Ador e a vergonha de ter o corpo tocado ou violado ganham outro sentido quando a vítima é um menino. O tabu da homossexualidade transforma em segredo o abuso e a exploração sexual. Os casos que envolvem crianças ou adolescentes do sexo masculino
dificilmente chegam ao conhecimento da rede de proteção da infância e da juventude. Diante do constrangimento e da posição de fragilidade em que estão, os garotos
calam o sofrimento, o que dificulta a superação do trauma.
Os registros de violência sexual contra meninos são escassos.Das 122 mil denúncias recebidas pela Secretaria de Direitos Humanos nos últimos cinco anos, apenas 37% eram relacionadas a vítimas do sexo masculino — o equivalente a 45,6 mil casos.
Os dados não refletem a realidade,já que muitas vítimas e famílias preferem omitir a violência sofrida a encarar o constrangimento e denunciar.
A história de Cláudio, 11 anos,é mantida sob sigilo em um abrigo de Belém. Os 13 colegas que convivem com o menino desconhecem o sofrimento que ele encarou antes de chegar ali. O garoto foi abusado pelo padrasto e abandonado pela mãe.“Aqui, a regra é que um não saiba a história do outro. Até mesmo para preservá-los”, conta Maria
de Lourdes Cunha, diretora do abrigo. No caso de Cláudio, o temor é que a criança sofra preconceito e seja segregada por conta de seu passado.Cláudio fala sobre o assunto de cabeça baixa, evita os olhos do interlocutor, tem vergonha do que aconteceu. “Ele colocou (o pênis) nas minhas costas. Me bateu.Fez o que quis comigo”, diz o menino, que tinha dez anos quando foi violentado na própria
casa. A mãe não acreditou na criança, confiou no marido. Cláudio foi afastado de casa, dos vizinhos, dos amigos e teve de mudar de escola. O menino não tem vontade de voltar para o colo da mãe, mas espera por Justiça. “Não quero ele preso, mas ele precisa de uma correção. Para não maltratar minha mãe e meu irmão”,justifica Cláudio.
O maior temor dos meninos abusados é expor a sua sexualidade. A psicóloga Sônia Prado
desvendou os medos e angústias desses garotos em sua dissertação de mestrado, defendida na Universidade de Brasília. Ao ouvir relatos, ela descobriu que a
maioria dos meninos não é vista como vítima, ao contrário do que costuma acontecer quando o abuso atinge o sexo feminino. A sociedade enxerga como se eles tivessem consentido a violência, o que só aumenta o preconceito.
O tema é tabu até mesmo entre os estudiosos. “Tive dificuldade em encontrar pesquisas sobre o assunto no Brasil. Existe uma subnotificação de abusos contra
meninos e há preconceito até mesmo entre os profissionais que lidam com as vítimas”, observa. Para Sônia, são duas as principais causas do silêncio social em torno do tema. “O homem é mais contido para liberar e revelar suas emoções. Mas a primeira razão para esse sigilo é a questão da sexualidade masculina”. Segundo Sônia Prado, os meninos e suas famílias se calam para evitar uma exposição. Temem que as crianças
sejam taxadas de homossexuais.
Fonte: Correio Braziliense
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