Infância Urgente

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Corrupção mundial custa 26% mais que aplicações na educação fundamental

As aplicações mundiais no ensino fundamental representam 74% do custo anual da corrupção, estimada em mais de US$ 1 trilhão pelo Banco Mundial (Bird). Isto é, o gasto com o ensino entre a 1ª e 9ª séries, em torno de US$ 741 bilhões, é R$ 259 bilhões menor que a cotação das práticas ilegais. A educação fundamental equivale a 1,3% do PIB mundial em PPC (Paridade do Poder de Compra), um modo de calcular o Produto Interno Bruto que tenta eliminar a diferença do custo de vida entre os países. Já as perdas com a corrupção representam cerca de 2% do PIB global, 0,7 ponto percentual a mais que o gasto com a educação para crianças e adolescentes.

Anualmente, somente os países em desenvolvimento perdem entre US$ 20 e US$ 40 bilhões em ações de corrupção, o que pode chegar a 40% dos gastos oficiais com assistência social. Negociações como sonegação e corrupção podem custar até US$ 1,6 trilhão a cada ano em todo o mundo. Apenas a África, segundo a União Africana, perde US$ 148 bilhões por ano – equivalentes a 25% do Produto Interno Bruto do continente – por culpa de desvios ilegais de recursos.

O ônus da prática da corrupção é avaliado pelo Banco Mundial com base em dados econômicos de mais de 200 países, sobretudo, do dinheiro desviado em esquemas de superfaturamento de projetos e pagamento de propinas a servidores públicos. As aplicações em “primary education”, que equivale no Brasil ao ensino fundamental, por sua vez, foram apresentadas no final do ano passado no relatório Educação para Todos, elaborado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Os custos dizem respeito, entre outros, à construção e manutenção de escolas, aos salários dos professores, aos materiais de aprendizagem e as bolsas de estudo.

Tatiana Filgueiras, especialista em educação do Instituto Ayrton Senna (IAS), acredita que a educação é duplamente uma ferramenta de combate à corrupção. “A educação promove uma dupla condição necessária para o combate à corrupção, que é o fortalecimento das pessoas, necessário para a efetividade do controle social, e o fortalecimento das instituições, necessário à instauração de cadeias de prestação de serviço mais éticas, eficientes e transparentes com sistemas de responsabilização”, destaca.

A especialista do IAS acrescenta que a educação gera educação, portanto, investir no setor é também uma forma de perpetuá-lo, já que a escolaridade dos pais é fator decisivo para que os filhos também freqüentem a escola. “A educação, ao mesmo tempo, gera riqueza, pois o aumento da escolaridade de um povo é capaz de elevar os níveis de renda e de saúde, de elevar níveis de participação e de controle social, além de contribuir para o próprio desenvolvimento econômico”, completa.

De acordo com o Instituto do Banco Mundial, países que combatem à corrupção e zelam pela manutenção do Estado de direito podem ter um aumento de até quatro vezes na renda nacional em longo prazo. “Educação gera educação, que gera riqueza, que contribui para o crescimento do país”, resume Tatiana.

O cientista político e professor de Teoria da Corrupção da Universidade de Brasília Ricardo Caldas aponta que a educação é uma forma de se combater a corrupção. “O nível de educação é uma condição necessária ao combate do problema. No Brasil, o nível de educação poderia trazer, mas não necessariamente, cultura política”, ressalta. Para Caldas, o índice médio de crianças entre 5 a 14 em sala de aula (97%) pode ser considerado um avanço em relação à décadas passadas, mas pondera que a situação ainda não é a ideal.

Retrato da educação infantil

O ensino fundamental no Brasil é composto pelo pré-primário (1ª série), o primário (2ª a 5ª séries) e ginásio (6ª a 9ª séries). Nesse período escolar – que é obrigatório – as crianças e adolescentes adquirem o domínio da escrita, da leitura e do cálculo, além de adquirirem a formação básica cidadã, ou seja, a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade.

Todavia, 29% dos alunos do ensino essencial no país estão em situação de defasagem, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Dados internos do Instituto Ayrton Sena coletados em todo o Brasil desde 1997 revelam ainda que dentre os alunos com defasagem no ensino – aqueles com idade atrasada em relação à série que cursam –, aproximadamente 35% não são alfabetizados. Isto é, algo em torno de 10% dos alunos.

