposta detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de 70 pessoas, entre membros do Partido Comunista do Brasil e camponeses da região, resultado de operações do Exército brasileiro entre 1972 e 1975 com o objetivo de erradicar a Guerrilha do Araguaia, no contexto da ditadura militar do Brasil”.
Para justificar a pertinência do caso, o organismo acrescenta que “em virtude da Lei da Anistia, o Estado [brasileiro] não realizou uma investigação penal com o objetivo de punir as pessoas responsáveis” e “os recursos judiciais de natureza civil com objetivo de obter informação sobre os fatos não foram efetivos”.
O Brasil alega em sua defesa que não se esgotaram os recursos internos para análise da questão, que não houve violação à legislação internacional e que as sugestões anteriores já foram acatadas.
A demanda original foi apresentada pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL/Brasil) e pela Human Rights Watch/Americas (HRWA). Mais tarde, se apresentaram como co-peticionários o Grupo Tortura Nunca Mais (GTNM) e a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos (CFMDP).
Caso particular
Consultado pelo UOL Notícias, um porta-voz da Corte Interamericana declarou que se trata de um caso sem precedentes na história do organismo internacional.
“Cada caso é único, é importante se lembrar disso, mas esse processo é especial, tem uma série de particularidades. A Corte já julgou casos de tortura, desaparecimento, mas agora são dezenas pessoas que supostamente foram vítimas [de violações dos direitos humanos]”, explica.
Vai pesar na decisão do organismo o fato de que o Brasil vivia uma ditadura durante o caso? “Não. A Corte julga apenas se houve violação dos direitos humanos, independente do governo que estava no poder, essa não é a questão”, respondeu o porta-voz.
Além disso, a Corte não busca estabelecer a culpa de indivíduos, mas indicar se um determinado Estado infringiu ou não os artigos da Convenção Interamericana. O resultado, que deve demorar seis meses para ser anunciado, é inapelável e seu acatamento é obrigatório.
“Em caso de condenação, a Corte faria duas coisas: estabelecer qual foi a violação cometida pelo Estado brasileiro e depois indicar medidas de reparação às vitimas”, explica o porta-voz.
Essas medidas podem ter caráter econômico, como no caso de indenizações, ou podem ser decididas em função das características do caso. A corte pode decidir, por exemplo, que seja criada ou revogada uma lei para que o país esteja de acordo com os regulamentos internacionais. Em outro caso, envolvendo a Colômbia, a corte chegou a ordenar que os militares do país tivessem formação em direitos humanos.
Representação
Comparecem à audiência na Costa Rica como testemunhas das vítimas Belisário dos Santos Júnior, Marlon Weichert, Elizabeth Silveira e Silva e Criméia Alice Schmdit de Almeida e, em conjunto com a Comissão Interamericana, Laura Petit da Silva e Marlon Weichert. O colombiano Rodrigo Uprimny será o perito em nome das vítimas e da CIDH.
Pelo Estado brasileiro, estarão presentes o ex-ministro da Justiça José Gregori e o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Paulo Sepúlveda Pertence e, como perito, o ministro Gilson Dipp, corregedor do Conselho Nacional de Justiça.
A delegação brasileira, chefiada pelo embaixador na Costa Rica, é composta ainda por representantes dos ministérios das Relações Exteriores, da Defesa e da Justiça, além de elementos da Advocacia Geral da União, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, do Arquivo Nacional, da Procuradoria-Geral da República, do Comando do Exército, do Ministério da Justiça e da Casa Civil.
FONTE:Thiago Chaves-Scarelli
Do UOL Notícias
Em São Paulo
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