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sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Ouvidor nacional atribui mortes de moradores de rua a policiais


Ouvidor diz que policiais comandam grupos de extermínio em todo o país

09h14, 09 de Janeiro de 2011
Vigilantes contratados por grupos de extermínio, comandados por policiais. Mortes em série de adolescentes na tríplice fronteira. Execuções sumárias de homossexuais no Nordeste do país. Omissão de investigadores diante de mães desesperadas. O retrato da violação de direitos humanos, escondido sob inquéritos nebulosos ou inacessíveis até mesmo ao Ministério Público, fica estampado por centenas de denúncias que chegaram nos últimos três anos à Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, revela reportagem publicada na edição do GLOBO deste domingo.
Em pelo menos seis estados - Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Goiás, Mato Grosso e São Paulo -, a existência de grupos de extermínio está caracterizada, de acordo com o ouvidor Fermino Fecchio Filho.
Catalogadas em Brasília, as denúncias de brasileiros sem rosto conhecido ou notícias que se perdem no turbilhão de casos de omissão ou abuso de autoridade levaram o ouvidor a concluir que os grupos de extermínio estão disseminados pelo país. Segundo ele, as violações aos direitos humanos são alimentadas por duas falhas estruturais do sistema: a negligência do Judiciário e o corporativismo policial.
---- Grupo de extermínio é geral, é no Brasil inteiro. Não tem grupo de extermínio se não tem polícia envolvida. O que mais choca são os autos de resistência, seguida de morte. Você não tem laudo de local, não tem laudo de balística. A maior causa mortes é a caminho do hospital, mas ele já está morto. Quando você consegue um laudo, vê que são pessoas que morreram com 12, 20 tiros. Que socorro foram prestar? Foram desmanchar o local do crime --- afirma o ouvidor.
Omissão policial em Luziânia (GO)
Em Maceió (AL), mais de 30 moradores de rua foram assassinados apenas no ano passado. Para o governo do estado, todos foram vítimas de disputas do tráfico. Ao analisar caso a caso, com o apoio da Força Nacional de Segurança, o ouvidor chegou a outra conclusão:
- Um ex-PM é responsável por duas dessas mortes. Na morte de quatro deles tem dois investigadores da Polícia Civil envolvidos. Tem um vigilante responsável por três mortes. Vigilante é terceirização de execução - afirma.
Na última terça-feira, a morte de Paulo Vitor de Azevedo completou um ano. O jovem de 16 anos foi uma entre as vítimas do assassino serial que aterrorizou a cidade de Luziânia (GO) em 2010. Lá, o caso é de omissão e reforça a crise da segurança no entorno de Brasília, uma das regiões mais violentas do país. Por mais de dois meses, as mães dos jovens então desaparecidos pediam providências. Porém, do delegado Rosivaldo Linhares Rosa, a mãe de Paulo, Sônia de Azevedo Lima, ouvia uma desastrosa versão:
- "Ele está com o amiguinho. Isso é comum aqui, muita criança desaparece." E o meu filho com o cara fazendo tudo aquilo lá. Se eu pudesse, eu esganava ele (sic). Outro dia, fui à delegacia, e ele teve o desplante de me cumprimentar - contou Sônia, revoltada.
Foi quando o Ministério Público de Luziânia cruzou dados dos inquéritos policiais com os registros de mortes violentas no Instituto Médico Legal para descobrir mais uma violação alarmante: vários cadáveres sequer tinham inquérito policial instaurado.
- Aqui no entorno há muitos casos em que nem a polícia comparece. Quem vai buscar o corpo é a funerária. É assim que está a segurança no entorno. Perto da divisa com a Bahia, o perito aparece lá a cada 20 dias - conta Fecchio.
De acordo com o ouvidor, cidades como Rio de Janeiro e São Paulo também estão sob ameaça constante. Crimes como a chacina de Acari (RJ), com 11 mortes, ou os 40 assassinatos na Baixada Santista (SP), em 2008, nunca foram esclarecidos. Mas as principais violações ocorrem no Nordeste do Brasil.
Crimes em Alagoas
Odilon Rios
Só no ano passado, 39 moradores de rua foram assassinados em Alagoas, e os crimes ainda não foram esclarecidos. Depois da pressão do Ministério Público Estadual, da Polícia Civil e da imprensa, desde dezembro de 2010 não foi registrada qualquer morte.
- O dono de uma sorveteria ameaçou um morador em dezembro. Disse que ele não ficaria vivo. O ameaçado procurou o Ministério Público. Chamamos a imprensa. O dono da sorveteria voltou atrás, chamou o morador de louco. A pressão ajudou - disse o promotor da área de Direitos Humanos do MP, Flávio Gomes da Costa.
Segundo ele, seis pessoas foram presas, acusadas pelos crimes, e não ficou constatada a ação de grupos de execução. Costa cobra compromisso dos gestores com populações de rua.
A polícia descarta crimes de execução. Acredita em "ações isoladas" ou brigas por causa de drogas. Em 83% dos casos, segundo o delegado-geral adjunto, José Edson, as vítimas tinham envolvimento com drogas.
A maioria dos moradores de rua perambula pela área nobre da capital alagoana. Os dados chamaram a atenção porque Maceió está, desde 2007, à frente da estatística nacional de homicídios, segundo o Mapa da Violência do Instituto Sangari.
- A explicação deve vir da investigação. Existem ou não grupos de extermínio? Depois da divulgação, os assassinatos pararam. A polícia alega que os moradores eram envolvidos com drogas, mas eles não deixaram de ser gente. Tem que existir apuração - diz o presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos, Everaldo Patriota.
Na Bahia, aberto inquérito para investigar grupos de extermínio
Em Salvador, a Procuradoria da República na Bahia (PR-BA) instaurou inquérito civil público para investigar a atuação de grupos de extermínio, com suspeita de envolvimento de policiais militares.
Não há estatísticas oficiais sobre assassinatos cometidos por grupos de extermínio na Bahia. Mas integrantes do Movimento Negro Unificado (MNU) denunciam a matança de jovens negros promovida por esquadrões da morte. O escritor Hamilton Borges Walê, coordenador da campanha Reaja ou Será Morto, responsabiliza o governador Jaques Wagner, por ter extinguido o Grupo Especial de Repressão a Crimes de Extermínio (Gerce), e diz que o secretário de Segurança, César Nunes, faz apologia à matança.
O secretário rebate:
- Investigamos todos os homicídios, inclusive os praticados por grupos de extermínio, com a participação de policiais ou de qualquer outra pessoa - diz Nunes, alegando que o grupo foi extinto porque não estava dando resultados.

FONTE O GLOBO

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