Infância Urgente

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Janusz Korczak, o primeiro grande defensor das crianças

O médico e educador polonês foi pioneiro no direito infantil e valorizava o saber dos pequenos

O polonês Henryk Goldszmit, que adotou o pseudônimo de Janusz Korkzac, nasceu em uma família abastada de intelectuais. No entanto, passou pelas mãos de professores rudes. Com 7 anos, foi mandado para uma escola onde os mestres eram punitivos, puxavam as orelhas das crianças e se valiam de réguas e palmatórias (leia mais no quadro abaixo). A experiência lhe deu a certeza de que as crianças não eram devidamente respeitadas, o que contribuiu para a formação do ponto central de seu pensamento: desde cedo, os pequenos merecem respeito por suas vontades e necessidades.
A capacidade de Korczak de se colocar na posição da criança é uma das características que tornam seu trabalho tão significativo. O livro Quando Eu Voltar a Ser Criança conta a história de um professor que volta a ter 7 anos, morar com os pais e a irmãzinha e ir à escola. O texto mostra como muitas vezes os adultos são tiranos e questiona essa superioridade. “Grande mérito ter nascido antes (…). Que nos deem então um exemplo de boa Educação. E o professor que durante a aula toda fica com o dedo enfiado no nariz?”
O polonês pregava o respeito a todos, independentemente da idade. “As crianças não vão tornar-se pessoas no futuro porque já são pessoas”. Por isso, dizia, elas devem ser compreendidas no momento em que estão (leia na página seguinte). “Korczak era capaz de entender os pequenos sofrimentos da criança, que, muitas vezes, parecem bobagens para os adultos. Ele não se preocupava em fazê-la compreender que algo era insignificante se, para ela, o assunto tinha relevância”, diz Ana Carolina Rodrigues Marangon, professora da Escola de Aplicação da Universidade de São Paulo (USP) e autora do livro Janusz Korczak, Precursor dos Direitos da Criança – Uma Vida entre Obras.
Biografia

Acompanhando as crianças até a morte

Henryk Goldszmit, que adotou o nome de Janusz Korczak, nasceu em 1878, em Varsóvia, filho de uma rica família de judeus. Seu pai era um famoso advogado. Korczak se formou em Medicina em 1905 e logo foi convocado para o front da guerra russo-japonesa – na época, a Polônia era uma possessão da Rússia.
Nesse mesmo ano, retornou e assumiu o cargo de médico-residente no Hospital das Crianças. Participou da arrecadação e acompanhou a construção do Lar das Crianças, um abrigo para órfãos que passou a dirigir após a inauguração, em 1912. Atuou como médico na Primeira Guerra Mundial e, ao fim dela, voltou para o abrigo, em sua cidade natal.
Korczak morreu em 1942 no campo de concentração de Treblinka. Devido ao prestígio conquistado, as autoridades nazistas chegaram a oferecer a liberdade ao médico e educador, mas ele preferiu acompanhar suas crianças no trem que as levou para a morte nas câmaras de gás.
Da caixinha de surpresas à produção exuberante
A empatia de Korczak para conquistar os pequenos se manifestou cedo. Aos 11 anos, seu pai foi internado para tratar de problemas mentais. Nunca teve alta, e até sua morte os bens da família foram sendo dilapidados. Para ajudar em casa, o adolescente começou a dar aulas particulares com uma técnica original: mostrava uma pequena maleta e a abria, deixando que as crianças explorassem seu interior. Depois, narrava um conto de fadas, para só então entrar nas disciplinas escolares.
Não há consenso sobre a data de início da carreira de escritor, mas a hipótese mais aceita aponta para 1899, quando ganhou uma menção honrosa com um drama assinado como Janusz Korczak, herói de um romance histórico polonês. Korczak deixou muitos escritos, entre eles 24 livros e cerca de mil artigos publicados em revistas. As principais obras incluem Como Amar uma Criança e O Direito da Criança ao Respeito, que, 30 anos depois, viria a inspirar a Declaração dos Direitos das Crianças, das Nações Unidas.
Os caminhos de Korczak

Não à repressão e ao medo na Educação


Korczak foi influenciado pelo pensamento pedagógico do começo do século 20, que criticava a escola tradicional, segundo a qual as crianças eram tratadas como adultos pequenos, sem interesse pelas especificidades dessa fase. Para conhecer outros orfanatos e as ideias pedagógicas do momento, viajou muito pela Europa.
O polonês interessou-se pela obra do suíço Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), que apostava na bondade natural das crianças. Por isso, sugeria uma Educação não repressiva e que não fosse baseada no medo, mas que acompanhasse a curiosidade infantil. O suíço pregava ainda a importância de dar atenção à personalidade da criança, o que também se tornou marcante na obra de seu “discípulo” polonês.
Além disso, Korczak introduziu na Pedagogia o método de observação empregado na Medicina.
Valorizando a importância dos famosos combinados

No Lar das Crianças, que dirigiu por 30 anos, Korczak pôs em prática seu sistema de Educação, que transformava os pequenos em seus ajudantes, valorizando-os. “Ele delegava a eles várias funções da casa por acreditar que, assim, se tornariam responsáveis pelo que havia lá”, conta Ana Carolina. “Era uma prova de confiança na capacidade deles de resolver problemas”, completa.
A grande inovação ficava com o Tribunal de Arbitragem. Nele, qualquer um – funcionários, moradores e o próprio Korczak – podia ser julgado por um ato inadequado, como bater ou ofender alguém. Foi a forma que encontrou para fazer com que os combinados entre adultos e crianças realmente valessem. “Hoje em dia, muitas vezes propomos algo aos alunos que não oferece espaço para opinarem. É o que acontece quando eu digo ‘vamos combinar que ninguém pode brincar no corredor’”, diz Ana Carolina. As crenças do polonês incluíam o direito ao erro infantil, que, segundo ele, era de dois tipos. Um é não corresponder à vontade dos adultos. “Existe nas pessoas, de modo geral, a tendência de se colocarem como modelos ou fontes de sabedoria (…). Tudo o que for diferente é erro e não percebem que o diferente pode ser nem pior nem melhor, apenas diferente.” O outro tipo de erro é o que realmente traz prejuízo. Nesses casos, ele defendia que os adultos deveriam alertar para que não houvesse reincidência. “Isso, porém, sem pretender que a criança seja um modelo de perfeição e deixando espaço para que faça suas experiências e sofra os resultados delas.” Korczak era contra imposições. “Ele achava que cometer pequenos erros era um exercício de liberdade e de aprendizagem”, diz Ana Carolina.
Hoje há associações pelo mundo que divulgam suas ideias, como a Associação Janusz Korczak do Brasil, que ministra cursos, transmitindo a sensibilidade do pensamento do educador.
Quer saber mais?
BIBLIOGRAFIA
Como Amar uma Criança, Janusz Korczak, 384 págs., Ed. Paz e Terra
Janusz Korczak, Precursor dos Direitos da Criança – Uma Vida entre Obras, Ana Carolina Rodrigues Marangon, 200 págs., Ed. Unesp
O Direito da Criança ao Respeito, Dalmo de Abreu Dallari e Janusz Korczak, 102 págs., Ed. Summus
Quando Eu Voltar a Ser Criança, Janusz Korczak, 158 págs., Ed. Summus

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