Infância Urgente

domingo, 12 de setembro de 2010

Quartel da PM em São Gonçalo lidera denúncias do uso de autos de resistência para encobrir

O Globo
O pedreiro Leopoldo de Oliveira, que viu PMs colocarem uma arma na mão do filho / Foto: Marcelo Piu

RIO - O 7º Batalhão da Polícia Militar (São Gonçalo) é o quartel com mais policiais denunciados por encobrirem assassinatos em autos de resistência - ocorrência onde o policial é autorizado a usar a força para conter o suspeito. Após analisar 168 autos, feitos a partir de 1998, a 2ª Promotoria de Investigação Penal (PIP) e a Promotoria do Júri em São Gonçalo encontraram falhas em 32 deles e denunciaram, nos últimos dois anos, 70 policiais - quase 18% do efetivo do batalhão. Ignorando diretrizes dos Direitos Humanos, os policiais executaram 35 pessoas. No final de julho, a Justiça julgou o primeiro dos 32 casos, e três policiais foram condenados a 18 anos de prisão. É o que mostra a reportagem de Daniel Brunet na edição do GLOBO deste domingo.

Com 70 policiais seria possível compor o efetivo de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), em uma comunidade com mais de 40 mil moradores. No Batan, Zona Oeste do Rio, que tem a população deste tamanho, a UPP tem 55 homens.

E o número de denunciados pode aumentar. Dos 168 autos de resistência analisados, 115 (68,5%) ainda estão sendo investigados. Apenas 21 foram arquivados.

Há três anos, ao se deparar com uma ocorrência suspeita, o promotor do Tribunal do Júri Paulo Roberto Mello Cunha Júnior iniciou um estudo com base em outros 100 autos de resistência, escolhidos aleatoriamente e feitos por policiais do 7º BPM, entre 1991 e 2008. O levantamento produziu números que desmancham versões policiais e reforçam a análise do promotor, de que pessoas foram executadas e, depois, incriminadas.

Pedreiro executado é transformado em bandido

A noite de 29 de junho de 2006 marcou Porto do Rosa, um dos bairros mais pobres de São Gonçalo. Policiais percorriam as ladeiras da região à procura de bandidos, quando, por volta das 21h, avistaram um jovem moreno e magro, com algo na mão, saindo de uma casa em construção. Era Erisson Santos de Oliveira, de 22 anos. Dois disparos foram feitos pela PM. Erisson nem teve tempo de ver de onde vieram. As balas atingiram as costas dele, e os policiais anunciaram: "Não saiam de casa. Estamos pegando bandido".

O jovem morreu na hora. Nas mãos, levava um casaco. Ao contrário do que constou no auto de resistência, não era bandido. Casado e pai de um menino, sustentava a família com o salário de pedreiro, ofício que aprendeu com o pai Leopoldo Silva de Oliveira, de 69 anos.

Os policiais informaram ao batalhão que tinham enfrentado oito traficantes. Segundo familiares, os PMs colocaram uma arma na mão de Erisson e fizeram um disparo. Em seguida, puseram o corpo na viatura.

- Carregaram meu filho igual fazem com porco - contou Leopoldo.

Horas depois, o pai foi à 71ª DP (Itaboraí) denunciar o caso. No dia seguinte, os cinco policiais voltaram à cena do crime.

- Eles passaram olhando pra gente - conta a viúva de Erisson, Patrícia de Oliveira, de 26 anos.

Bastou para ela e o filho se mudarem. Cinco PMs foram denunciados por homicídio, em maio do ano passado - um foi morto a tiros em 2007 e o outro, absolvido por não ter participado do crime. O caso foi o primeiro dos 32 autos de resistência forjados por policiais do 7º BPM a ser julgado. No dia 31 de julho deste ano, os PMs foram condenados a 18 anos de prisão.

A morte de Erisson deixou carências difíceis de serem supridas.

- Meu filho diz que quer morrer, que quer ficar com o pai. Até hoje não conseguimos dinheiro para pagar psicólogo - conta Patrícia.

Para a mãe de Erisson, Jardelina Santos, de 66 anos, a morte do filho é uma ferida aberta, que ainda provoca choro. Pai de outros 10 filhos, Leopoldo também não se conforma:

- Foi a coisa mais triste da minha vida. Aquilo me matou.

Os policiais José Ricardo dos Santos Almeida, Ricardo Fonseca Menegoy e Marcelo Camilo Barbosa não estão presos. Eles recorrem da sentença em liberdade, trabalhando internamente. O MP recorreu, pedindo à Justiça a expulsão dos três. O comandante do 7º BPM disse que será aberto procedimento administrativo para decidir se os quatro serão excluídos da PM.

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