A morte de mais um adolescente em cumprimento de medida de internação nas dependências do CAJE ocorrida no último sábado (15/08/2009) reafirma a falência do sistema socioeducativo no Distrito Federal, requerendo providências urgentes.
O descumprimento do que garantem as normas nacionais e internacionais referentes aos adolescentes e jovens em cumprimento de medida socioeducativa continua custando vidas humanas, pondo em cheque a capacidade do Estado em garantir a sobrevivência e dignidade dos cidadãos sob sua custodia.
Nesse momento, responsabilidades precisam ser apontadas e providências imediatas, em forma de políticas públicas, precisam ser tomadas pelas diversas instâncias do Poder Público do DF.
O Poder Executivo precisa assumir que tem falhado na implementação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) no DF, na medida em que não garante a quantidade necessária e a estrutura física e material para as unidades socioeducativas, nem possui a quantidade de servidores suficientes e qualificados.
Todas as unidades do sistema, sem exceção, trabalham com número insuficiente de trabalhadores, sem a qualificação necessária, em condições estruturais precárias e em espaços superlotados ou que atendem número excessivo de usuários.
Só para se ter uma idéia, as quatro unidades de internação do DF (provisória e para cumprimento de medida) possuem capacidades muito acima do que estabelece o SINASE (40 por unidade ou 90 com 3 unidades de 30 conjugadas). O CAJE comporta 160, o CIAGO 144, o CESAMI 120 e o CIAP 100. Ademais, o CAJE (local de mais uma morte sábado passado), convive com superlotação histórica. No dia da morte do adolescente passava de 300 o número de internos.
A realidade não muda em relação às outras medidas. As únicas três casas de semiliberdade que existem são insuficientes, além de não existir casa para as adolescentes do sexo feminino. Os 14 núcleos de Liberdade Assistida funcionam sem a menor estrutura e com número reduzido de pessoal, estando longe de dar conta das 30 Regiões Administrativas do DF.
Basta ouvir os servidores do sistema socioeducativo do DF para constatar a impossibilidade de realizar trabalho socioeducativo de qualidade nas circunstâncias descritas, principalmente no âmbito da internação, onde fica muito difícil realizar outro trabalho para além da contensão.
Todo esse descaso é reflexo da falta de prioridade no âmbito do orçamento público quando o assunto é estruturação do sistema socioeducativo. Em 2008, por exemplo, foram gastos ridículos R$ 563,43 na medida socioeducativa de Liberdade Assistida. Não existe política de formação continuada dos servidores no âmbito do orçamento, nem previsão para construção e estruturação de novas unidades.
Outro ramo que precisa assumir sua responsabilidade no caótico sistema socioeducativo do DF é o Sistema de Justiça (Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e Segurança Pública).
A Defensoria Pública continua sem realizar defesa técnica qualificada dos adolescentes, visto que continua a funcionar sem autonomia e estrutura. Muitos adolescentes recebem medidas mais gravosas e são vítimas de irregularidades sem que tenham defensores públicos com condições de defendê-los.
O Ministério Público, por sua vez, faz opção institucional por contribuir para colocar mais adolescentes e jovens no sistema, mesmo que não possua as condições adequadas de funcionamento. Designa dois promotores para fiscalizar a execução de todo o sistema, garantindo a presença de nove para acusação e responsabilização.
A Segurança Pública, que possui duas delegacias para apurar ato infracional e apenas uma delegacia de proteção da criança e do adolescente, tem se notabilizado por sua repressão, sendo inúmeras as notícias de torturas praticadas nas dependências das delegacias.
Já o Poder Judiciário, que criou nova Vara da Infância e Juventude apenas com atribuições para julgar ato infracional, tem ignorado completamente a excepcionalidade da medida de internação prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente. Além de estar sendo cada vez mais rigoroso no julgamento e manutenção dos adolescentes e jovens no sistema, continua sendo omisso no seu papel de fiscalizar as unidades socioeducativas e garantir a implementação das normas vigentes.
Pela implementação imediata do SINASE e das demais normas de proteção dos adolescentes e jovens do sistema socioeducativo, garantindo:
· A inclusão no orçamento de recursos para construção e estruturação das unidades socioeducativas necessárias para a demanda;
· Criação de rubrica orçamentária para formação continuada dos servidores do sistema socioeducativo;
· Contratação de servidores para superação do déficit atual;
· Aplicação do princípio da excepcionalidade da internação pelo Sistema de Justiça e fiscalização rigorosa do cumprimento da normativa vigente;
· Estruturação e autonomia da Defensoria Pública, garantindo o direito dos adolescentes de acesso qualificado à justiça.
Em 2004 e 2005 diversas mortes de internos ocorreram nas dependências do CAJE, tendo o CEDECA/DF, inclusive, acionado a Comissão Interamericana de Direitos Humanos para concessão de cautelares visando a interrupção do contexto de violação de direitos. Em 2006 e 2008 voltamos a ter mortes, demonstrando a continuidade do problema.
Quantas mortes precisarão acontecer mais para que o Poder Público do Distrito Federal garanta os direitos dos adolescentes e jovens inseridos no sistema socioeducativo?
Brasília, 18 de agosto de 2009
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