Infância Urgente

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

MANIFESTO DOS PROFISSIONAIS, PESQUISADORES , PROFESSORES VINCULADOS À SAÚDE E ENTIDADES ESTUDANTIS E DE ENSINO


Vimos a público alertar o conjunto do povo para outra grave ameaça aos direitos democráticos à saúde duramente conquistados no bojo das mobilizações de massa pelas liberdades democráticas e direitos sociais, que culminaram na Constituição de 1988.
O Plenário da Assembléia Legislativa paulista aprovou na noite de terça-feira, 22/12, véspera dos feriados de final de ano, o Projeto de Lei Complementar 45/2010, do Executivo, que permite as Organizações Sociais, entidades privadas que gerem hospitais estaduais, utilizarem até 25% de sua capacidade para atender pacientes privados com ou sem planos de saúde. O que significa que o investimento que foi feito com recursos públicos, extraídos dos impostos pagos por toda a população brasileira será disponibilizado de forma não igualitária, ao permitir uma entrada diferenciada para aqueles que tenham fontes privadas de financiamento. Ou seja, ao invés de critérios de prioridade baseados na necessidade de saúde, critérios de discriminação econômica. O projeto é omisso e delega ao Secretário Estadual de Saúde questões fundamentais: quem fará a cobrança? Como serão aplicados esses recursos? Quanto custará esses atendimentos? O preço cobrado cobrirá os custos ou haverá subsídio público? O Ministério Público de São Paulo já considerou o projeto inconstitucional por atentar contra a equidade.
Os argumentos utilizados pelo Governo Estadual de que a população com planos privados de saúde, que representa cerca de 40% da população do Estado de São Paulo, já utiliza a rede pública e o que a Lei permitirá ao Estado ressarcir esses custos são um falseamento da realidade, pois já existe a obrigação desse ressarcimento através de mecanismos organizados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar que, se não funcionam a contento, devem ser modificados para sua efetiva implementação.   Além disso, já existe em São Paulo a Lei 9058/1994, que dispõe sobre o reembolso de valores correspondentes a seguro-saúde de beneficiários atendidos gratuitamente na rede pública, não aplicada até então.
Com isso, caem as mascaras que encobriam os verdadeiros objetivos da chamada Reforma do Estado, iniciada em 1995. Para amainarem as resistências, se declaravam reformas gerenciais objetivando aumentar a eficiência do Estado através da flexibilização de regras processuais (contratação de pessoal e compra de material através de regras inerentes ao setor privado) e do controle através de resultados, mas que preservavam o acesso exclusivamente público da clientela. Após 12 anos de existência, o projeto completo se revela e, como já vinha sendo alertado, tem a cara do Banco Mundial. O Banco, desde o final dos anos 80, como instrumento do neoliberalismo, vem recomendando a reforma do sistema de saúde, :atribuindo ao Estado o fornecimento de uma cesta básica de cuidados primários para a população de baixa renda (vacinas, medicamentos de uso continuado para determinadas patologias e atendimento ambulatorial de baixa complexidade e resolutividade),   permanecendo a atenção de maior complexidade, de acesso mais restrito, fornecida pelo setor privado, à ser paga pela população, com ou sem subsídio do estado. Para isso, recomendam a transformação das unidades públicas de saúde em organizações privadas que cobram os serviços, sejam aos planos ou ao SUS.
Há 12 anos muitos de nós antecipamos em documentos e análises de caráter técnico-científico que a criação dos OS e OSCIPS para gerir hospitais públicos acabaria num cenário de privatização.  Esta análise tem sido sistematicamente considerada como dogmática por representantes do Estado e até da própria comunidade técnico-científica, em diversos eventos onde os projetos foram debatidos, como nas Conferências Nacionais de Saúde. Propostas atuais supostamente voltadas à modernização da gestão não levam em conta quem tem o poder, ou seja, a ainda hegemônica conjuntura internacional e nacional de reforço de relações de dominação dos mercados mundiais por parte de poucos países ricos e de enquadramento dos chamados emergentes, como o Brasil, a esquemas de produção e consumo, altamente excludentes, do ponto de vista social. Nesses países, o Estado, ao invés de indutor de desenvolvimento e inclusão, serve como coordenador da subordinação ao capital internacional, o que faz mantendo as velhas práticas patrimonialistas, ou seja, de apropriação da coisa pública por grupos de poder em benefício próprio. Isso nos autoriza a antever a mesma trajetória nos diversos projetos que se consideram, como as OS se consideravam em 1998, exclusivamente públicos. Nos referimos as Fundações Estatais de Direito privado e outros projetos que descaracterizam o caráter impessoal do Estado e profissional de seus servidores.
Qual o significado real do PL 45/2010 e suas conseqüências:
a)      Reforça a extensão em curto prazo dos planos privados de saúde para as rendas menores ao viabilizar a utilização de uma capacidade instalada existente e montada com recursos públicos, sem nenhuma necessidade de investimentos por parte do setor privado. Pesquisa recente do IBGE (AMS de 2009) revelou que a oferta privada de leitos privados e totais no Estado está na beira da saturação, dificuldades de internação existindo tanto no SUS quanto na área privada. Entre 2005 e 2009, a cobertura de planos de saúde do Estado cresceu 16,8% enquanto a oferta de leitos privados cresceu apenas 3,8%.
b)      Viabiliza a redução do já minguado orçamento público para a saúde, ao permitir a substituição, nos contratos de gestão com as Organizações Sociais, de recursos públicos para custeio por recursos privados, garantindo o permanente ajuste fiscal para equilíbrio das contas públicas e o desvio do orçamento para manutenção da política de juros altos, endividamento do Estado e políticas sociais focais compensatórias que viabilizem a estabilização política do governo, sem resolver os problemas de fundo da população.
c)      È mais uma forma de arrancar recursos dos trabalhadores e das classes médias, empurradas a adquirir no mercado serviços pelos quais já contribui para o erário público, caindo na mercê da ganância de empresários inescrupulosos que forçam a venda de planos de saúde baratos. O que fazem as custas do arrocho na remuneração de médicos e outros prestadores de serviços de saúde e da gestão não ética das despesas como sistemáticas recusas e delongas de atendimento, como recentemente já foi apontado por pesquisa encomendada pela Associação Paulista de Medicina (APM) e Associação Médica Brasileira (AMB).
d)      Avilta o principal recurso de um sistema de saúde, que são os seus trabalhadores, que perdem conquistas históricas como a estabilidade, gerando intensa rotatividade e perda da autonomia profissional. Perde, com isso, a qualidade do cuidado, que depende da manutenção de vínculos com a clientela, da educação permanente e aprimoramento profissional que se revertem para a melhoria da atenção.
Consideramos o SUS uma política social justa e democrática.  Apontamos o criminoso descompromisso com o SUS e o verdadeiro desmonte realizado desde 1989 pelos sucessivos governos, seja pelo insuficiente financiamento ou a utilização da máquina pública para finalidades eleitoreiras e particulares. A contribuição que aportamos ao Estado, fruto do trabalho de milhões de brasileiros, deve ser retornada a todos nós sob a forma de serviços que garantam a saúde de todos nós, brasileiros, a partir de princípios democráticos pelos quais lutamos com tantos sacrifícios ao longo de nossa história. E não para favorecer empresas que nascem a sombra e estimuladas pelo Estado.

Assinam este Manifesto

Maria de Fátima Siliansky Andreazzi – UFRJ
Maria Inês Souza Bravo -                      UERJ
Carlos Octavio Ok Reis
Maria Valéria Correia                          UFAL

Para assian, enviar email para:  mibravo@uol.com.br

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