Lares miseráveis
Em uma casa de taipa, com esgoto a céu aberto correndo pela porta, uma menina de 13 anos observa a barriga e os seios que começam a crescer. Ela está grávida,mas não sabe há quanto tempo.Aparenta ter cerca de quatro meses de gestação, mas nunca foi
ao médico e não tem a menor idéia de como vai cuidar da criança. Sara foi vítima de exploração sexual e hoje não vislumbra nenhuma perspectiva de futuro.Está longe da escola desde o início do ano, espera um filho e ninguém de sua família está empregado.
O Bolsa Família, única fonte de renda da casa, foi cancelado quando a adolescente
abandonou os estudos. A casa de Sara, no subúrbio de Mamanguape, interior da Paraíba,
é um retrato de sua família. O local miserável tem paredes em ruínas. O teto quebrado
e repleto de teias de aranha não protege os moradores. É uma tira de lona que segura parte da água em dias de chuva. Comida,a família só tem quando ganha doações. “Não sei como a gente sobrevive. Passei a minha vida trabalhando em canavial e agora
estou desempregada, passando fome”, reclama a mãe de Sara,uma mulher de 43 anos que
aparenta ser duas décadas mais velha. Diante de tanta miséria, a garota foi em busca de dinheiro nas ruas. Fazia programas em boates e postos de gasolina lotados
de caminhoneiros.
O sistema pensado para proteger as vítimas não dá conta de oferecer ações integradas, preservar as famílias e afastá-las da exploração sexual. “O abuso acontece em todas as classes sociais. Mas a exploração está intimamente
ligada à vulnerabilidade social das famílias”, explica a socióloga Graça Gadelha, consultora do Partners of the Americas (Companheiros das Américas).Onde há miséria, existe exploração sexual. Mas não são todas as pessoas pobres que se entregam a essa realidade. Para os especialistas, a diferença está na valorização familiar e na solidez dos laços comunitários. “A auto-estima das famílias, a criação de oportunidades de renda, a educação das meninas e meninos são capazes de evitar que
eles se entreguem à exploração”, afirma a socióloga América Ungaretti, consultora da
ABMP. “Mas, para desenvolver um ambiente assim, são necessárias políticas públicas e
ações comunitárias”, completa.
Irmãs na pista
No município de Padre Paraíso,em Minas Gerais, seis irmãs repetem a sina da paraibana Sara. Com idades entre 18 e 26 anos,todas ganham o pão na BR-381,
conhecida como Rio/Bahia. O dinheiro obtido na pista serve para alimentar as onze crianças da família.Melissa e Mônica, as duas mais novas, foram as primeiras a
transformar o sexo com caminhoneiros em fonte de renda. Começaram ainda meninas, aos 13 anos. “No começo, era uma brincadeira. Depois, a gente foi se acostumando”, conta Melissa, gêmea de Mônica.
Apesar do barraco de tábuas em que a família mora, as seis irmãs estão vestidas com roupas da moda. “Aqui não tem emprego, a gente faz pista para ganhar algum dinheiro”, reclama Paula, de 26 anos, a mais velha. Mãe de quatro crianças e separada do pai dos filhos, Paula diz que não teria como manter a família de
outra maneira. Na BR-381, o preço do programa varia entre R$ 15 e R$ 20. Com ganho médio de R$ 50 por noite, nenhuma delas pensa em buscar outro tipo de renda.Jéssica, de 23 anos, explica a lógica financeira do mais do que R$ 100 por mês,é menos do que a gente ganha em dois dias de pista”. Enquanto as filhas vão para a estrada, a
mãe delas toma conta dos netos.
Mônica tem um bebê de apenas um mês. O de Melissa tem um ano e cinco meses.
Aliada à pobreza, a falta de estrutura familiar contribui para que meninos e meninas sejam vítimas da exploração sexual. Em Natal, na praça Gentil Ferreira,uma criança de apenas seis anos brinca entre as prostitutas que fazem programa no local. Gabriela nunca foi à escola e tinha um enorme roxo no olho esquerdo no dia em que o Correio a entrevistou.
A mãe da menina, Valquíria,de 34 anos, se prostitui há mais de dez anos na capital potiguar. A filha mais velha, Carla, de 17 anos, também vende o corpo pelas ruas de Natal. Valquíria e Carla chegam à praça todos os dias às 8h. “Não tenho ninguém
que possa cuidar da menina. Minha mãe é muito doente. Tenho que trazer a Gabriela junto com a gente”, justifica Valquíria. Enquanto Valquíria e Carla oferecem o corpo para os motoristas que passam, Gabriela tenta se divertir no pequeno canteiro da Gentil Ferreira. Se a mãe e a irmã saem para fazer programa, a menina de seis anos fica com as dezenas de prostitutas que circulam pela praça. A situação da menina
assustou até mesmo as educadoras sociais do município.
“Como vamos saber se esta menina não é abusada? Se a família inteira faz programa, nada garante que a mãe não receba dinheiro para permitir que a filha menor
seja tocada”, diz a educadora social Maria Lúcia Faustino Silva.
Ilusão perigosa Segundo especialistas,algumas famílias vêem a prostituição como uma forma de melhorar de vida. “Os pais acham que,entregando as filhas para aliciadores,
elas terão uma oportunidade de ascender social e economicamente.Acreditam que a
exploração sexual pode oferecer chances de ganhar dinheiro que elas jamais terão”, afirma Vera Rodrigues, do projeto Escola que Protege, vinculado ao MEC.
8.A ponta da exploração
A praia de Ponta Negra,uma das mais famosas do Brasil,ainda é o principal ponto de exploração sexual de Natal.O vaivém de adolescentes e aliciadores diminuiu com a instalação de câmeras de segurança ao longo da avenida Beira Mar,mas os crimes persistem.Como Ponta Negra é o local com maior movimento de turistas da cidade,meninas de áreas carentes circulam pela praia em busca de clientes.Muitas jantam com os visitantes em restaurantes de luxo instalados à beira da praia.Todas as noites,a kombi dos assistentes sociais cruza Ponta Negra e os profissionais abordam meninas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário