quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
"Guerra ao tráfico" maquia guerra aos pobres
Por Luciana Araujo
O Brasil tem hoje quase 500 mil presos amontoados em menos de 300 mil vagas. Entre os detentos, 60% são negros, 58% têm entre 18 e 29 anos e 44% ainda aguardam julgamento (são presos provisórios). Quase 58 mil pessoas cumprem pena em delegacias. Somos a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da China.
Uma análise do perfil da população carcerária evidencia o que o juiz Juarez Cirino dos Santos qualificou de “encarceramento em massa da pobreza” durante o seminário “Encarceramento em massa: símbolo do Estado penal”. Promovido pelo Tribunal Popular – articulação de entidades defensoras dos direitos humanos. O seminário aconteceu no salão nobre da Faculdade de Direito da USP entre os dais 7 e 9 de dezembro.
Nos últimos dias, a espetacularização das ações policiais no Complexo do Alemão e na Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, fez recrudescer a banalização desta realidade de violência e criminalização contra os pobres. Parcela importante da sociedade novamente esqueceu que cenas como as protagonizadas desde o dia 21 de novembro nas comunidades cariocas são a repetição de outro macabro espetáculo do gênero produzido pela mesma polícia, sob ordens do mesmo governador e do mesmo secretário de Segurança Pública, no mesmo Alemão.
A mega-operação de 2007 que resultou em 19 mortos e 13 feridos num só dia, entre eles um bebê. Ao longo dos meses o número de mortos foi crescendo. E o narcotráfico? Bom, esse continua dominando as comunidades. Financiado por gente que não passa nem perto do morro e corre quase nenhum risco de ser atingido por uma bala disparada a esmo. E amparado pelo poder de seus tentáculos dentro do aparelho do Estado.
Neste ano, a polícia se recusa a divulgar o número de mortos antes do dia 25 de novembro. Outras comunidades vêm sendo ocupadas militarmente sem que isso sequer seja divulgado como parte das operações. Crescem as denúncias de abusos e roubos praticados por agentes do Estado.
As UPPs – prometidas pela presidenta eleita como política nacional de segurança pública – mais uma vez levam às comunidades apenas o braço armado do Estado. Além de estarem projetadas estrategicamente no corredor turístico-cultural do Rio.
Aos defensores dos direitos humanos, parte da classe média e os reacionários de plantão lançam a acusação de que são defensores de “bandidos”. Mas ao que conste, a Constituição brasileira estabelece que ninguém pode ser submetido a tortura ou tratamento humano degradante. A Constituição Federal não costuma valer muito dentro do sistema penal brasileiro, que não tem nenhuma possibilidade de ressocializar os presos, incentiva a corrupção e funciona à margem da legalidade em muitos casos. Tornaram-se parte da nossa realidade o encarceramento em massa, revistas íntimas arbitrárias, inclusive em bebês, e confrontos armados em favelas e periferias.
Na esteira da histeria, mudanças na legislação são aprovadas a toque de caixa, e sempre numa perspectiva de endurecimento das penas. Nenhuma lei sobre a reforma agrária, investimento maciço na geração de empregos, valorização e qualificação dos policiais. Aliás, ao invés de aprovar a PEC que estabelece o piso salarial para policiais militares e bombeiros, os nobres deputados preferiram aprovar um reajuste de 61,83% nos próprios salários. Num país em que o salário mínimo estipulado para 2011 não deve passar a barreira dos 540 reais.
Luciana Araujo é jornalista.
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