No mundo, 77 milhões de crianças, que deveriam estar na educação primária, ainda estão fora da escola. A África Subsaariana, o Sul e Oeste da Ásia são as regiões com maior concentração de crianças fora da escola, segundo a Unesco. No Brasil, a taxa de matrícula na educação fundamental gira em torno de 98%, mas cerca de 660 mil crianças de 7 a 14 anos de idade ainda estão fora da escola, das quais 450 mil são negras. Nas regiões mais pobres, como o Norte e Nordeste, apenas 38% das crianças terminam a educação fundamental. Nas regiões mais desenvolvidas, como Sul e Sudeste, essa proporção é de 70%.

O estudo da Unesco “Uma visão dentro de escolas primárias”, divulgado este ano, traçou um quadro do ensino infantil em onze países na América Latina, Ásia e Norte da África. Segundo o documento, enquanto no Chile, por exemplo, os gastos anuais com estudantes eram de US$ 2.120 por aluno, no Brasil estavam em US$ 1.159 por estudante. Tatiana Filgueiras pondera, no entanto, que aumentar a quantidade de recursos em um serviço que está funcionando de forma ineficaz, caso da educação pública, só aumenta a ineficiência. “Para que o investimento reverta em aumento de resultado, possibilitando uma maior eficiência, é preciso gestão”, atesta.

Metade dos alunos de escolas em pequenos povoados ou áreas rurais e mais de 25% dos alunos em cidades, segundo a Unesco, assistia a aula em prédios considerados em más condições. No Brasil e em outros seis países, mais de 10% dos alunos assistia aulas em escolas que careciam de água potável. Ainda segundo o estudo, um em cada dois alunos estudava em escolas cuja maioria ou todos os alunos eram provenientes de famílias com pais que não haviam completado a educação primária.

Para a especialista em educação do IAS, constatar que o Brasil sempre ocupa as últimas posições no ranking dos países que participam do PISA é uma forma de escancarar os gargalos do ensino público brasileiro. O PISA é um programa internacional de avaliação comparada, cuja principal finalidade é produzir indicadores sobre a efetividade dos sistemas educacionais, avaliando o desempenho de alunos na faixa dos 15 anos, idade em que se pressupõe o término da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países.

Tatiana Filgueiras aponta como caminho para a universalização do ensino público a conclusão do ensino básico, pois, segundo ela, não basta apenas o ingresso na escola, é preciso que as crianças também concluam os estudos. “Só vamos conseguir isso com muito esforço, compromisso ético, co-responsabilização, vontade política e, sobretudo, competência técnica e de gestão. E, claro, se mudarmos nossa atitude com relação ao serviço publico, reduzindo os índices de tolerância à ineficiência, que é tão dispendiosa para o país quanto à corrupção”, afirma.

Orçamento educação

Levantamento feito pelo Contas Abertas no Orçamento Geral da União (OGU) de 2007 aponta dois programas federais relacionados exclusivamente a crianças que tratam diretamente dos alunos da educação básica, o “Brasil escolarizado” e o “Desenvolvimento do ensino fundamental”. O Fundo Nacional de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização do Magistério (Fundeb) – considerado orçamentariamente como ação – também direciona diretamente recursos (R$ 14,2 bilhões de dotação autorizada em 2007) para a educação primária, além de aplicar recursos na educação infantil, no ensino médio e na formação de jovens e adultos.

No ano passado, O programa “Brasil escolarizado” foi o que mais se beneficiou da verba federal destinada exclusivamente à criança. De um orçamento no valor de R$ 3,8 bilhões, cerca de 70% foram aplicados. As ações dizem respeito à garantia do acesso e a permanência de todas as crianças e adolescentes na educação básica.

Já o programa “Desenvolvimento do ensino fundamental”, com recursos da ordem de R$ 1,5 bilhão no ano passado, abriga, por exemplo, a ação “dinheiro direto na escola”, que pretende garantir recursos às escolas públicas de ensino fundamental. Por meio da ação, o governo federal repassa anualmente recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). A meta do programa é garantir o acesso e a permanência de todas as crianças e adolescentes na educação básica, com melhoria da qualidade do ensino.

