Infância Urgente

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Delegacias têm espera de no mínimo três horas

Levantamento foi feito pelo JT em todas delegacias da capital. Em 71%, ninguém é atendido antes de 3 horas na fila. Em metade, não há conforto e o sistema sempre cai

Marici Capitelli e Felipe Oda

O tempo de espera para se registrar um boletim de ocorrência é de no mínimo três horas em 71% das delegacias da capital, segundo levantamento realizado pela reportagem do Jornal da Tarde. Em alguns casos, a demora pode ultrapassar oito horas. Um BO deveria ser feito em 40 minutos, apontam estudos. Além da perda de tempo, as pessoas que necessitam dos serviços dos distritos policiais sofrem com o mau atendimento de escrivães, investigadores e até dos delegados.

Por dez dias o JT visitou, sem se identificar, os 93 DPs da cidade, pedindo para registrar uma ocorrência fictícia: a morte de um cachorro que teria sido envenenado pelo vizinho (veja quadro ao lado). Em nenhum dos distritos a reportagem concluiu o registro, o que poderia caracterizar falsa comunicação de crime. O Departamento de Polícia Judiciária da Capital (Decap) admite a má qualidade no atendimento das delegacias. O órgão promete implantar uma nova forma de trabalho nos distritos a partir do dia 13 de outubro (leia mais na pág. 4).

A longa espera para registrar a ocorrência acontece, na maioria das vezes, em ambientes desconfortáveis. Em metade das delegacias não há conforto. Também não há privacidade e os banheiros são sujos e os móveis, quebrados.

Mas nada se comparou ao despreparo dos funcionários. Eles criaram todos os tipos de obstáculos para registrar as ocorrências e desestimularam a notificação, o que compromete as estatísticas criminais. Uma das estratégias usadas foi despachar a reportagem para os distritos vizinhos. Alegaram que a vítima não estava na unidade certa ou que as delegacias próximas eram mais vazias. Houve funcionários que exigiram nomes de suspeitos e até laudos.

A reportagem também encontrou casos de tratamento inadequado por parte dos funcionários. No 101º DP (Jardim das Imbuias), uma mulher perguntou ao escrivão se o local tinha bebedouro. “Tem sim, atravessa a rua e vai comprar água na padaria”, disse ele, que acabara de voltar do almoço de uma hora e meia. Nesse período, o DP ficou sem atendente.

Em todas as delegacias, o motivo apontado pelos funcionários para a demora no atendimento foi um “flagrante da Polícia Militar”. Às 14h30, no 15º DP (Itaim-Bibi), um funcionário despachava todos que buscavam atendimento. “Estamos com dois flagrantes e um ato infracional. Volte depois das 21h ou amanhã”, dizia. No 102º DP (Socorro), a resposta era a mesma às 17h. “Nem terminamos o flagrante da PM. ”

Outro problema encontrado foi a interrupção de atendimento entre as 13 horas e as 15 horas para o almoço do escrivão. “Há cinco ocorrências na sua frente e o escrivão ainda vai parar para almoçar. Por isso não tem previsão para te atender”, informou uma funcionária do 90º DP (Parque Novo Mundo). Na maioria dos casos, a partir das 18 horas, mesmo se a delegacia estiver vazia, é difícil conseguir fazer o BO antes das 20 horas, quando há troca de plantão. A rede fora do ar também dificulta o atendimento. Em um único dia, seis delegacias do extremo da zona sul estavam sem sistema.

Além disso, os funcionários desencorajam as pessoas a registrar a ocorrência. “Não temos tempo nem de investigar homicídio, você acha que vamos atrás de assassinato de cachorro?”, disse o escrivão do 29º DP (Vila Diva). No 3º DP (Campos Elísios), o funcionário afirmou que ninguém registraria “essa m... de ocorrência”.

ZONA LESTE

Das 30 delegacias da zona leste, a reportagem não conseguiria registrar a ocorrência em 22. Na maior parte dos casos, os funcionários alegaram que flagrantes estavam sendo feitos. Houve ainda atendentes que mandaram a reportagem voltar no dia seguinte ou exigiram um laudo, um procedimento inadequado.

