Pesquisadora do InCor afirma que vulnerabilidade do adolescente é conhecida e atacada por essa indústria do cigarro
 Campanha "Jovens sem Cigarro", coordenada pela Organização Mundial de Saúde, tenta reduzir  a vulnerabilidade 
    MÁRCIO PINHO
   DA REPORTAGEM LOCAL 
 O jovem mantém a indústria  do tabaco e ela conhece a vulnerabilidade desse público. É o  que afirma a cardiologista Jaqueline Scholz Issa, diretora do  Programa de Tratamento do  Tabagismo do InCor (Instituto  do Coração) de São Paulo. 
Ela trouxe para o Brasil, em  1993, a iniciativa do Dia Mundial Sem Tabaco, comemorado  ontem. Neste ano, o tema da  campanha coordenada pela  OMS (Organização Mundial da  Saúde) é "Jovens sem Cigarro".  O adolescente ainda é uma  das principais vítimas do cigarro, segundo a médica, apesar de  o Brasil ter evoluído no combate ao fumo. Veja trechos da entrevista concedida à Folha.   
FOLHA - Por que o jovem é o foco  da campanha desse ano? 
JAQUELINE SCHOLZ ISSA - Ele mantêm o negócio da indústria. Depois, quando vai envelhecendo,  tende a parar de fumar. Ou porque morre, ou porque adoece,  ou quando após 20 anos de fumo diversas conseqüências começam a aparecer. Então, uma  nova safra de jovens é atingida  para manter o mercado.  
FOLHA - Como ele é fisgado? 
JAQUELINE - As características  da adolescência o deixam vulnerável. A indústria sabe disso.  Não tem mais publicidade direta, mas tem publicidade no  ponto de venda, misturado com  docinho, balinha. O jovem não  pensa no amanhã. Ele acha que  tem total domínio e controle.  Mas de seis meses a dois anos  de uso, ele perde a autonomia.  
FOLHA - Mas tivemos uma redução  no consumo ao longo dos anos? 
JAQUELINE - Na década de 80, o  Censo mostrou que a prevalência entre adultos era de 30%.  Recentemente, por pesquisas  amostrais, sabemos que é de  20% no Brasil. Tínhamos uma  parcela grande da população  condescende com o tabagismo  e que achava até bonito fumar.  
FOLHA - Esse dado também vale  para o jovem? 
JAQUELINE - Os dados são controversos e, no Brasil, variam  muito. No Sul, as meninas fumam mais que os meninos. No  Estados do Nordeste, elas fumam menos. A idade em que o  jovem começa a fumar caiu para 13 anos. Era entre 15 e 16 na  década de 80. Essa geração é  beneficiada por não ter propaganda. Hoje, o jovem que fuma  mais é de nível sociocultural  mais baixo. Se não tivesse sido  feito nada, o consumo entre os  jovens teria disparado.  
FOLHA - E o que o Brasil fez para  conter essa disparada? 
JAQUELINE - O Brasil é um país  que, apesar de ser grande produtor de tabaco, tem resultados  objetivos na política antitabaco. A OMS preconizava três  medidas básicas para reduzir o  consumo no mundo. A primeira era criar ambientes livres de  tabaco. A segunda, a restrição à  propaganda. E a terceira, o aumento de preço. O Brasil restringiu a propaganda e umas cidades criaram o ambiente livre.  
FOLHA - O que precisa melhorar? 
JAQUELINE - Tem que ser criada  uma política de aumento de  preço e aumentar os investimentos em fiscalização a quem  vende cigarro a menores.  
FOLHA - E qual é a reação da indústria diante dessas medidas? 
JAQUELINE - A indústria sabe o que faz em relação à população, e isso está provado em documentos que tiveram que ser abertos à Justiça americana após o escândalo da supernicotina em 1996. O FDA [órgão que regula o setor de saúde nos EUA] afirmou que a nicotina do tabaco era turbinada, com inclusão de amônia e até modificação genética da folha do fumo. Começaram a sair documentos que a indústria produzia em termos de mídia e de marketing. Descobri que eu estava nos arquivos da Philip Morris, em função das minhas pesquisas sobre o cigarro. 
FOLHA - Os documentos revelam  informações sobre o público jovem? 
JAQUELINE - Um documento da  J.R. Reynolds tratou os jovens  como um número. Tem dados  de em que idade a pessoa começa a fumar, se muda de marca  ou não, com que idade começam a parar, quanto que o mercado precisa de reposição. Outro documento mostrou que a  Philip Morris tinha um projeto  fundamentado na imagem que  o cigarro poderia ter para o  adolescente, relacionando o cigarro ao ritual de passagem para uma vida adulta, além de toda uma mídia voltada a isso.  
FOLHA - A mulher também é uma  aposta da indústria? 
JAQUELINE - Sim. Era um mercado a ser ganho. Mostrei em  1996 que as mulheres têm mais  dificuldade para largar o cigarro, mas descobrimos que a indústria já sabia disso desde a  década de 60.  
FOLHA - Como o Dia Mundial Sem  Tabaco foi trazido para o Brasil? 
JAQUELINE - Na época, o Brasil  tinha pessoas que lutavam contra o cigarro que não tinham espaço na mídia. A gente conseguiu, com o nome do InCor e  com muito material passado  pela OMS atingir a mídia. O volume de notícias produzidas  contra o fumo cresceu muito. A  ação da mídia foi fundamental.  
JAQUELINE - Porque em outros países emergentes a questão é outra e está explodindo o tabagismo. Em populações muito maiores como China e Índia, quase 70% da população masculina é fumante.
Fonte:http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0106200826.htm
 
 
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