Crianças e adolescentes têm o direito absoluto de viver em um meio ambiente decente com tudo que isso implica: freqüentar a escola, gozar de boa saúde e viver e crescer em segurança. Essa não é simplesmente uma assertiva moral. Isso está codificado na Convenção sobre os Direitos da Criança – o documento das Nações Unidas mais ratificado em todo o mundo. Assim, existe uma responsabilidade mundial conjunta em assegurar que as futuras gerações sejam capazes de usufruir desses direitos.
Abaixo, os principais artigos da Convenção relacionados a mudanças climáticas (obviamente todos os 52 artigos do documento estão interconectados):
Sobrevivência e saúde infantil
Artigo 6
Crianças têm o direito à vida. Os governos devem assegurar que elas sobrevivam e se desenvolvam saudavelmente
Artigo 24
Crianças têm o direito a uma atenção de qualidade à saúde – o melhor serviço possível –, à água potável, à nutrição, a um ambiente limpo e seguro, e a informações que auxiliem na manutenção de uma vida saudável. Países ricos devem ajudar as nações mais pobres a alcançar tal qualidade.
Educação e eqüidade
Artigo 28
Todas as crianças têm o direito à educação primária, que deve ser gratuita. Países desenvolvidos devem ajudar aqueles em desenvolvimento a atender esse direito.
Emergência e proteção à criança
Artigo 22
Crianças têm o direito a ajuda e proteção especial se forem refugiadas (forçadas a abandonar suas casas e viver em outros países).
Artigo 38
Governos devem fazer tudo o que podem para proteger e cuidar de crianças afetadas por guerras.
Empoderamento
Artigo 12
Quando adultos tomarem decisões que afetem as crianças, elas devem ter o direito de dizer o que pensam que deveria acontecer e ter suas opiniões levadas em consideração.
* A linguagem usada nesse box, produzido pelo Unicef, simplifica o texto original da Convenção.
[Fonte: Our climate, our children, our responsability (Nosso clima, nossas crianças, nossas responsabilidade), Unicef, 2008]
PRIORIDADE ABSOLUTA
Um mundo adequado para as crianças é "aquele onde todas adquirem a melhor base possível para sua vida futura, têm acesso ao ensino básico de qualidade, incluída a educação primária obrigatória e gratuita para todos. É aquele onde todas as crianças e adolescentes desfrutam de várias oportunidades para desenvolver sua capacidade individual em um meio seguro e propício", diz o Relatório da Sessão Especial da Assembléia Geral das Nações Unidas sobre a Criança (2002).
O risco-criança e a sobrevivência da espécie
Em que medida as mudanças climáticas tornam lenta, ou até impossível, a garantia de oportunidades de desenvolvimento e do atendimento aos direitos básicos de crianças e adolescentes? Quais os papéis da publicidade, da educação formal e do protagonismo juvenil na busca da sustentabilidade da vida? As crianças e adolescentes são a parcela da população mais vulnerável aos impactos das mudanças climáticas, especialmente aquelas que vivem em países de baixa renda e em desenvolvimento.
O clima na imprensa
Apenas 2,3% dos textos publicados, entre 2005 2007, pelos 50 maiores jornais brasileiros, salientam que as mudanças climáticas já afetam e/ou afetarão de maneira ainda mais contundente as populações que residem em países pobres.
Fonte: Pesquisa Mudanças Climáticas na Imprensa Brasileira. ANDI e Embaixada Britânica.
Segundo o estudo Climate Change and Urban Children: Implications for adaptation in low and middle income countries (PDF 726 KB - Baixar Arquivo) (Mudanças Climáticas e Crianças em áreas Urbanas: Implicações para a adaptação em países de baixa e média renda), publicado em 2008 pela organização não-governamental britânica International Institute for Environmental and Development (IIED), tempestades, degradação da terra, queimadas, diminuição da quantidade e da qualidade da água, migração e desalojamento, o aumento no preço dos alimentos, entre outros – apesar de terem naturezas distintas –, apresentam alguns resultados semelhantes: mais desnutrição, mais doenças, mais mortes, mais risco de abuso e exploração.
Como é possível observar no quadro abaixo, o documento apresenta de forma suscinta e didática a implicação de cada uma das alterações resultantes das mudanças climáticas para a vida das crianças nas regiões mais pobres do planeta.
Além de efeitos na saúde e na mortalidade, as mudanças climáticas também implicam no aumento do número de crianças fora da escola e no incremento da desigualdade social, em uma dinâmica que gera conseqüências socioeconômicas com implicações a longo prazo para o desenvolvimento tanto das crianças quanto de seus países (clique aqui para ver figura). Em última instância, o "risco-criança" é uma ameaça à sobrevivência da própria espécie.
Implicações das mudanças climáticas para a infância.
