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quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Sob medo das testemunhas e muitas irregularidades no processo, policial condenado pela Chacina da Baixada vai a novo julgamento por homicídio

Está marcado para o próximo dia 10/12 (quinta-feira) o julgamento do ex-PM Fabiano Gonçalves Lopes (às 1oh no Fórum de Itaguaí – Rua Gal. Bocaiúva, 424 – Centro)., acusado do assassinato de Flávio Mendes Pontes, em março de 2004 em Itaguaí. Fabiano e seu colega José Augusto Moreira Felipe (ambos condenados por sua participação na chacina da Baixada em 2005 – Felipe por homicídio e Fabiano apenas por formação de quadrilha) foram acusados da execução de Flávio em março de 2004 (um anos antes da chacina em Nova Iguaçu e Queimados). O caso arrastou-se com vários problemas e irregularidades, e só em junho de 2008 aconteceu o primeiro julgamento, de Felipe (então já cumprindo pena pelo crime na Baixada), que foi absolvido pelo júri popular. A mãe de Flávio, Joana D’Arc Mendes, que foi até mesmo incluída no programa de proteção às testemunhas, ficou muito insatisfeita com a atuação do Ministério Público no caso e procurou a Defensoria Pública para atuar como assistente de acusação.

O julgamento, que já foi adiado duas vezes esse ano, está muito comprometido pelas irregularidades do processo e pelo medo que sentem as testemunhas. Elas estão com medo de depor diante do júri, uma vez que Fabiano está livre (obteve liberdade condicional por ter cumprido mais de um terço da pena por formação de quadrilha) e outro policial que participou da ação, Jefferson Machado de Assis, não foi denunciado pelo MP e segue na ativa. Recentemente, o PM procurou testemunhas do caso “lembrando-as” de que não deveriam falar nada contra ele nos depoimentos.

A Defensoria Pública solicitou ontem ao Juiz do caso o adiamento do julgamento, mas não é certo que seja concedido. Familiares de vítimas de outros casos e a Rede estarão no mesmo dia realizando manifestação em frente ao Tribunal de Justiça do Rio, mas estão se organizando para estarem também mais uma vez presentes e apoiando Joana.

Relato do caso preparado pela Rede:

Flávio Mendes Pontes, 16 anos, estudava na 6a série e trabalhava numa loja de bicicletas em Itaguaí, estava inscrito para fazer prova na Nuclep. No dia 30/03/2004, por volta das 12h Flávio, encontrava-se na rua Alfredo Alves da Cruz (centro de Itaguaí, onde morava com a mãe, Joana D’Arc Mendes, e seu irmão mais velho, na casa n. 216), com amigos, enquanto sua mãe Joana estava em casa cozinhando o almoço. Um Gol Branco com parou em frente à casa e três homens não fardados entraram sem pedir permissão e com armas na mão. Um dos homens ficou na varanda e dois entraram. O que ficou fora foi reconhecido como Jefferson Machado de Assis, policial militar do 24o BPM (Queimados) que atua em Itaguaí, e era conhecido porque morava bem perto dali. Os dois outros eram desconhecidos.

Os dois se declararam policiais que estavam averiguando uma denúncia anônima. Um deles era o policial militar José Augusto Moreira Felipe, que identificou-se como Eduardo, e começaram a revistar a casa, mesmo sob protestos de Joana. Nesse momento, Flávio, preocupado, entrou em casa e logo começou a ser interrogado e acusado pelos policiais, que a seguir o levaram para outra casa da mesma rua, de uma família amiga de Joana e Flávio. Jefferson levou o carro para perto da outra casa e ficou aguardando. O outro PM, Fabiano Gonçalves Lopes (também do 24o BPM) prendeu as pessoas da casa num quarto e Felipe ficou com Flávio apontando a arma para ele (fora, na escada). Joana os seguiu preocupada mas Felipe a ameaçou e não deixou entrar, ela teve que ficar observando da rua.

Segundos após Joana viu seu filho ser atingido pelo primeiro tiro nas costas, Flávio assustado tentou fugir mesmo ferido e foi perseguido pelos dois PMS que deram mais vários tiros na rua perseguindo Flávio, que caiu. Joana tentou socorrê-lo mais recebeu uma gravata de Fabiano, que apontou a arma para sua cabeça e também para as pessoas que estavam na rua.

Os policiais falaram “vamos salvar a vitima”e colocaram Flávio, ainda com vida, no carro, dizendo que iam para o hospital. Joana tentou acompanhar mas não permitiram, a empurraram contra um muro violentamente. Joana ouviu ainda mais três ou quatro tiros depois que o carro virou a curva.

Convencida que seu filho já estava ou seria assassinado, Joana seguiu diretamente para a 50a DP para prestar queixa, mas os policiais civis não quiseram acolher a denúncia “porque era mentira”. Joana então foi para o hospital, encontrando Flávio morto, inclusive com um tiro na face que ele não tinha quando foi posto no carro. Ela foi acompanhada por uma pessoa que ficou com muito medo e não se apresentou como testemunha.

