O Estado de S.Paulo
As Polícias Civil e Militar estão prendendo cada vez mais e a Justiça criminal está ampliando significativamente o número de condenações, demonstrando assim maior eficiência no combate à criminalidade, mas os governos federal e estaduais não estão expandindo o sistema prisional no mesmo ritmo. O resultado inevitável é o crescimento vertiginoso do déficit de vagas nos superlotados estabelecimentos penais, que não têm condição de receber mais presos. Entre 2005 e 2007, a população carcerária masculina cresceu 16,2%. No mesmo período, a população carcerária feminina aumentou 27,52%.
As informações constam do 4.º Relatório Nacional sobre Direitos Humanos, elaborado pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV), em parceria com a Comissão Teotônio Vilela. Integrado por professores e pesquisadores da USP, o NEV é um dos mais antigos e respeitados centros de pesquisa especializados em sociologia criminal da América Latina.
Segundo o estudo, a taxa média de ocupação do sistema prisional passou de 1,4 para 1,8 prisioneiro por vaga, entre 2005 e 2007. Com quase 500 mil pessoas presas, o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo. Só fica atrás dos Estados Unidos, que têm 2,3 milhões de presos, e da China, com 1,7 milhão. Dos quase 500 mil presos, 56% já foram condenados e estão cumprindo pena e 44% são presos provisórios, que aguardam o julgamento de seus processos. Pelas estimativas do Departamento Penitenciário do Ministério da Justiça, o déficit no sistema prisional é de 180 mil vagas. Como há mais presos do que as penitenciárias e cadeiões têm condição de comportar, quase 60 mil pessoas se encontram encarceradas em delegacias, que não dispõem de infraestrutura adequada. Além disso, há cerca de 500 mil mandados de prisão expedidos pela Justiça que não foram cumpridos.
A crise do sistema prisional foi agravada no decorrer da década pelas mudanças ocorridas no perfil da criminalidade. Entre 2000 e 2010, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o número de presos por envolvimento com o tráfico de drogas passou de 9% para 22% da população carcerária. Entre outros motivos, isso ocorreu porque, em face da expansão do narcotráfico, em 2006 o Congresso aumentou o rigor da legislação penal, elevando a pena mínima de três para cinco anos de reclusão para os traficantes e limitando a concessão de liberdade provisória.
A conjugação de sanções mais rigorosas e menos benefícios com investimentos insuficientes na construção de novas penitenciárias está levando o sistema prisional ao colapso. "As prisões brasileiras apresentam condições deploráveis", diz o sociólogo Fernando Salla, um dos coordenadores do documento elaborado pelo NEV, com a colaboração da Comissão Teotônio Viela. O problema atinge quase todos os Estados. Para enfrentá-lo, o Conselho Nacional de Justiça promoveu mutirões em 17 Estados, entre 2008 e 2009, e passou a estimular os juízes criminais a reduzir o número de prisões provisórias, aplicar penas alternativas e permitir o monitoramento de presos de baixa periculosidade, por meio de tornozeleiras eletrônicas. No entanto, os resultados dessa iniciativa ficaram abaixo das expectativas.
A superlotação das prisões prejudica a imagem internacional do Brasil. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos tem feito inspeções no País. Das três condenações que o Brasil já sofreu na Corte Interamericana de Direitos Humanos, uma decorreu dos maus-tratos e das condições degradantes do sistema prisional.
Por causa da superlotação, os estabelecimentos penais não conseguem reeducar os presos, para que possam voltar ao convívio social. E esse é um dos fatores responsáveis pela alta taxa de reincidência criminal no País, que se situa em torno de 70% - ante 16% na Europa e nos Estados Unidos.
Quando assumiu a presidência do CNJ, há oito meses, o ministro Cezar Peluso afirmou que o sistema penitenciário brasileiro está chegando à "falência total". O relatório preparado pelo NEV avaliza a advertência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário