Na Prefeitura de São Paulo, desde 2004 existe um projeto urbanístico (“Projeto Nova Luz”), que, financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), prevê o investimento de fábulas orçamentárias em obras na região do Parque da Luz, no Centro Histórico da cidade de São Paulo, com um total orçado (e liberado pelo BID) em torno de 100 milhões de dólares. Até hoje, uma ínfima quantidade desses recursos foram aplicados. Não tivesse transformado a revitalização num espetáculo hollywoodiano, a então gestão Serra-Kassab não passaria tamanha vergonha. O artigo é de João Paulo Cechinel Souza.
João Paulo Cechinel Souza (*)
A dependência ao crack recentemente ganhou notoriedade junto às autoridades brasileiras, principalmente, em se tratando do período eleitoral, daqueles aspirantes ao cargo presidencial. Diversas estratégias foram e vêm sendo anunciadas nos últimos meses e anos, incluindo ampliação do número de leitos para dependentes químicos e o respectivo aumento de verbas para prevenção e tratamento de indivíduos nessa condição.
Na Prefeitura de São Paulo, desde 2004 existe um projeto urbanístico (“Projeto Nova Luz”), que, financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), prevê o investimento de fábulas orçamentárias em obras na região do Parque da Luz, no Centro Histórico da cidade de São Paulo, com um total orçado (e liberado pelo BID) em torno de 100 milhões de dólares. Para quem não conhece ou não sabe, foi no Parque da Luz que teve início o consumo de crack na cidade, ainda na década de 90, caracterizando posteriormente a chamada “Cracolândia”, devido ao grande número de dependentes que até hoje circulam por aquelas imediações.
Contudo, do total aprovado pelo BID para a recuperação da região, apenas 4% foram efetivamente utilizados. Sobre o restante, até hoje incidem multas e taxas diversas, como ocorre com todos os empréstimos do BID – que deverão ser debitados na conta da Prefeitura Municipal em algum momento.
Não tivesse transformado a revitalização num espetáculo hollywoodiano, a então gestão Serra-Kassab não passaria tamanha vergonha. Admitindo publicamente que não pretendiam dar seguimento às iniciativas de revitalização com inclusão social levadas a cabo pela gestão anterior (Marta Suplicy), teve início a “primeira fase” do projeto: a repressão policial – que durou três anos. Somente com o forte estímulo da administração estadual, já sob comando de Serra, algumas reformas isoladas foram realizadas, num segundo momento do projeto.
Mesmo se pretendendo (ou parecendo) bem-intencionado, um projeto dessa magnitude urbanística e, principalmente, humana, carente desde a base de elementos para participação popular e coletiva na tomada de decisões acerca das obras, sem contar a absoluta falta de perspectiva de integração dos habitantes (fixos ou não) a projetos de inclusão social, somente poderia ter o desfecho que teve: o “efeito bilhar”. Os grupamentos humanos que por ali existiam à época do início da repressão policial, assustados pela truculência institucional e agredidos em sua integridade física e psíquica pelo crack, acabaram por se dividir em subgrupos menores e espalharam o problema por toda a cidade.
Disseminado o problema e constatado o consumo dessa substância junto aos extratos sociais mais abastados, Serra planejou então formar as unidades para internação e tratamento dos dependentes químicos – e utiliza isso, hoje, em sua campanha eleitoral, como estratégia universal e única para quaisquer tipos de dependências (química ou não). Infelizmente, a única clínica desse tipo inaugurada até hoje possui dificuldades imensas para receber cidadãos encaminhados por outras localidades.
Afora isso, essa ideia completa a constatação maior, fruto de observação macroestrutural, de que as políticas públicas do Sistema Único de Saúde, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), implantadas no resto do país, ganham características e nomes diferentes em São Paulo, não oferecem as melhorias esperadas (e constatadas em outros Estados) e ainda são brindadas com os vícios administrativos malufistas da época do Plano de Atendimento à Saúde (PAS).
Centrados em sua malfadada campanha eleitoral e em promessas alheias aos anseios do povo, Serra e o demotucanato paulista se esqueceram de garantir o básico aos cidadãos que lamentavelmente dependem do atendimento público à saúde no Estado e no Município de São Paulo. Tivessem dado alguma importância real às vidas dos indivíduos sob sua tutela, entre outros problemas já levantados em artigos anteriores (“O sucateamento da saúde pública em São Paulo” – primeira parte ; e segunda parte) não teriam deixado acabar o leite artificial fornecido aos filhos de mães portadoras do HIV há quase dois meses, numa ação que passa longe da má administração – e se caracteriza, isso sim, como atitude criminosa e hedionda.
Entretanto, para o paraíso midiático do demotucanato – ou Partido da Imprensa Golpista, PiG, segundo Paulo Henrique Amorim – talvez seja mais importante fingir que tais questões simplesmente não existem e trabalhar para que os eleitores também finjam nunca terem passado ou presenciado aberrações como as apresentadas neste e nos outros artigos citados. Na antevéspera da eleição, tenham certeza, o PiG encontrará detalhes do pagamento, no valor de 30 moedas de prata, efetuado por Dilma para que Judas denunciasse Jesus. Isso sim terá valor – e audiência.
(*) João Paulo Cechinel Souza – médico especialista em Clínica Médica, residente em Infectologia no Instituto de Infectologia Emílio Ribas (São Paulo) e colaborador da Carta Maior
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