28 nov, 2010 | Autor: Caio Ferraz
*Por Caio Ferraz
“Eles me deram noventa anosQuem quer viver tudo isso?
Só quero noventa minutos no Morro da Babilônia”(Poema de Elizabeth Bishop, “O Ladrão da Babilônia”)
A História nos ensina que Cabral descobriu o Brasil em 1500. Eis que agora um outro Cabral “descobre” um Brasil que não tem em seus morros uma Mata Atlântica virgem, mas sim vielas e barracos. A diferença é que um aportou de caravelas e outro de canhões. Enquanto o Pedro encontrou índios com arcos e flechas, o Sérgio encontrou uma outra tribo armada com fuzis e granadas, comandada por um cacique chamado Maluco.
Antes de parabenizar o governador Sergio Cabral pela “libertação” do Complexo do Alemão, gostaria que ele desse a seus cinco filhos a “oportunidade” de viverem numa casa no agora “livre” Complexo do Alemão e que os cinco filhos dele juntos tivessem um salário de 510 reais por mês — ou seja R$ 17 reais por dia, o que daria R$3,40 para cada um filho por dia— por um periodo de cinco anos. Tenho certeza absoluta que um deles viraria um “Maluco” desse qualquer e se revoltaria contra tudo e todos, principalmente contra o governo. Só assim nosso Cabral entenderia porque é tão “complexo pacificar” o Rio.
Desde 1852, quando Manuel Antonio de Almeida descreveu Leonardo como o primeiro malandro da literatura brasileira, se passaram 158 anos até o advento do Elias Maluco. O intrigante é que, mesmo que se tenha passado quase dezesseis décadas, o Rio de Janeiro pouco mudou. Sabem por que? Porque uma cidade não pode “evoluir” tendo como base a segregação racial e social de jovens pobres. Enquanto reinar esse sistema de concentração de renda e pouca escolaridade, será insensato se falar em democracia e liberdade. Pior ainda é submeter os jovens a um salário mínimo menor do que se paga hoje no Paraguai. Seria imperativo numa cidade que se gaba dos bilhões que virão do Pre-Sal e dos dois maiores eventos esportivos do mundo que os jovens fossem incluídos desde já como a mola mestra da mudança dessa cidade. Seria, mas infelizmente nao será! Sabem por que? Porque educação e profissionalização de jovens dão menos Ibope do que a saga do Capitão Nascimento matando e fazendo justiça contra criminosos.
Não entendo porque os políticos e o sistema judiciário não faz como o último governo militar brasileiro — que concedeu anistia geral e irrestrita aos exilados e aos ditadores — e não negocia anistia como os bandidos do Complexo do Alemão e de outras favelas, se esses colaborarem com a justiça para que assim se desarticule os fornecedores de armas e drogas. Por exemplo, para cada barão do tráfico de droga e armas denunciado pelos traficantes do morro, esses teriam redução de três anos em suas penas. Outra coisa que não compreendo é porque os presídios de segurança máxima não se transformam em escola de educação máxima, onde cada presidiario seria obrigado a fazer um curso e servir a comunidade enquanto cumprisse pena. Que pena que dá ver tanta gente inteligente, articulada, influente e poderosa aprisionada e sem ter o que fazer e a quem ajudar.
Mesmo que houvesse uma UPP para cada favela do Rio — coisa inviável política e financeiramente —, ainda assim o crime se organizaria de outra forma, até porque ele não nasce na favela, mas sim se entricheira ali esperando que os fornecedores multinacionais os abasteçam com drogas e armas. Se o Governador Cabral e a Presidente eleita Dilma Rousseff quiserem desbancar esse “complexo” crime do Rio de Janeiro terão que obrigatoriamente criar uma UPP em cada porto, estrada e aeroporto do Rio.
Colocar policia para “pacificar” morro é fácil, quero ver colocar policia para “guerrear” contra os poderosos e influentes fornecedores de drogas e armas. E como bem sei como pensa um jovem de favela, até porque fui um deles, eis a “complexa” equação para aqueles que querem solucionar a nefasta influêcia do crime na vida do jovem: para que viver noventa anos “aprisionado” a um sistema subserviente e escravocrata, se este mesmo jovem sabe que com a vida do crime ele pode ter noventa minutos de fama?
Caio Ferraz
Sociólogo, nascido e criado na Favela de Vigário Geral, fundador da Casa da Paz de Vigário Geral, recebedor de 4 prêmios de Direitos Humanos, primeiro exilado político da era democrática brasileira
contato: caioferraz@comcast.net
Sociólogo, nascido e criado na Favela de Vigário Geral, fundador da Casa da Paz de Vigário Geral, recebedor de 4 prêmios de Direitos Humanos, primeiro exilado político da era democrática brasileira
contato: caioferraz@comcast.net
Um comentário:
FIQUEI SENSIBILIZADA COM ESTE TEXTO, É ESCLARECEDOR, INTELIGENTE E CORAJOSO.
PARABÉNS PARA O AUTOR...NOS FAZ REFLETIR MUITO!!!!
MARIA HELENA - PSICÓLOGA NA FUNDAÇÃO CASA
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