Infância Urgente

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Bancada federal não se posiciona sobre aumento do tempo de internação em Unei

Jacqueline Lopes

“Do rio, que tudo arrasta, se diz violento, mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem”.
Bertolt Brecht

No dia 12 de dezembro de 2007, a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei nº 2847/00, que aumenta o tempo máximo de internação de adolescentes que cometeram atos infracionais. O prazo passa de três para oito anos nos casos que houver “grave ameaça ou violência à pessoa”, o que inclui homicídio, tráfico de drogas e crimes hediondos como seqüestro, latrocínio e estupro.

Em Mato Grosso do Sul, um caso emblemático foi chamado de “o maníaco da cruz”. D., de 16 anos, buscou inspiração no caso do maníaco do parque (de São Paulo) e assassinou três pessoas de julho até outubro na cidade de Rio Brilhante, a 163 quilômetros da Capital. Embora, as autoridades da infância considerem raras infrações desta natureza ser praticados por crianças e adolescentes, já que na maioria dos casos eles são vítimas, o episódio traz à tona a polêmica sobre o que fazer e como tratar jovens infratores.

Atualmente em tramitação na Comissão de Seguridade Social e Família, o projeto, que passará ainda pela Comissão de Constituição e Justiça e pelo plenário da Câmara antes de ser enviado ao Senado, divide opiniões. O Midiamax ouviu a bancada federal de Mato Grosso do Sul sobre o tema.

O autor do substitutivo que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), sustenta que o texto é uma alternativa às propostas de redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. “Trata-se de uma inovação que vai ao encontro do clamor da sociedade, sem que vejamos afrontados os direitos dos adolescentes”, diz Sampaio, no relatório apresentado em dezembro passado.

O argumento principal do parlamentar, ao defender o projeto, é de que o período de três anos é insuficiente para a recuperação nos casos mais graves. Ele acredita ainda que a mudança não provocará aumento de demanda para o sistema de internação, que hoje já apresenta déficit de cerca de 3 mil vagas, segundo a Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), ligada à Presidência da República.

Para o deputado, a alteração no Estatuto “desestimulará os adolescentes a praticarem essa modalidade de infração, propiciando ainda uma reflexão sobre a gravidade de seus atos e as conseqüências deles”.

Bancada federal

O sistema de atendimento aos adolescentes infratores ainda enfrenta precariedades graves. De acordo com ele, das 250 unidades de internação no Brasil, apenas 39 estão em consonância com os parâmetros educacionais previstos no Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo) – um conjunto de medidas em tramitação no Congresso Nacional.

A maioria permanece com perfil prisional. Há também falta de investimento em projetos de meio aberto. Nos últimos quatro anos, a União investiu R$ 53 milhões na área. Para os próximos quatro anos, o Plano Plurianual (PPA) prevê dez vezes mais.
Uma das estatísticas que trata do assunto mostra que, dos cerca de 16 mil adolescentes internos no País, menos de 1% cometeu crueldade em seus delitos. Os dados da SEDH revelam que a maioria – 84% –, cometeu crimes contra o patrimônio ou foram aliciados pelo tráfico de drogas. Os 15% restantes envolvem crimes contra a pessoa.
Mato Grosso do Sul tem sete deputados na Câmara Federal e um deles, Nelson Trad (PMDB) faz parte da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados.

Aumentar de 3 para 8 anos o tempo de internação de jovens infratores foi uma saída para a outra questão polêmica que era da redução da idade penal de 18 para 16 anos. “Estou acompanhando esse projeto e sempre entendi como mais importante ampliar o tempo de internação e educar aqueles que delinqüem”.

O parlamentar acredita que as mudanças devem arrastar transformações no aspecto financeiro e nas prioridades dos projetos parlamentares. “A Câmara interfere no processo, no aspecto financeiro para que haja a ampliação de recursos para que se possa reestruturar o sistema”.

O deputado federal Vander Loubet (PT) disse que é preciso buscar mais informações sobre o assunto com especialistas antes de tomar posição sobre o assunto. “É preciso tomar muito cuidado. Cultura familiar não muda somente com penas. É preciso mais investimentos para ampliar o tempo de internação. Só mexendo na lei não adianta”, frisa. Loubet acrescenta que as condições de hoje de como funcionam as Uneis (Unidades Educacionais de Internação) são precárias.

Para Geraldo Resende (PMDB), que também ainda não sabe como vai proceder na votação, quando o projeto for para o plenário, é preciso com urgência uma resposta para a sociedade. “Somente aumentar a pena não vai resolver. É importante políticas públicas que garantam espaço no mercado de trabalho a esses jovens”.

Indagado sobre o porquê dos projetos de leis não priorizarem o assunto, Resende contemporiza ao dizer que “são inúmeros projetos do governo federal para a juventude e a seu tempo haverá a construção que aponte para novos caminhos”.

