Acidade de Itaobim, em Minas Gerais, já foi conhecida como o paraíso dos caminhoneiros à procura de sexo pago. Dezenas de meninas ficavam à beira da BR-116 à disposição dos motoristas de passagem. Com o tempo, a situação se tornou constrangedora até para os moradores da cidade. Há uma década, entretanto, religiosos católicos iniciaram uma bem-sucedida intervenção nessa realidade.
No bairro mais pobre e violento do município, abriram um espaço de educação e lazer — a Casa da Juventude. Lá, a regra são as portas abertas. “Aqui, entra quem quer, à hora que quer”,explica Maria Aparecida Queiroz,conhecida como Lia. “Apostamos
na educação com liberdade. É mais difícil, mas é a maneira que encontramos para
reunir as pessoas e conciliar as diferenças”, completa ela, que faz parte da comunidade Papa João XXIII.
A Casa da Juventude funciona em um galpão que já foi fábrica de laticínios. Atende a 500 famílias. As crianças recebem reforço escolar e freqüentam oficinas de música e aulas de esporte. Os mais velhos vão para cursos de informática, teatro, artesanato e
atividades profissionalizantes. “Eles experimentam e escolhem o que preferem”, comenta Lia.
As mães também são incentivadas a participar do cotidiano da Casa. Aprendem habilidades que possam reforçar o orçamento doméstico e ajudam a cuidar das crianças mais novas e a manter o espaço organizado. “A Casa é de todo mundo. Então, todos têm
responsabilidade aqui dentro”, afirma Flávio de Oliveira, de 28 anos, que entrou no projeto aos 17 anos e é um dos líderes.
A relação entre o projeto e o combate à violência sexual é a promoção da auto-estima das crianças, adolescentes e de suas famílias. Ao oferecer oportunidades de geração de renda, a Casa contribui para diminuir a vulnerabilidade dos participantes.
Protagonista da Casa da Juventude, Daniele da Silva, de 15 anos, participa de um grupo de jovens que discute o abuso e a exploração sexual. Junto com os
companheiros, já elaborou cartilha e peça de teatro sobre o tema. “A mensagem é que a vítima deve dizer não. Ela tem caminhos para fazer isso”, comenta Daniele, que
nunca vendeu o corpo, mas conhece meninas que já o fizeram. “Elas vão para a pista porque querem dinheiro. A gente tenta mostrar que o corpo e a vontade dela são coisas que não devem ser vendidas”.
A receita da ONG de Itaobim é aprovada por especialistas. “Não é tanto a condição de pobreza, mas sim a auto-estima e a proteção familiar que fazem a diferença entre as meninas que são exploradas e as que não são”, acredita a socióloga América Ungaretti.
No interior da Paraíba, escola,conselho tutelar e Ministério Público se aliaram para encabeçar um projeto que combate a violência sexual por meio da arte e da informação. Os alunos da Escola Estadual Olho d'Água, no pequeno município de Capim,
participam de uma peça de teatro que discute a exploração sexual.A história de uma menina que faz programas e sai com turistas estrangeiros é parte do projeto
Menina Abusada. A iniciativa é voltada para a prevenção de uma realidade comum na região.
O texto, criado pelo Ministério Público da Paraíba, já foi encenado pelos jovens de Capim em vários municípios da região. História de Geni O grupo de teatro tem 15 estudantes, de 14 a 21 anos. Eles criaram o figurino colorido e todo o cenário da peça. Por onde passam, os jovens atores atraem crianças, adolescentes e adultos,
que assistem atentos à história de Geni. Assim como na música de Chico Buarque, a personagem é apedrejada pelos vizinhos. As agressões começam quando os conhecidos descobrem que a menina é explorada sexualmente.
Com uma coroa de margaridas sobre os longos cabelos escuros,Lígia Lopes dos Santos, 14 anos, se transforma em Geni. Mesmo sem nunca ter feito curso de teatro, a menina interpreta o drama da personagem com muita emoção e realismo. “Conheço muitas garotas que sofreram o mesmo problema mostrado na peça. Quando tive essa oportunidade
de ajudar a acabar com a violência, resolvi me dedicar de verdade”, explica Lígia, com um enorme sorriso no rosto. A pedido do Correio, o grupo da Escola de Olho d'Água apresentou a peça Menina Abusada em 29 de setembro. A comunidade do distrito se aglomerou em volta do colégio para assistir a mais uma apresentação. Sem dinheiro
e sem estudar, a personagem começa a fazer programas,influenciada por garotas que já
estavam na exploração sexual. No final da peça, Geni deixa de ser explorada e volta para a escola. Em meio às músicas de axé e funk, os atores apresentam, ao final,
um jingle criado pela própria equipe sobre a importância de denunciar casos de abuso e exploração sexual pelo telefone disque 100. “Ninguém conhecia o telefone para fazer denúncias. Com a peça, a gente conseguiu divulgar o serviço e mobilizar toda
a comunidade em torno desse tema”, explica a conselheira tutelar de Capim Marinez Trajano. No interior da Paraíba e de Minas Gerais, há esperança contra a realidade da exploração.
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