Infância Urgente

sábado, 19 de setembro de 2009

Dor de mães vira documentário

Longa-metragem mostra o drama de quem perdeu os filhos para a violência policial em chacinas ocorridas em Acari, Baixada e na saída de casa de show na Dutra. Parte das imagens foi registrada pelas próprias mulheres

POR FRANCISCO EDSON ALVES, RIO DE JANEIRO

Rio - O drama de famílias cariocas começa a ser exibido, este mês, em salas de cinema da Europa e de países da América Latina. Lançado com sucesso em Portugal, o documentário ‘Luto como mãe’, que retrata o sofrimento e a luta por Justiça de mães cariocas que tiveram filhos mortos por policiais, estreia no Brasil no fim de setembro, no Festival do Rio, com uma inovação: 30% das imagens foram captadas pelas próprias mulheres, que registraram como quiseram os relatos das famílias.

O longa-metragem, produzido pela TV Zero, Jabuti Filmes e Cinema Nosso, com apoio da Fundação Ford, é resultado de uma pesquisa do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, em parceria com o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes. Os 70 minutos são resultado de 120 horas de gravações dos bastidores da violência.

O documentário tem como foco as consequências de três chacinas promovidas por grupos de extermínio formados por policias militares: a de Acari, em 1990, quando 11 jovens desapareceram; a da Via Show, em 2003, com a execução de quatro rapazes; e a da Baixada Fluminense, considerada a maior da história do Rio, em 31 de março de 2005, com a morte de 29 pessoas.

“Pelo menos 30% das filmagens foram feitas pelas próprias mães, que passaram por capacitação para lidar com câmeras digitais”, diz o diretor, Luis Carlos Nascimento. O objetivo, explica, não é denegrir a imagem da PM, mas mostrar à sociedade como fica a vida de famílias atingidas por tragédias desse tipo. “Estamos buscando agora apoio de alguma distribuidora para as salas de cinema do Brasil”, comenta.

Há cenas de passeatas, o acompanhamento de famílias nas buscas por cadáveres em rios e descampados, e até enterros de algumas mães, que partiram sem ter conseguido ver os algozes de seus filhos punidos.
“Alguns PMs continuam trabalhando. Estamos pagando os salários dos assassinos dos nossos filhos”, desabafa Elizabeth Medina Paulino, 46 anos, uma das personagens, mãe de Rafael, 18, e Renan, 13, dois dos quatro jovens espancados e mortos por PMs de três batalhões que faziam ‘segurança’ na saída de um baile na Via Show, em São João de Meriti, no dia 6 de dezembro de 2003.

Eles comemoravam o fim do ano letivo e tinha sido a primeira vez que Renan fora a uma casa noturna. “Olho as fotos todos os dias e penso: Não posso me calar em nome da honra deles”, justifica. Sem cobrar cachês ou direitos autorais, Chico Buarque e Zizi Possi emprestam suas vozes para a música ‘Pedaço de mim’, que encerra o longa.

Inércia e falta de atenção

O que mais impressionou a pesquisadora portugueesa Tatiana Moura, uma das produtoras do documentário, durante o período em acompanhou o drama das mães no rio, foi a “inércia e a falta de atenção total do estado”. “O estado é omisso e só se faz presente com mais violência”, afirma.

Uma da autoras do livro ‘Auto de Resistência:Relatos de Vítimas da Violência Armada’, Tatiana acredita que a morosidada da Justiça e a ineficiência das investigações contra policiais também contribuem para a impunidade. “O crime da chacina de Acari, por exemplo, prescreve ano que vem. Até hoje as famílias não encontraram os corpos e não têm sequer certidão de óbito e nem indenizações”, diz.

AS TRAGÉDIAS
Via Show – Quatro jovens foram assassinados. Dos nove PMs acusados, quatro foram condenados, mas dois deles estão em liberdade por força de liminar. O capitão Ronald Alves Pereira, do 22º BPM (Maré) será julgado no dia 20 de agosto.

Acari – Em 26 de julho de 1990, 11 pessoas, entre elas sete menores e três mulheres, moradoras da Favela de Acari, foram sequestradas por PMs num sítio em Magé. Entre as vítimas estariam três assaltantes. Até hoje os corpos não foram encontrados. As mães dos desaparecidos ficaram conhecidas como as Mães de Acari.

Baixada Fluminense – Em 31 de março de 2005, 29 moradores de Nova Iguaçu e Queimados, entre elas crianças, foram executadas em diversos pontos dos dois municípios por um grupo de PMs em retaliação à linha-dura implementada pelo então comando do 15º BPM (Duque de Caxias).

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