Já o parlamentar Antônio Carlos Biffi (PT), as leis são brandas e não estimulam a cultura da consciência e respeito. “O que está posto é a punição. Temos que discutir melhores oportunidades, ter uma educação mais forte”. No caso do maníaco de Rio Brilhante, Biffi entende que “ali não foi por problema social como fome e miséria”. “Neste caso, seria preciso outro tratamento”. O tema ainda vai passar por várias comissões antes de ser votado e até lá, o deputado deverá dizer qual será seu voto.

Favorável

Para o deputado federal Antonio Cruz (PP), aumentar o tempo de internação dos jovens infratores que cometerem atos graves é uma saída. “Só correção e disciplina para colocar no eixo”. Sobre o caso do maníaco da cruz de Rio Brilhante, o parlamentar disse que se trata de doença psicoemocional. O Estado não conta com hospitais para tratar esses casos e tampouco há projetos parlamentares para isso. “Falta Deus para esses jovens”, diz Cruz, que é líder evangélico.

O ex-secretário de Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso do Sul, deputado federal pedetista, Dagoberto Nogueira também deve votar pela ampliação do tempo de internação. Ele defende que os tempos mudaram e o ECA precisa ser adaptado.

“Sou extremamente a favor. A juventude hoje não é a mesma de ontem. Os jovens amadurecem rápido e a lei tem que se adaptar os tempos. Hoje, o jovem infrator sabe que não tem pena, que se cometer uma infração logo está de volta na rua”.

Informações rápidas pela internet, acesso aos meios de comunicação a todo tempo são alguns ingredientes que, segundo Nogueira, fazem os jovens discernirem o certo do errado.
Outro deputado favorável ao projeto é Waldemir Moka (PMDB). “Ainda está tramitando na comissão. Sou favorável. Aumentar para oito anos preventivamente dificulta o recrutamento dos jovens aliciados. Temos que olhar de perto as entidades dos internos. Se não estruturar as unidades que cuida desses jovens, eles saem pior”.

Polêmica

No ninho dos tucanos, o projeto depende de uma discussão da bancada, diz o deputado Waldir Neves. “A bancada vota unida. Há polêmica. Será que aumentar o tempo de internação resolve? Por outro lado, o infrator se vale da impunidade. A gente fica num dilema porque não é justo usar a impunidade para punir jovens que são resultado de toda um circunstância social”. Para Neves, hoje o quadro das Uneis em Mato Grosso do Sul traz à tona uma realidade similar a dos presídios. São barris de pólvoras e lá, o universo piora quem ali está, segundo ele.

Especialistas

O gerente de projetos da Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), Fábio Silvestre, discorda do parlamentar autor do projeto. Para ele, há uma “fantasia” de que é possível resolver problemas complexos com medidas simples. “O aumento do prazo de internação não vai dissuadir os jovens. O melhor jeito de dissuadir é a criação de exemplos na sociedade e a aplicação de direitos e garantias para todos”, afirma.
Silvestre defende que, em vez de alterar o Estatuto, o Congresso aprove o projeto de lei que institui o Sinase que regulamenta dispositivos do ECA, hoje em tramitação na Câmara.

O Sinase é uma resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), publicada em 2006, que estabelece parâmetros para o atendimento aos adolescentes em conflito com a lei. O Sistema determina, por exemplo, que as medidas socioeducativas em meio aberto sejam de responsabilidade dos municípios e que os Estados arquem com os programas de privação à liberdade. O objetivo principal da resolução é evitar a reincidência e garantir ao adolescente o acesso à escolaridade, à formação profissional e pessoal durante a punição.
O juiz da 1ª Vara de Infância e Juventude de São Paulo (SP), Luis Fernando Vidal, também acredita que a saída é privilegiar essas medidas, o que incluiria não só investimento do Poder Público como maior seletividade do Poder Judiciário ao aplicar as punições. “Não vejo possibilidade de qualidade em internação. Se privação da liberdade pudesse ter qualidade e trouxesse algum benefício, o mundo não estaria como está”, diz o juiz.

Reincidência

A opinião do magistrado se baseia em estatísticas que questionam a eficácia de punições em regime de reclusão. No Estado de São Paulo, por exemplo, a Fundação CASA (ex-Febem) registrou, em 2006, um percentual de 29% de reincidência entre os adolescentes internos. Nas medidas em meio aberto, o retorno à criminalidade foi menor: 10%. “Falta investimento [em meio aberto], falta qualidade. Mas nada disso justifica a opção pela privação da liberdade, que também não funciona”, afirma Vidal.