Mudanças Impactos nos sistemas naturais, agricultura e água Impacto nas áreas urbanas Impactos na saúde e enfrentamentos familiares Implicações para as crianças
Aumento de períodos quentes e ondas de calor mais freqüentes na maior parte das regiões - Redução das culturas agrícolas nas regiões mais quentes
- Aumento do risco de incêndios
- Aumento das doenças transmitidas por vetores - Ilhas de calor com altas temperaturas (até 10° acima)
- Altas concentrações de pessoas vulneráveis
- Aumento da poluição atmosférica - Aumento da mortalidade relacionada ao calor e morbidade
- Mais doenças transmitidas por vetores
- Impactos para aqueles que fazem trabalhos que exigem esforço físico
- Aumento das doenças respiratórias nas localidades onde a poluição do ar é pior
- Falta de alimentos - Maior vulnerabilidade ao estresse térmico para as crianças mais jovens
- Maior vulnerabilidade às doenças respiratórias
- Doenças transmitidas por vetores
- Maior vulnerabilidade à desnutrição com implicações de longo prazo
Aumento da freqüência de precipitações pesadas na maior parte das regiões
Intensificação dos ciclones tropicais - Danificação das culturas agrícolas
- Erosão do solo
- Inundações
- Risco de má qualidade da água e de interrupção do abastecimento
- Danificação das culturas, árvores e recifes de corais
- Problemas com o fornecimento de água - Maiores riscos de inundações e deslizamentos de terras
- Ruptura da subsistência e das economias das cidades
- Perigo para os lares, bens, negócios e para o transporte e infra-estrutura
- Perda de rendimentos e bens
- Grandes deslocamentos populacionais com riscos para as redes e atividades sociais - Lesões e mortes
- Aumento do preço da água e dos alimentos e das doenças relacionadas à contaminação da água
- Falta de alimentos
- Maior incidência de casos de malária, devido às águas paradas
- Menor mobilidade, com implicações para a subsistência;
- Deslocamentos e risco de doenças mentais associadas, especialmente, aos deslocamentos - Maior risco de morte e lesões quando adultos
- Maior vulnerabilidade a doenças transmitidas pela água e à malária
- Risco de desnutrição aguda
- Menos opções para a interação social
- Perdas de renda familiar, possibilitando que crianças deixem de estudar para trabalhar
- Maior risco de negligência, abuso e maus-tratos associados ao estresse familiar e/ ou a deslocamentos
- Riscos em longo prazo para o desenvolvimento e perspectivas futuras
Aumento de áreas afetadas pela seca - Degradação da terra
- Diminuição das áreas cultiváveis
- Perda na pecuária
- Risco de incêndios e escassez hídrica - Escassez de água
- Pobreza
- Migração para centros urbanos
- Problemas à geração hidroelétrica
- Menor demanda rural para bens e serviços
- Aumento do preço dos alimentos - Escassez de comida e água
- Desnutrição
- Contaminação da comida e da água
- Aumento do risco dos problemas mentais
- Problemas respiratórios provenientes de incêndios florestais - Alto risco à saúde das crianças pequenas devido ao inadequado suprimento de água
- Maior risco de desnutrição, com implicações de longo prazo ao desenvolvimento global
- Risco de entrada precoce ao trabalho e de exploração
Aumento da incidência de elevação do nível do mar - Salinização da água e fontes - Perda da propriedade e de empresas
- Dificuldades e mesmo impedimentos para o turismo
- As construções serão ameaçadas pelo aumento do nível do mar - Inundações costeiras, aumentando o risco de mortes e lesões
- Perda de meios de subsistência
- Problemas de saúde devido à salinidade da água. - Altas taxas de mortalidade infantil
- Alto risco à saúde devido à salinização do suprimento de água, com implicações em longo prazo para o desenvolvimento
Presente indica ameaças do futuro – Alguns impactos das mudanças climáticas na infância já podem ser observados no presente e tendem a agravar-se no futuro. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), atualmente quatro milhões de crianças com menos de cinco anos de idade morrem todos os anos por desequilíbrios ou acidentes ambientais. As causas são as mais diversas, como a poluição do ar e da água, exposição a substâncias químicas, furacões e enchentes, que acarretam envenenamentos, diarréia, cólera e malária, infecções respiratórias e outras doenças, que atingem especificamente as regiões menos desenvolvidas do globo.
O clima na imprensa
A infância ainda não merece atenção do jornalismo quando o que está em discussão são as mudanças climáticas. Somente 1,8% dos textos publicados em 50 jornais, entre 2005 e 2007, menciona, ainda que tangencialmente, as conseqüências para crianças e adolescentes.
Fonte: Pesquisa Mudanças Climáticas na Imprensa Brasileira. ANDI e Embaixada Britânica.
