Brasil de Fato
13 de janeiro de 2010
Aproveitando-se das férias do presidente Luiz Inácio Lula da Silva; do recesso dos legislativos em todas as esferas, bem como do Judiciário – então à mercê apenas do seu presidente, doutor Gilmar Mendes – que dispensa apresentações; aproveitando-se, sobretudo da desmobilização das organizações e movimentos da sociedade civil, no dia 30 de dezembro, o doutor Nelson Jobim desfechou seu golpe: fez vazar ou plantou (isto ainda não ficou muito claro) através do jornal O Estado de S. Paulo, a notícia de que no dia 22 de dezembro, foi encontrar o presidente da República na Base Aérea de Brasília, para lhe entregar uma carta de demissão do cargo. Os três comandantes das Forças Armadas, em solidariedade ao ministro, decidiram que também deixariam os cargos, caso se concretizasse sua saída.
Lamentavelmente – para nós e todos os trabalhadores e o povo brasileiro - não houve um intermediário que recebesse as quatro cartas e encarnasse o papel do deputado Pedroso Horta em 1961, quando da renúncia do presidente Jânio Quadros, e consumasse a intenção do doutor Jobim.
O motivo que teria levado o ministro ao gesto seria o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos – 3º PNDH, elaborado pelo ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos – SEDH, Paulo Vannuchi, feito público na véspera, em solenidade oficial da qual participaram o presidente da República e diversos ministros.
“Quem brincava de princesa
acostumou com a fantasia”
De acordo com o ministro Jobim, o 3º PNDH, é “revanchista”, por prever constituição da Comissão de Verdade e Justiça, que poderá encaminhar (dependendo de sua aceitação pela Presidência; da manifestação do STF sobre o alcance da Lei de Anistia; e da aprovação do Programa pelo Congresso) a apuração e punição dos crimes cometidos contra os opositores do regime pós-64 por agentes do Estado – a maioria dos quais militares de diversas patentes, mas também voluntários civis organizados em grupos clandestinos paramilitares.
Ou seja, atropelando as atribuições dos três Poderes da República, o doutor Jobim tenta golpear, de uma só vez, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, e se impor como a Luz Suprema. Para tanto, acostumado aos carros alegóricos (ver foto), pensa que pode tratar a República como qualquer cocote da Belle Époque – uma Bela Otero ou uma Lianne de Pougy – trataria um amante que não mais lhe conviesse, ou ao qual pretendesse chantagear.
“Você fez de mim uma cínica
Você fez de mim uma hipócrita”
E foi assim que o ministro Jobim tratou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em primeiro lugar, o doutor Jobim já conhecia o 3°PNDH de há muito, pois esse plano foi discutido e aprovado em 2008, na 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos (CNDH), como é praxe desde a construção do 1º PNDH, ainda no Governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, cujo ministro da Justiça era o próprio doutor Jobim (Não, não ria, leitor – é verdade.).
As CNDHs são compostas de representantes da sociedade civil e de instâncias governamentais. Na 11ª CNDH, o 3º PNDH foi aprovado por 29 votos, contra 2. E esses dois votos contrários foram exatamente dos dois representantes do Ministério da Defesa.
Ou seja, caso se tratasse de uma pessoa séria e leal, o ministro Nelson Jobim teria buscado negociar com o presidente antes do lançamento público do Programa no dia 21 de dezembro, e/ou investiria no jogo democrático do julgamento pelo STF sobre o Alcance da Lei de Anistia, e/ou na votação no Congresso do 3º PNDH. Ou, pelo menos, esperaria o presidente voltar de suas curtas férias de festas de final de ano para retomar a discussão.
Mas essas são atitudes de Homens com H maiúsculo, o que certamente não é o caso dos que defendem torturadores, assassinos e todo tipo de celerados do período ditatorial, cuja impunidade reverbera hoje nas diversas chacinas no campo contra os trabalhadores rurais, ou nas periferias das grandes cidades, como a de maio de 2004 (os chamados Crimes de Maio) quando agentes da repressão do Estado de São Paulo invadiram bairros das periferias e assassinaram ao esmo cerca de 500 pessoas. E esses crimes, nas cidades ou no campo, continuam impunes.
Assim como não defendem criminosos, Homens com H maiúsculo (bem como Mulheres com M maiúsculo) não traem
os Governos a que servem.
"Bananeira não dá laranja
Coqueiromnão dá caju"
Ora, mas o que esperar de um senhor que chega ao Ministério depois de seus pares provocarem uma crise nos aeroportos que culminou com um dos maiores desastres aéreos do país, com um saldo de mais de 200 mortos?
Na segunda-feira, dia 11 de janeiro: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva volta à ativa.
Sua primeira declaração (ou, pelo menos, que lhe atribuiu a grande mídia comercial) a respeito da crise gerada pelo ministro Jobim, foi um tanto chocha – quiçá, decepcionante.
Teria criticado igualmente o ministro Jobim e o ministro Paulo Vannuchi por suas manifestações e teria sugerido substituir o termo “repressão”, por “conflitos”. Ora, qualquer termo que nivele os agentes do terror de Estado da ditadura, aos que a combatiam; que nivele o arrivista e sem escrúpulos Nelson Jobim, ao ministro Paulo Vannuchi – cuja biografia e militância se têm pautado desde sempre pelo alinhamento às causas do povo, dos trabalhadores e da democracia, certamente serão intoleráveis para a sociedade civil que prepara para a próxima quinta-feira um dia nacional de luta em defesa do 3º PNDH e da criação da Comissão de Verdade e Justiça – e, portanto, também do ministro Vannuchi.
Esperamos que o presidente tenha voltado de suas férias inspirado e que, a partir da nossa próxima edição, possamos nos referir a um “ex-ministro da Defesa de nome Nelson Jobim, hoje presidente de uma empresa multinacional de aviação, ou de exploração do Pré-Sal”.
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