Tanto Vidal como Silvestre acreditam que a proposta em tramitação na Câmara contraria os princípios constitucionais de excepcionalidade e brevidade da privação de liberdade. “Temos uma Constituição que diz que a resposta para o problema da delinqüência juvenil é socioeducativa e não criminalizante. [O projeto de lei] corresponde a um incremento da solução criminalizante, e sem apresentar qualquer proposta socioeducativa”, aponta Vidal. “Não é uma opção por qualidade, mas por uma cultura de aprisionamento”, completa.

ONU

O princípio da brevidade, previsto na Constituição, abre questionamentos também quanto ao critério utilizado para estabelecer o prazo máximo de internação. Para Fábio Silvestre, a fixação de oito anos contraria a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, adotada por resolução das Nações Unidas em 1989 e ratificada pelo Brasil em 1990, na qual está prevista que nenhuma criança ou adolescente deve receber tratamento igual ou pior ao de um adulto.
Silvestre argumenta que o tempo máximo de prisão de um adulto no Brasil é de 30 anos, mas o Código Penal prevê o benefício da progressão do regime, o que permite a liberdade após o cumprimento de um sexto da pena. Ou seja, o período máximo de encarceramento que a lei admite para um adulto – cinco anos – é inferior ao tempo que se pretende aplicar a um adolescente. “O projeto coloca o adolescente numa situação pior do que o adulto”, diz.

Vidal acrescenta que, apesar de aparentemente arbitrário, o prazo máximo de três anos, fixado na elaboração do ECA, leva em conta o tempo de vida do adolescente. Para um jovem de 12 anos, por exemplo, três anos de internação significa um quarto da sua vida. “Para um adulto, esse prazo pode parecer pequeno. Mas as medidas são aplicadas para comunicar um rigor aflitivo ao adolescente, e não ao adulto”, afirma o juiz.

Polêmica

Cerca de 60 mil adolescentes estão hoje sob aplicação de medidas socioeducativas no País, o que corresponde a 0,24% do universo da população de jovens entre 12 e 18 anos. Desse total, quase 16 mil cumprem sanções de privação de liberdade (internação, internação provisória e semi-liberdade), embora o sistema de internação possua apenas 13 mil vagas. Mesmo com o déficit, a demanda de medidas em meio fechado cresce no País.
De 1996 a 2006, o número de internações cresceu 360%, segundo a Secretaria. A causa desse crescimento também provoca controvérsia. Os jovens estão ficando mais violentos ou o Judiciário passou a adotar uma postura mais rigorosa nas punições?

Clamor público

O juiz da 1ª Vara de Infância de São Paulo afirma que existe um sentimento de insegurança social que gera uma expectativa de rigor maior na aplicação da lei que sensibiliza alguns juízes a serem mais duros nas sanções e até a defenderem mudanças no ECA. Mas, para ele, essa é uma “leitura equivocada da realidade”. “Qual é o instituto de opinião que diagnostica o aumento do número de infrações? É o do ‘achismo’. Todos os dados dizem que a participação de adolescentes em atos realmente graves é estatisticamente diminuta”, afirma o magistrado.

Já o promotor da Infância e da Juventude de São Paulo, Wilson Ricardo Coelho Tafner, considera importante uma atualização do ECA e o aumento de três para oito anos do tempo de internação nos casos excepcionais. Segundo ele, a realidade atual exige mudanças e há um clamor público para que isso ocorra. “Quando o ECA foi concebido, em 1990, a principal causa de internação era furto, subtração de bens sem o uso da violência”, diz o promotor.

De acordo com Tafner, atualmente, em São Paulo, 55% dos jovens infratores praticam assalto. Em segundo, com 25%, aparece o que o promotor classifica como um “fenômeno” que vem se fortalecendo nos últimos anos: o tráfico de drogas. Em menor quantidade aparecem crimes como latrocínio (assalto seguido de morte) e homicídio. Porém Tafner alerta que se forem aprovadas alterações na lei, é preciso levar em conta o critério da excepcionalidade. Ou seja, somente os casos de alta periculosidade deveriam ser punidos com o tempo máximo de internação.

“Considero a proposta mais razoável do que baixar a maioridade penal e jogar jovens de 16 anos dentro desse sistema falido, no qual não terá ressocialização e ainda ficará exposto a facções criminosas”, aponta o promotor.
Castigar?

O juiz da 3ª Vara da Infância e da Juventude de Porto Alegre (RS), Leonardo Narciso Brancher, reforça que não basta só aumentar o tempo de internação, mas investir no atendimento ao adolescente infrator.

O magistrado defende um plano pedagógico que faça o infrator compensar os danos causados e se sentir responsabilizado pelo ato, em vez de culpado. E provoca uma reflexão: “Para que serve ampliar de três para oito anos o tempo máximo de internação? É para castigar? Se for, não há tempo que chegue. Se não é vingança, o que deve ser?”.

fonte: http://www.midiamax.com/view.php?mat_id=347804

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