Infância Urgente

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Queda de desigualdade na década é lenda

O artigo do economista Marcelo Neri (abaixo deste texto), publicado ontem por esta Folha, ajuda a perpetuar, por omissão de um detalhe, a lenda da queda da desigualdade na presente década.

O comentário é de Clóvis Rossi, jornalista, e publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, 10-09-2010.

A omissão é de apenas uma expressão: quando Neri diz que houve queda da desigualdade de renda, está se referindo apenas à renda do trabalho, não à desigualdade, muito mais importante e muito mais brutal, entre a renda do trabalho e a renda do capital.

O próprio texto de Neri deixa claro que não houve redução da desigualdade. Afirma o economista que, entre 2003 e 2009, as "taxas de crescimento da renda do trabalho [se deram] em níveis equivalentes ao da renda de todas as fontes".

Se a renda do trabalho e a renda do capital ("todas as fontes") cresceram de uma maneira equivalente, é matematicamente impossível que tenha havido uma redução da desigualdade.

Que a desigualdade realmente relevante se dá entre renda do trabalho e outras rendas se verifica em texto de Marcio Pochmann, escrito quando trabalhava na Unicamp (atualmente ele é presidente do estatal Ipea, Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas).

"A parte da renda do conjunto dos verdadeiramente ricos afasta-se cada vez mais da condição do trabalho, para aliar-se a outras modalidades de renda, como aquelas provenientes da posse da propriedade (terra, ações, títulos financeiros, entre outras)", diz.

Outro economista do Ipea, João Sicsú, fez, também antes de ser contratado pelo instituto estatal, a seguinte comparação:

"Em 2006, o governo federal pagou R$ 163 bilhões de juros para os detentores da dívida pública federal. Aproximadamente 80% desse valor é apropriado por 20 mil famílias -que fazem parte da elite brasileira. Enquanto isso, em 2006, dezenas de milhões de pessoas pobres foram atendidas pelos programas de assistência social do governo federal com apenas R$ 21 bilhões."

Como é possível diminuir a desigualdade se 20 mil famílias recebem do governo seis vezes mais do que o que vai para as 12 milhões de famílias beneficiadas pelo Bolsa Família?

Mais: na mesma página do artigo de Marcelo Neri, saía informação (do IBGE) mostrando que a renda média do trabalho em 2009 ainda era inferior à de 1996.

Alguém acredita que a renda do capital no período tenha caído, como caiu a do trabalho, ou tenha ficado estagnada?

Sepultemos, pois, de vez a lenda e usemos as palavras certas: caiu a desigualdade entre assalariados, mas não caiu a obscena desigualdade entre renda do trabalho e renda do capital.

Extraído do site IHU Instituto Humanitas Unisinos



9/9/2010

Sob as lentes da Pnad, nossas conquistas, percalços e desafios

"Talvez a melhor boa nova "pnadiana" seja que, apesar da crise, não há novidade no bolso dos brasileiros: segundo nossos cálculos sobre os microdados da Pnad, a renda per capita ou por brasileiro ainda cresceu 2,04% entre 2008 e 2009, apesar do repique do desemprego e da queda da taxa de ocupação", escreve Marcelo Neri, economista do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas - CPS/FGV, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 09-09-2010.

Eis o artigo.

Me lembro da primeira vez que vesti óculos para miopia. Da indescritível sensação de começar a perceber a profundidade e clareza das coisas ao redor. Olhava maravilhado os contornos do mundo a minha volta. As possibilidades de enxergar o Brasil também têm evoluído.

Um marco foi 1995, quando o IBGE abriu os microdados de suas pesquisas conferindo liberdade a cada um de olhar, desde uma perspectiva própria, os brasileiros em suas casas.

Me lembro em 1994, mais ou menos na mesma época que fui introduzido aos óculos, de ler no New York Times sobre os determinantes do peso das crianças, pensava comigo quão distante disso estava o Brasil. À época, pensava antes e acima de tudo na inflação, que distorcia sentidos e preocupações. Hoje, a cada Pnad, debatemos nossas conquistas, percalços e desafios.

A edição de 2009 guarda novidades. Enxergamos se há nas garagens das casas motos (16%) ou carros (37%), o que permitirá medir impactos da redução do IPI durante a crise; vamos agora além do acesso à internet em computador pessoal (27%) e vemos que os brasileiros acessam mais a rede em computador coletivo (42%), mas o uso do celular é acima de tudo um bem pessoal (58% das pessoas têm).

Voltamos a saber detalhes da vida privada: se os adultos são solteiros (43%), viúvos(6%), separados (5%) ou casados (46%) de papel passado ou não; e se as relações entre Estado e empresas são de papel passado (apenas 14% dos conta próprias têm CNPJ - mesmo depois do advento da Lei do Microempreendedor Individual).

Agora, de todas as inovações introduzidas no questionário, a que eu gostei mais - e tenho um certo orgulho através de sugestão do movimento Todos pela Educação que faço parte - é a abertura dos alunos por redes de ensino público: federais (2,4 %), estaduais (43%)e municipais (55%). Isso permitirá responsabilizar cada ator na cobrança de metas para tornar esta década a da qualidade da educação. Pois nesse campo só o que temos são desafios.

Talvez a melhor boa nova "pnadiana" seja que, apesar da crise, não há novidade no bolso dos brasileiros: segundo nossos cálculos sobre os microdados da Pnad, a renda per capita ou por brasileiro ainda cresceu 2,04% entre 2008 e 2009, apesar do repique do desemprego e da queda da taxa de ocupação.

Há outros fatores indo na direção contrária como aumento de formalidade, de salários, a expansão de benefícios previdenciários e de programas sociais.

Mais do que isso, a renda dos 40% mais pobres cresce 3,15% ante 1,09% dos 10% mais ricos. Ou seja a desigualdade continua em queda (Gini cai 0,7%). O que acontece ano após ano desde 2001 quando o então candidato Serra bradava "Tudo contra a desigualdade". Essa é a grande inovação tupiniquim na década que esta Pnad encerra.

Como consequência da manutenção do crescimento com redução da desigualdade, a pobreza também continua a sua tendência decrescente que vem desde 2003, quando o número de pobres segundo a linha da FGV era de 49 milhões de pessoas.

Após a recessão do primeiro ano do governo Lula até 2008, 19,5 milhões de pessoas saíram da pobreza e adicionamos no ano passado mais 1 milhão no último ano, chegamos a um contingente de 28,8 milhões de pobres, um contingente ainda expressivo. A taxa de pobreza cai de 16,02% para 15,32% entre 2008 e 2009, uma queda de 4,37%. Agora, se você quiser saber por que e para onde foram esses pobres, como anda a nova classe média brasileira aí incluindo seus bolsos, bens e aspirações, não perca a nova pesquisa do Centro de Políticas Sociais (CPS) que está saindo do forno.

Extraído do site IHU Instituto Humanitas Unisinos.

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