Alguns estudos mostram, por exemplo, que as alterações no ambiente provocadas pelo aquecimento global contribuem para a expansão de doenças transmitidas por vetores – como a malária, que mata atualmente 800 mil crianças por ano, segundo o relatório Nosso clima, nossas crianças, nossa responsabilidade (Our climate, our children, our responsability, Unicef, 2008).
Mesmo em países desenvolvidos, os impactos das mudanças no clima podem ser sentidos. A previsão é de que, em um cenário de aumento de 2 a 3 graus na temperatura do planeta nos próximos 50 anos – como desenhado pelo IPCC, a transmissão desse e de outros tipos de enfermidade aumente em todo o planeta.
A subnutrição, por sua vez, será intensificada pelas mudanças no ambiente (desertificações, inundações e secas). O Relatório de Desenvolvimento Humano 2007/2008 (PDF 8.730 KB - Baixar Arquivo) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) calculou o impacto devastador da seca nos índices de oportunidade de vida. Para se ter uma idéia, no Quênia, nascer em ano de seca aumenta a probabilidade de subnutrição das crianças em 50%.
Os efeitos imediados dos desastres naturais, como desalojamento e migrações, também já afetam as crianças no presente. Estima-se que esses fenômenos atinjam 250 milhões de pessoas por ano, uma média que apenas deve crescer. As Nações Unidas prevêem que, em 2010, haverá cerca de 50 milhões de "desabrigados ambientais", formados em sua maioria por mulheres e crianças. Segundo relatório publicado em 2007 pela ONG Save the Children UK, intitulado ¿Un futuro de catastrofes? El impacto del cambio climático en la infancia (Um futuro de catástrofes? O impacto da mudança climática na infância) (PDF 2.423 KB - Baixar Arquivo), das aproximadamente 350 milhões de pessoas que serão afetadas por desastres naturais anualmente durante a próxima década, 175 milhões serão crianças.
Segundo Ricardo de Paiva e Souza, Coordenador de Programas da Save the Children Suécia no Brasil, meninos e meninas são os mais vulneráveis por serem indefesos, e não sofrem apenas durante as catástrofes: "Observamos que o incremento de violência física e sexual nas situações de pós-emergência é enorme", afirma.
Efeitos a longo prazo – Os custos econômicos gerados pelos fenômenos naturais aumentaram dramaticamente no passado recente, segundo o já mencionado relatório do Unicef. "Os gastos financeiros com eventos relacionados ao clima representam uma boa parte do PIB - Produto Interno Bruto dos países em desenvolvimento", afirma a publicação. "As perdas em PIB decorrentes de um cenário otimista e decorrentes somente de mudanças climáticaspodem gerar entre 40 e 160 mil mortes de crianças por ano no sul da Ásia e na África Subsaariana", afirma o estudo. Em um cenário pessimista, o número aumentaria entre 60 e 250 mil por volta do ano 2100.
As conseqüências dos impactos das mudanças climáticas na economia vão além da morte de crianças ocasionadas pelos desastres. A publicação do Unicef afirma que os danos econômicos oriundos das mudanças climáticas obrigarão os pais a retirarem seus filhos das escolas para economizarem em água e gasolina, por exemplo.
O clima na imprensa
Dos textos que relacionam a agenda da infância e adolescência à discussão sobre mudanças climáticas publicados, entre 2005 e 2007, em 50 jornais brasileiros, apenas 16,7% se ocupam em sublinhar os impactos das alterações no clima para crianças e adolescentes.
Fonte: Pesquisa Mudanças Climáticas na Imprensa Brasileira. ANDI e Embaixada Britânica.
De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano 2007/2008 do PNUD, quando as crianças são retiradas das escolas para ajudar os pais ou sofrem de má nutrição devido à escassa disponibilidade de alimentos e têm falhas no seu rendimento, as conseqüências podem permanecer para o resto das suas vidas.
"Os retrocessos na nutrição, saúde e educação são intrinsecamente negativos, uma vez que reduzem as prospecções para o progresso da economia e do emprego (...). Os impactos climáticos isolados podem, por conseguinte, criar ciclos cumulativos de desvantagem, que são transmitidos geração após geração".
Para o diretor do Unicef na Inglaterra, David Bull, é evidente que um erro nas tentativas de resolver os problemas climáticos se converte em um erro no que se refere à proteção da infância. Segundo o estudo do IEED, "se as discussões sobre os impactos das mudanças climáticas falharem em levar em conta as vulnerabilidades (e as capacidades) particulares de crianças de diferentes idades, as medidas de prevenção e adaptação podem se demonstrar inadequadas de diversas maneiras, e podem até mesmo resultar em prejuízos adicionais para a saúde e a mente de meninos e meninas".
EFEITO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS PARA A INFÂNCIA
[X]
http://www.mudancasclimaticas.andi.org.br/node/198
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