A exemplo do Brasil, o Estado do Ceará não dispõe de uma estatística oficial sobre o número de pessoas desaparecidas
A opinião pública de Fortaleza testemunhou, na semana passada, dois emblemáticos casos de pessoas que ´desapareceram´. Os episódios tiveram desfechos diferentes. No primeiro, um bebê de três meses que, supostamente, havia sido raptado da casa dos pais, no Município de Horizonte, foi localizada oito dias depois pela Polícia. No outro, o fim acabou trágico. Uma garçonete que havia ´sumido´ na companhia do ex-namorado terminou sendo encontrada morta no bairro Sapiranga.
O desaparecimento de pessoas tornou-se um dos mais instigantes e preocupantes casos a ser investigados pela Polícia em todo o Brasil. Contudo, a falta de registro oficial dos sumiços faz com que não exista uma estatística das ocorrências. Uma estimativa feita há dez anos, pelo Ministério da Justiça, revelou que, por ano, cerca de 200 mil pessoas somem do convívio da família, dos amigos, da escola ou do trabalho. A maioria desse contingente de ´desaparecidos´ é formada por crianças, adolescentes e jovens.
No Ceará, como de resto em todo o País, nenhum órgão ligado à Segurança Pública ou à assistência social tem dados suficientemente completos para indicar o quantitativo de desaparecimentos no Estado. Portanto, ninguém sabe, atualmente, quantas pessoas ´sumiram´. Os casos somente vêm à tona quando a família busca ajuda da Polícia ou dos meios de comunicação para divulgá-los.
Um desses episódios tem deixado uma família em completo desespero há mais de quatro meses. Aconteceu na localidade de Foveira, no Município de Ocara (97Km de Fortaleza), onde os pais da estudante Maria Diemilia Costa Silva, 15, lutam para que um dia possam reencontrá-la. A adolescente desapareceu misteriosamente na manhã do dia 12 de junho depois de dormir na casa de uma amiga.
No dia anterior, Diemilia havia ido à casa da avó junto com a mãe. À tarde, a mãe mandou que ela retornasse para a residência. No caminho, a garota teria encontrado a amiga e ambas decidiram que ela dormiria na casa da outra garota.
Um caso
"Desde aquele dia, eu, minha esposa e a minha família inteira, vivemos um pesadelo que teima em não terminar", desabafa o agricultor Francisco Gerônimo da Silva, pai da estudante.
"Já não sabemos mais o que fazer, nem mais para quem apelar. Tudo o que nós podíamos ter feito, fizemos. Cadê as autoridades que não resolvem o nosso problema?", indaga o pai.
O ´sumiço´ da estudante, para a família, está ligado diretamente a um namoro que ela teve com o diretor da escola onde ela participava do projeto ´Pró-Jovem´.
Inquérito
Depois de registrar uma queixa na Polícia e pedir ajuda ao Conselho Tutelar, à Justiça e ao Ministério Público da região, Gerônimo chegou à frustrante conclusão de que as autoridades não foram suficientemente capazes de esclarecer o caso e trazer sua filha de volta. Um inquérito foi instaurado pela Polícia. O caso virou processo. O diretor da escola assumiu ter tido o ´caso´ com a aluna, apesar de ser um homem com mais de 40 anos, casado e pai de duas filhas. Mas, contesta os boatos de que ´roubou´ a moça.
Fique por dentro
Jovens somem mais
Segundo dados da Secretaria Especial dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça, a maioria das pessoas que somem no País é formada por crianças e adolescentes. Entre 10 e 15 por cento dos casos permanecem sem solução por um longo tempo e, às vezes, jamais são resolvidos. Em 2002, a Secretaria decidiu instalar uma rede nacional para a localização de crianças e adolescentes desaparecidos. Hoje, existe no site da ReDesap cerca de 1.250 casos de jovens que sumiram de casa no Brasil. Uma das principais causas da fuga do lar é o conflito familiar
DRAMA FAMILIAR
Desaparecimento completa dois anos
Garota de 17 anos sumiu junto com o namorado em 2008. A Polícia não conseguiu ainda esclarecer o caso
"Depois que a minha filha desapareceu, minha vida acabou. Não tenho mais gosto pra nada. Vivo à base de remédio controlado. E o pior, quando procuro a Polícia em busca de informações sobre o caso, ninguém me diz nada. Eu preciso de uma resposta, como mãe e como cidadã brasileira".
O desabafo transcrito acima foi publicado no Diário do Nordeste há exatos dois anos e dois meses. As palavras são de uma mãe que sofre com o desaparecimento da filha. Até hoje, o caso permanece sem solução.