A “Valorização e formação de professores e trabalhadores da educação básica”, programa que busca oferecer capacitação e formação continuada a professores do ensino básico, aplicou, no ano passado, 98% dos recursos autorizados, estimados em pouco mais de R$ 570 milhões. O programa pode ser encarado como parte do orçamento da educação para crianças porque objetiva o progresso das condições de trabalho dos educadores, o que conseqüentemente reflete em melhoria para os alunos.

No Brasil, segundo o Inep, a estimativa de investimentos públicos na educação básica equivale a 3% do PIB. Da primeira a quinta séries do ensino fundamental, o percentual de investimentos é de 1,5%, enquanto nos anos finais do ensino fundamental, de quinta a nona séries, o valor aplicado equivale a 1,3% do Produto Interno Bruto.

Corrupção no país

Segundo a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a corrupção no Brasil equivale a cerca de 0,7% do PIB e corresponde a US$ 10,7 bilhões, dados de 2006 que em valores atuais chegam a R$ 17,5 bilhões. Esse número é 73% superior a soma da quantia aplicada no ano passado nos programas “Valorização e formação de professores e trabalhadores da educação básica”, “Desenvolvimento do ensino fundamental” e “Brasil escolarizado”, que somam R$ 4,7 bilhões em valores pagos – incluindo os restos a pagar – dívidas de anos anteriores roladas para exercícios seguintes.

A corrupção estimada no Brasil equivale também ao total efetivamente gasto em 2007, por exemplo, pelos Ministérios dos Transportes (R$ 9,7 bilhões), da Cultura (R$ 0,6 bilhão), dos Esportes (R$ 1,2 bilhão) e das Cidades (R$ 3,4 bilhões). Para Ricardo Caldas, além da educação, outros mecanismos seriam vitais para reduzir a corrupção. “Faltam instrumentos no país para o combate ao problema. Melhorar os mecanismos de gestão pública e realizar uma reforma política para assegurar que a sociedade civil tenha controle sobre a classe política são alguns dos pontos mais importantes”, destaca.

Em um ranking da corrupção elaborado pela Transparência Internacional, que mede o índice de percepção da população diante do problema, o Brasil ocupa a 72ª posição, ao lado de países como China, Índia, Marrocos e Peru. Na frente do Brasil constam na lista como menos corruptos países africanos como Gana e Senegal, além de Colômbia e El Salvador. Os menos corruptos, segundo a entidade, são Dinamarca, Finlândia e Nova Zelândia, empatados em primeiro lugar. Entre os piores, encontra-se Afeganistão, Iraque e Mianmar (antiga Birmânia).

O ministro da Controladoria-Geral da União, Jorge Hage, no entanto, rebate os indicadores da corrupção. Para ele, os índices refletem apenas percepções sobre os fatos que são revelados sobre esse crime. “E a divulgação tem realmente aumentado no Brasil, a partir do momento em que se passou a investigar e revelar atos corruptos que sempre existiram”, afirma Hage.

O Banco Mundial também possui um índice de percepção da corrupção, que é medido por seis critérios, entre eles, a estabilidade política, o controle da corrupção, a eficácia dos serviços públicos e o grau de participação dos cidadãos. O relatório de governabilidade do Banco Mundial é feito a partir da análise de centenas de pesquisas de opinião com cidadãos dos países estudados. Mais de 30 instituições diferentes, supervisionadas pelo BIRD, realizam essas pesquisas, desde 1996.

O relatório mais recente da organização, com dados de 2007, mostra que diversos países em desenvolvimento conseguiram ganhos importantes no controle da corrupção. Por outro lado, o Brasil não apresentou mudanças significativas nos indicadores, registrando piora em quatro aspectos em relação a 2006: grau de participação dos cidadãos, regime de direito, estabilidade política e controle da corrupção. Nos dois últimos gêneros, o país registrou seus piores desempenhos.

Amanda Costa
Do Contas Abertas

Fonte:http://contasabertas.uol.com.br/noticias/auto=2375.htm

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