No 41º DP (Vila Rica), durante 25 minutos não apareceu um único funcionário no balcão de informações. Duas pessoas esperavam para ser atendidas. Uma moça cuja casa tinha sido roubada estava havia sete horas na delegacia e um rapaz com a moto furtada esperava havia seis horas. Uma das delegacias mais lotadas da região era o 50ºDP (Itaim Paulista). Mesmo com a lotação, a delegacia ficou sem atendimento por quase duas horas, já que o escrivão tinha saído para almoçar e não houve substituição. No 31º DP (Carrão), às 18h30, a funcionária disse que estava “ocupada”. “Volte depois da troca de plantão ou amanhã.”

ZONA SUL

“Só registramos ocorrência de gente, não de cachorros. Procure a zoonoses”, informou de cara amarrada um funcionário do 100º DP (Jardim Herculano).

No 101º DP (Jardim das Imbuias), o escrivão ironizou a ocorrência. “Envenenaram seu cachorrinho, é? Só que na delegacia não se registra morte de cachorro.” Questionado se o fato não configurava crueldade ou maus-tratos, disse: “Não registro e pronto”. No 25º DP (Parelheiros), dois funcionários tomavam sol em um banco na porta do distrito, mesmo local onde fizeram o atendimento. Não registraram e sugeriram: “Por que não faz uma investigação por conta própria?”.

A delegacia do Itaim-Bibi (15º DP) estava vazia. Mesmo assim, às 15 horas, o escrivão dispensava todos que chegavam. “Estamos com dois flagrantes e um ato infracional que só vão acabar de ser registrados às 20h. É melhor voltar amanhã.” No 16º DP (Vila Clementino), a espera foi de 30 minutos só para falar com o atendente do balcão.

ZONA NORTE

“Qual a sua ocorrência? E a sua minha senhora?”, gritava um funcionário do 33º DP (Pirituba), sem qualquer discrição e no meio da delegacia para todos da fila ouvir. No 46º DP (Perus), o atendente repetia: “Sem suspeito, sem chance de registrar o BO”.

A prática de desestimular o registro também foi utilizada pelos funcionários do 40º DP (Vila Santa Maria) e do 87º DP (Vila Pereira Barreto). “Sem um acusado ou suspeito, esse boletim não terá muito sentido”, disse um policial do distrito da Vila Santa Maria.

Durante a visita da reportagem, uma funcionária do 74º DP (Parada de Taipas) tentou desanimar as pessoas com a previsão de espera. Falava às 16h: “Volta depois das 20h ou amanhã. Olha quanta gente na fila”.

Já no 9º DP (Carandiru), a estrutura da delegacia e o bom atendimento da equipe se destacam na região. No 45º DP (Brasilândia), apesar da sala de espera pouco confortável, o atendimento foi excelente.

CENTRO

Dos dez distritos centrais, em seis o boletim seria feito. Porém, em dois em que a ocorrência não seria registrada, além de sair sem o documento, a reportagem foi maltratada. “Pode ir em qualquer DP que o delegado vai mandá-lo à m...”, disse um funcionário do 3ºDP (Campos Elísios).

Já no 77º DP (Santa Cecília), o atendente se revoltou ao saber que a “vítima” do crime era um animal. “Tá pensando o quê? Aqui não registra. Isso é coisa de zoonoses (departamento da Prefeitura). Tem todo um processo até uma ocorrência dessas chegar ao DP.”

O atendimento foi muito diferente no 1º DP (Liberdade), 4º DP (Consolação) e 6º DP (Cambuci), onde a reportagem foi bem atendida e os funcionários explicaram como e o que poderia ser registrado.

ZONA OESTE

A região concentra os melhores distritos da capital: o 7º DP (Lapa), o 14º DP (Pinheiros) e o 23º DP (Perdizes). Todos têm senha de atendimento, salas de espera confortáveis, banheiros limpos, telefones públicos funcionando, televisor e atendentes educados e atenciosos.

Porém, a situação não é a mesma nas outras cinco delegacias da zona oeste. No 93º DP (Jaguaré), inicialmente um funcionário afirmou que a espera era de “até duas horas”. No entanto, depois de ouvir do que se tratava a ocorrência, aconselhou a reportagem a registrar o boletim em outra unidade.

Mesma situação ocorreu no 75º DP (Jardim Arpoador). “Volta outra dia que hoje tá ...”, disse o atendente. Já no 51º DP (Butantã), os sanitários ficam em uma área restritas para as “autoridades”.

Fonte: JT

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