Quem sumiu foi a então adolescente Elaine Raquel Magalhães, que, na época, tinha 17 anos. A mãe dela, a manicure Cila Maria da Silva Raquel, 45, representa bem as milhares de mães que passam pelo infortúnio de terem seus filhos desaparecidos e que não conseguem reencontrá-los.
Mistério
Cila morava, na época do fato, em Fortaleza. Segundo ela, foi na tarde de 19 de março que a filha chegou em casa com uma câmera fotográfica digital nas mãos. Afirmou que ganhara do namorado, um homem que foi identificado, depois, como Verli Nostvold, um empresário do ramo de construção pesada e que tinha negócios na Região Norte do País. O caso foi levado ao conhecimento da Polícia. Durante meses foram realizadas diligências através da Delegacia de Combate aos Crimes de Exploração da Criança e do Adolescente (Dececa). A última notícia surgiu em agosto daquele ano, com a descoberta de pistas de que o casal fora visto no Município de Aracati (a 140Km de Fortaleza).
Daquela data até hoje, a família da jovem permanece amargando as dores do misterioso caso. A hipótese de que a garota tenha sido morta não foi descartada. Mas tudo permanece no campo das especulações.
"Fico pensando coisas horríveis. Será que mataram a minha filha e cortaram em pedacinhos? Por que fizeram algum mal a ela? Quem fez isto? São muitas perguntas e nenhuma resposta, nem da Polícia, nem da Justiça, enfim, ninguém até hoje me deu uma satisfação", desabafa Cila.
Motivos
Segundo as autoridades que tratam do assunto desaparecimento no Brasil, os principais motivos que levam as pessoas a sumirem de casa, principalmente, crianças e adolescentes, são os seguintes: tráfico humano, violência caseira, prostituição infantil, tráfico de drogas, tráfico de órgãos, pedofilia, abandono pelos pais ou responsáveis, e, ainda, o trabalho escravo.
Os organismos que tratam do assunto elaboraram manuais com procedimentos que devem ser adotados por pais que tiveram seus filhos desaparecidos. Entre eles, podemos citar: mantenha a calma e aja rapidamente, peça ajuda e comunique o fato imediatamente à Polícia Civil ou pelo telefone 190, percorra os locais onde a pessoa que desapareceu costuma frequentar, faça uma lista com nomes e telefones de parentes e amigos que possam dar informações, mantenha alguém em casa sempre próxima ao telefone, faça cartazes, busque a Imprensa.
Apurar
1.247 desaparecimentos estão sendo investigados, atualmente, no País. A maioria é de casos envolvendo crianças e adolescentes que sumiram da casa dos pais ou responsáveis
EntrevistaDelegado Andrade Júnior*
"A quebra da rotina pode ser o primeiro indício de que alguém desapareceu"
A Divisão Anti-sequestro atua no caso de desaparecidos?
Especificamente, a nossa unidade trabalha nos casos de investigação do crime de extorsão mediante sequestro. Instauramos inquérito, investigamos e fazemos a prisão de sequestradores. Mas, temos nossa Unidade Tático Operacional (UTO), que pode ser mobilizada para dar apoio nas diligências de outras unidades da Polícia Civil em casos de desaparecimento.
Quando a UTO, então, pode ser mobilizada para atuar?
Podemos ser acionados pelo superintendente da Polícia Civil para atuarmos em apoio às demais unidades da instituição. Em casos de emergência, podemos ainda sair em socorro às delegacias do Interior. Isto vai depender do grau da ocorrência ou da determinação superior. Recentemente, estivemos atuando em apoio a uma unidade do Interior em relação a um caso em que uma família foi mantida como refém por assaltantes (na cidade de Lavras da Mangabeira). Nossa equipe trabalhou em sigilo.
Para a Polícia, o que configura um desaparecimento?
Isto vai depender, basicamente, de cada caso. Por exemplo, quando alguém some, quebrando toda uma rotina de horário de volta ao lar após o trabalho, não dá mais notícia à família, some misteriosamente. Então, este pode ser considerado um clássico exemplo de desaparecimento, que não precisa, necessariamente, configurar num caso de sequestro ou rapto.
É verdade que a Polícia só registra um desaparecimento após 72 horas em que a pessoa não é encontrada pela família?
Isso não passa de coisa da cultura popular. Não existe isto de forma legal. O desaparecimento pode ser considerado real quando as informações ou indícios apontam para sua ocorrência. Quando alguém some, quebrando todos os passos de sua rotina, deixa de dar informações, isso já pode ser um desaparecimento e a Polícia pode começar a trabalhar.
*Diretor da Divisão Anti-Sequestro
FERNANDO RIBEIRO
Fonte. Diário do Nordeste
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