Infância Urgente

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

CARTA DE SÃO PAULO

CONSIDERANDO a legislação do Sistema Único de Saúde (Capítulo V da Constituição Federal, a Lei 8080 e legislações pertinentes);
CONSIDERANDO a Lei 10.216/01 que define a Reforma Psiquiátrica no Brasil e seus dispositivos legais;
CONSIDERANDO as Conferências de Saúde Mental que apontaram a necessidade de avançar na atenção à Saúde Mental dos indivíduos internados em Hospitais de Custódia;
CONSIDERANDO os Seminários de reorientação de Hospitais de Custódia, assinalando a necessidade de garantia de direitos dos pacientes judiciários, como a atenção à saúde pela rede SUS;
CONSIDERANDO a necessidade de enfrentamento à medicalização, patologização da população, e o embate ao movimento da contra-reforma psiquiátrica;
CONSIDERANDO a realidade das necessidades de assistência à saúde mental da população que está encarcerada e não está em medida de segurança;
CONSIDERANDO as decisões dos Encontros Nacionais dos Hospitais de Custódia que propuseram a adoção do modelo interdisciplinar na assistência e o credenciamento dos Hospitais de Custódia junto ao SUS;

Os participantes do “I Simpósio Internacional sobre Manicômios Judiciários e Saúde Mental”, realizado de 16 a 18 de setembro de 2009 na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, aprovam os seguintes princípios e diretrizes:

1. A Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei nº 10.216/2001), que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais, deve ser difundida e melhor conhecida pelos profissionais da Saúde, pelos profissionais do Direito, profissionais da segurança pública, gestores públicos e pela sociedade civil.
2. Enquanto existirem, devem ser credenciados junto ao SUS todos os hospitais de custódia ou equipamentos similares, além de aumento de recursos financeiros, humanos para a desinstitucionalização das pessoas que estão em Hospitais de custódia.
3. É fundamental que se reconheça a pessoa com sofrimento psíquico intenso em conflito com a lei como sujeito de direitos.
4. É fundamental que se garanta a formação continuada de profissionais da Saúde, do Direito, da Segurança Pública e dos gestores públicos sobre as questões relativas à Reforma Psiquiátrica.
5. As políticas de saúde mental devem ser objeto de permanente articulação pelas diversas entidades envolvidas com o tema, mediante a formação de redes.
6. Os vínculos da rede de saúde mental com o Poder Judiciário, Defensoria Pública e o Ministério Público devem ser formalizados e fortalecidos como forma de efetivar a Lei nº 10.216/2001.
7. A participação da sociedade civil deve ser considerada fundamental nos processos de articulação, debate, proposição e monitoramento das políticas de atenção à saúde mental às pessoas submetidas à medida de segurança.
8. A atenção em saúde mental deve se pautar pelos dispositivos da lei 10.216/01, adotando-se posicionamento ético-político no sentido de buscar sua efetivação no que tange à aplicação de medida de segurança, assegurando-se e viabilizando-se a desconstrução da instituição manicomial.
9. Os indivíduos já sentenciados à medida de segurança e que estejam em liberdade ou presos, não devem ser encaminhados para internação em Hospital de Custódia. Devem ser encaminhados ou inseridos em tratamento adequado disponível na rede de saúde mental (rede SUS), respeitados os dispositivos legais que determinam que a internação só se dará quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem totalmente insuficientes. Para todos os casos deverá ser respeitado parecer de equipe interdisciplinar responsável.
10. Os indivíduos já sentenciados à medida de segurança que estejam em tratamento nos equipamentos estaduais ou municipais de saúde deverão lá permanecer, respeitado o entendimento da equipe responsável.
11. É fundamental a constituição de equipe ou instâncias articuladoras entre os sistemas de justiça, segurança pública e saúde, de caráter interdisciplinar que atue desde o inquérito policial e, posteriormente, mediante ação articulada com os juízos de conhecimento e de execução.
12. A preservação dos laços sociais dos indivíduos em medida de segurança deve ser garantida pelas instituições que atuam junto a essa população.
13. As pessoas internadas em Hospitais de Custódia devem ser gradativamente encaminhadas para tratamento na rede de saúde mental, a partir de ações intersetoriais (Secretaria de Saúde, Secretaria de Assistência Social, Secretaria de Justiça, entre outros).
14. Toda pessoa submetida à medida de segurança deve ser encaminhada para tratamento na rede de saúde pública.
15. Deve-se provocar ação conjunta do Ministério da Saúde e Ministério da Justiça para elaboração de uma política específica de atendimento à população atualmente recolhida em manicômios judiciários, visando à garantia do pleno atendimento à sua saúde, nos mesmos termos e pelos mesmos dispositivos estatais que atendem a saúde mental dos demais cidadãos até que haja a completa desativação dessas unidades. Que seja realizado urgentemente um Seminário Nacional com todos os atores envolvidos para discutir e deliberar sobre a matéria; que seja, posteriormente, realizada audiência pública no Congresso Nacional.
16. A internação compulsória só pode ser determinada por juiz de conhecimento ou de execução penal, nos termos da Lei 10.216/01, que não autoriza internação quer involuntária, quer compulsória, por determinação do juiz cível.
17. Criação de um Fórum Permanente sobre as medidas de segurança e saúde mental no sistema penitenciário.




MOÇÃO DE REPÚDIO
Não existe a possibilidade jurídica, na legislação brasileira, da internação psiquiátrica compulsória de crianças ou adolescentes, sendo a elas garantido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente o acesso ao pleno atendimento em saúde mental.
Não se admite a internação compulsória na legislação cível.
Os participantes do I Simpósio Internacional sobre Manicômios Judiciários e Saúde Mental manifestam repúdio à existência da Unidade Experimental de Saúde (UES/SP), destinada a jovens autores de atos infracionais, por representar violação a todo o ordenamento jurídico relacionado à saúde mental, à Constituição Federal e ao Estatuto da Criança e Adolescente.



São Paulo, 18 de setembro de 2009.

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