Joana voltou para casa sob efeito dos calmantes, esperou e ligou para delegacia, já na parte da tarde, e falaram que ela poderia ir lá registrar queixa. Quando Joana estava prestando depoimento, viu os três policiais militares chegarem e os indicou ao policial. Percebeu que traziam uma arma numa sacola e disse ao policial que tomava o depoimento que aquilo não tinha nada com seu filho. Realmente, Jefferson, Felipe e Fabiano pretendiam registrar a morte de Flávio como “auto de resistência” (morte em suposto confronto) e apresentar a arma e drogas como “provas”. O três foram presos em flagrante assim que Joana os indicou (mais tarde foram presos temporariamente por decisão do juiz Rafael Fonseca, pedida pelo promotor Pedro Rubim, mas ficaram “detidos” no 24o BPM, em Queimados, e posteriormente libertados).

Joana voltou para casa e no dia seguinte viu publicado no jornal que seu filho fora morto “em confronto”. Os policiais alegaram que não estavam fardados porque estavam em serviço de P2 (polícia reservada). Falaram que receberam uma denúncia anônima sobre o assassino do sargento PM Castilho, que havia sido morto no mesmo dia 30/03, pela manhã em frente ao colégio Patronato S. José, centro de Itaguái.

Segundo os policiais, levaram o enteado do Castilho (testemunha do assassinato do sargento) para a delegacia e apresentaram a foto de Flávio que teria sido reconhecido como o assassino. Havia uma foto de Flávio na DP porque ele havia sido detido no dia 6/3 por porte ilegal de arma de fogo, mas fora liberado por falta de provas. Na versão dos policiais Flávio teria sacado a arma quando estava agachado sob vigilância de Felipe na outra casa para qual o levaram (os policiais não explicaram porque não haviam revistado Flávio antes). O jornal Atual de Itaguaí, e outros órgãos da imprensa imediatamente passaram a divulgar a versão dos PMs sem esperar o resultado do inquérito, e Joana o está processando por isso.

Preocupada com a situação, Joana passou rapidamente no velório do filho e foi até o Rio para falar com governador Garotinho, que a atendeu e encaminhou a um assessor. Foi incluída num programa de proteção a testemunhas do governo do estado, e três meses depois foi incluída no Provita (programa de proteção monitorado ao nível federal), onde ficou durante três anos. Nesse período fez reconhecimentos e participou do inquérito. Exatamente um ano após o assassinato de Flávio, houve a Chacina da Baixada Fluminense, que estarreceu o país, e na qual Felipe (que foi condenado por homicídio) e Fabiano (que foi condenado apenas por formação de quadrilha) estiveram envolvidos diretamente.

Segundo o inquérito, foi feita perícia no local, embora nenhum dos vizinhos tenham visto. Foram feitas duas reconstituições, uma com Joana e outra com os policiais. Demonstraram contradição na versão dos policiais. O laudo do IML estranhamente não indicou nenhum tiro pelas costas. Joana e o MP reclamaram e pediram exumação do corpo, que foi realizada no dia 02/04, e constataram-se os tiros pelas costas (6 tiros no total, sendo 2 nas costas e um no rosto).

Recentemente Joana interpelou o perito Ivan Vieira de Carvalho, mat. 238836-1 (estranhamente lotado como motorista na civil), porque não havia feito exame de vestígio de pólvora residual em Flávio, ele alegou que não adiantaria porque o menino fumava, sendo que Ivan não poderia saber disso, alem do que Flávio já havia deixado de fumar.


A promotoria ofereceu denúncia somente de Fabiano e Felipe, inocentando completamente o PM Jefferson. Ele se mudou logo depois do assassinato de Flávio, mas continua trabalhando em Itaguaí. Ele já trabalhou na segurança do Fórum e sua ex-esposa também já trabalhou no Fórum de Itaguaí. No final de 2009, pouco antes do julgamento de Fabiano, o PM procurou testemunhas do caso “lembrando-as” de que não deveriam falar nada contra ele nos depoimentos.

O ministério público de Itaguaí só aceitou a denúncia contra Felipe e Fabiano em 2005, após a repercussão da Chacina da Baixada. A promotoria pediu para transferir o caso para o foro do Rio de Janeiro, mas o pedido foi negado. Além disso houve desmembramento do caso e os dois (agora ex-policiais) foram levados a julgamento separadamente. O primeiro foi Felipe, em junho de 2008, quando já estava condenado (em dezembro de 2007) e cumprindo pena pelos crimes na chacina de 2005. Surpreendentemente foi absolvido pelo júri popular, apesar das provas e circunstâncias. Após esse resultado, Joana D’Arc, muito insatisfeita com a atuação do Ministério Público no caso, procurou a Defensoria Pública para atuar como assistente de acusação. Foi através da Defensoria que a Rede e familiares de vítimas entraram em contato com Joana e puderam começar a apoiá-la em sua luta por justiça.

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