Infância Urgente

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Velha/Nova Febem/Fundação Casa 63 matéria em detalhes

MP denuncia 43 servidores por torturas na ex-Febem

Inquérito que originou denúncia investigou três ações violentas nas unidades de Ribeirão

O Ministério Público denunciou à Justiça 43 funcionários da antiga Febem (hoje Fundação Casa) por crime de tortura. A denúncia se baseia em inquérito policial sobre três violentas intervenções contra os adolescentes nas unidades de Ribeirão, entre julho e agosto de 2003. Nesta semana, os funcionários envolvidos começaram a receber a
notificação judicial, dando prazo de 15 dias para que apresentem respostas por escrito para as denúncias das quais são alvos.
Segundo o Ministério Público, os adolescentes foram vítimas de um grupo de funcionários que se organizou para fazer repreensões violentas. O grupo e suas ações teriam sido arquitetados por Marcos Donizeti Ivo, que na época se tornou diretor regional da Febem de Ribeirão.

A supervisora de unidades da época, Eliette Nogueira, e o então diretor da Unidade Rio Pardo, na época, Adauto Pereira, eram os principais aliados de Ivo, segundo o MP.
Na quinta-feira (23), a Fundação Casa afirmou, em nota, que ainda não havia sido notificada oficialmente da ação criminal.

O ex-diretor Marcos Ivo disse que ainda não foi intimado, mas que tinha conhecimento sobre a denúncia. Ele afirmou que solicitaria individualização das responsabilidades. "Houve, sim, confrontos em alguns momentos. Eu sabia das ocorrências e elas foram relatadas para a corregedoria da antiga Febem. Alguns desses funcionários já foram
até demitidos", disse o ex-diretor. Ivo continua na Fundação Casa, mas exerce funções burocráticas: é analista técnico (com função de advogado) na Divisão Regional Norte.
Eliete foi procurada, mas não foi encontrada para comentar o assunto.
A então supervisora de unidades hoje é diretora das unidades de Araraquara.
Já Adauto foi o único dos três que deixou a entidade. Ele também não foi encontrado para falar sobre a denúncia.
O inquérito policial que deu origem à denúncia criminal afirma que o grupo de funcionários usava problemas do dia-a-dia como motivo para invadir as três unidades do complexo.

Ritual

Os funcionários seguiam um ritual de tortura, segundo o MP. Usavam qualquer quebra de regras como justificativa para invadir uma das três unidades de Ribeirão (que funcionam no mesmo complexo). Segundo a denúncia, eles obrigavam os adolescentes grupos de até 120
jovens a ficarem nus. Depois davam pauladas, chutes, socos e pontapés para bater nos internos. O desfecho era sempre com banho frio, com o agravante de estarem no inverno. Em uma das ocasiões, os funcionários teriam usado até um hidrante.

Os funcionários que não aceitavam participar das agressões eram ameaçados e até demitidos, diz o MP. "Eu me senti o pior dos seres humanos de ver o que eles estavam fazendo", disse um ex-funcionário demitido na época.
A pena para o crime de tortura vai de dois a oito anos de reclusão,com acréscimo de 1/6 a 1/3 quando praticada por agente público contra adolescente.

PROBLEMAS NA FEBEM DE RIBEIRÃO EM 2003

1º caso
Quando: 30 de julho
Onde: Unidade Rio Pardo
Estopim: Adolescentes jogaram carteiras para cima para reinvindicar
autorização para andar de skate
Tortura: Espancamento com pedaços de pau, socos e chutes e banho
gelado em pleno inverno

2º caso
Quando: 12 de agosto
Onde: Unidade Ouro Verde
Estopim: Adolescentes tentaram agredir um guarda que havia feito gracejos para a namorada de um deles
Tortura: Agressão com porretes, obrigados a ficar nus

3º caso
Quando: 28 de agosto
Onde: Unidades Ribeirão Preto e Ouro Verde
Estopim: A direção teria obrigado profissionais a forjar relatório contra os adolescentes
Tortura: Chutes, socos, pauladas, obrigados a ficar nus

Casa se diz contra tortura

A Fundação Casa emitiu nota em que afirma repudiar qualquer tipo de agressão e não tolerar violações dos direitos humanos dos adolescentes. A nota diz ainda que a fundação irá auxiliar, no que couber, o Ministério Público e o Judiciário no caso em questão. "A fundação teve acesso oficioso aos nomes dos processados por meio da reportagem do jornal A Cidade. Por conta disso, uma pesquisa está sendo feita na corregedoria da casa com o fim de levantar informações funcionais sobre os referidos servidores. Pode-se observar, a priori, que algumas pessoas listadas não trabalham mais na instituição", diz a nota.

Jovens ficaram marcados, afirma mãe

Rezar era a única coisa que sobrava para as mães que ficavam do ladode fora do portão na antiga Febem em agosto de 2003. Fátima (nome fictício) estava lá.Mãe de três filhos, a empregada doméstica não conseguia deixar de se preocupar um minuto sequer com o mais velho.
Durante as visitas, o menino, com 16 anos na época, relatava que não havia sofrido agressões, que estava tudo bem lá dentro. Mas a mãe, desconfiada, também conversava com os outros adolescentes e descobria que o filho estava, sim, apanhando de funcionários dentro das unidades, que deveriam reabilitá-lo para o convívio em sociedade.
Ao longo das semanas, mais provas surgiram do que acontecia lá dentro. Ele chegou a aparecer com as pernas e os braços machucados no dia das visitas.

Denúncia

Para não deixar Fátima nervosa, o jeito foi inventar desculpas e negar o erro dos outros. O então adolescente, hoje com 21 anos, só teve coragem de admitir para a mãe que estava apanhando depois de sair, quando pôde contar sua história para a polícia.
Fátima acha que é muito justo que haja a denúncia contra os funcionários. Acha que até demorou demais. A denúncia foi feita no final de 2007, ou seja, quatro anos depois das agressões. "Acho muito justo que isso aconteça porque eles foram contratados pelo Governo para educar e não para espancar", disse Fátima.
Para ela, que é separada e criou os filhos sozinha, as intervenções causaram dor e sofrimento demais para as mães que estavam do lado de fora. Mas a dor maior ficou dentro dos próprios adolescentes, que teriam ficado ainda mais revoltados.
O resultado, segundo ela, foi que a maioria deles não se recuperou. As mães que choravam na porta da antiga Febem hoje se reencontram na porta das prisões, inclusive Fátima. "Acho que quem esteve lá nunca vai se esquecer da humilhação que passou", disse Fátima, que move ação com outras mães contra o Estado.

fonte: http://eptv.globo.com/noticias/noticias_interna.asp?233684

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