Infância Urgente

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Arrocho fiscal para um Fundo inexistente

Não bastasse o corte de recursos feito em abril deste ano, por meio do decreto que
contingenciou R$ 19,2 bilhões no Orçamento Geral da União1, o governo anuncia que
vai passar a tesoura novamente com o objetivo de obter recursos para aumentar o superávit primário em mais de R$ 14 bilhões de reais, para o reajuste de 8% no valor destinado às famílias atendidas pelo Programa Bolsa Família e para a formação do Fundo Soberano do Brasil. O chamado esforço fiscal — que para muitos é fundamental pois reduz os gastos públicos e, com isso, cria melhores condições de combater a inflação — reduz a capacidade de investimento do Estado, comprime a expansão dos gastos sociais e acarreta uma desaceleração no ritmo de crescimento econômico do país. Esse enxugamento de recursos previstos no orçamento da União pode afetar negativamente a programação da execução das políticas públicas dirigidas ao atendimento das necessidades básicas da população, à garantia de direitos e ao combate às desigualdades.

A falta de transparência e o desencontro de informações publicadas em vários veículos
da grande imprensa não permitem formar um quadro da real intenção do governo. Além
da notícia do corte de recursos orçamentários está previsto também que uma parte dos
recursos necessários para o aumento do superávit primário destinado ao Fundo Soberano
do Brasil será composto pelos dividendos que as empresas estatais devem remeter ao
Tesouro Nacional, por ser a União a controladora dessas empresas. Este seria o caso,
principalmente, do BNDES e da Petrobrás. Até o momento o governo não vinha sendo
tão rigoroso com o repasse desses recursos para os cofres do Tesouro, e permitia que
dividendos e royalties fossem empregados em novos investimentos.

Contudo, o chamado Fundo Soberano tem sido objeto de polêmicas entre os integrantes
da equipe econômica, não se sabendo ao certo seus objetivos, pois ele inexiste enquanto instrumento legal. Especula-se que o fundo poderá ter como principal atribuição engordar a poupança fiscal do país. Seus recursos poderão ser utilizados como instrumento de política cambial no âmbito do Ministério da Fazenda. Hoje essa função tem sido monopólio do Banco Central, que é cúmplice do mercado financeiro.
Do que se pode apurar até o momento, o esforço fiscal que aumenta o superávit
primário de 3,80% para 4,30% do Produto Interno Bruto - PIB será composto, portanto,
de várias fontes: do orçamento (cortes nas despesas obrigatórias e discricionárias), das empresas estatais e do excesso de arrecadação. De todas essas fontes serão retirados recursos que poderiam alavancar o desenvolvimento do país, gerando mais empregos e aplicações em políticas públicas promotoras de direitos. Isto para depositar num tal Fundo que não existe ainda, pois não passa de uma idéia do ministro da Fazenda que tem que passar pelo Legislativo para se tornar realidade.
Segundo o ministro Paulo Bernardo, do Planejamento, em entrevista coletiva no
dia 25 último, nada será feito com esse dinheiro, pois o Fundo não existe. Ele será
“entesourado” exatamente para enxugar o volume de dinheiro que circula na economia
e, com isso, controlar a inflação. Inflação essa que, segundo os críticos dessas medidas,não é gerada por problemas internos, de excesso de demanda. É uma inflação importada.

Está vinculada, em grande medida, à elevação dos preços internacionais dos alimentos
(commodities) e do petróleo, causada pela especulação financeira.
O fato é que a inflação não ultrapassou o centro da meta oficial em 2008, que é de
4,5%. Além disso, o regime brasileiro de metas para a inflação tem alguma flexibilidade,o índice continua abaixo do teto da meta, que é de 6,5%. De acordo com Paulo Nogueira Batista Jr.2, dos países que adotam o regime de metas, o Brasil é um dos poucos que estão conseguindo cumpri-la. Na grande maioria dos casos, a inflação ultrapassou o teto fixado, em alguns deles por larga margem.

Mais uma vez fica evidente a política de enxugamento dos gastos públicos. É
preocupante que o governo adote novamente a elevação do superávit primário para manter sua política econômica, retirando recursos do orçamento destinado à execução das políticas públicas. Segundo dados do IPEA3, o superávit previsto para este ano de 3,80% do PIB,fechou o quadrimestre em 6,80% do PIB. Em 2007, no mesmo período, foi de 6,31% e em 2006 foi de 5,58% do PIB, sempre muito acima do que estava previsto nas leis orçamentárias. Os resultados do primeiro quadrimestre revelam ainda que o Brasil alcançou, inclusive, superávit nominal. A economia nas contas públicas foi suficiente para pagar todos os juros de dívida previstos para o período (R$ 54,85 bilhões) e ainda deixou um saldo positivo no quadrimestre.

Enquanto o recorde de superávit primário é batido até agora, é crítica a situação
da execução orçamentária de 2008. Segundo dados do SIAFI4 Disponibilizado pelo
portal Siga Brasil, disponível em www.senado.gov.br, somente 33,58% do orçamento
total autorizado foi executado até o dia 26 de junho, ou seja, a poucos dias do
encerramento do primeiro semestre. Algumas Funções que interessam aos defensores
de um orçamento voltado para a promoção e garantia de direitos estão com uma
execução irrisória até essa data. Este é o caso de Direitos de Cidadania, (11% executados),Cultura (10,83%), Saneamento (2,73%), Organização Agrária (5,90%), somente para citar algumas Funções.

A execução do item Investimentos que integra o Grupo de Natureza de Despesas
(GND) apresentou o vergonhoso patamar de 1,90%. Isto em tempos de PAC, programa
prioritário de governo que só é alimentado pelos recursos advindos desse GND
2). Ou seja, dos R$ 40 bilhões autorizados para serem gastos durante o ano, somente R$ 583 milhões foram liquidados, apesar de mais de R$ 10 bilhões já terem sido empenhados.

No entanto, não se pode esquecer que este é um ano de eleições municipais e que a
efetivação das despesas está subordinada aos prazos previstos pela legislação eleitoral. Bom lembrar também que a lei orçamentária de 2008 só foi aprovada pelo Legislativo em meados de março.

Por outro lado, os compromissos com a dívida financeira são prontamente atendidos.
Não há problemas de execução. Isto fica claro ao observar o GND que contempla Juros
e Encargos da Dívida, cuja execução já alcançou os 38,66%, até 26 de junho último.
Essa subordinação do orçamento à lógica de “mercado” leva ao pronto atendimento
de suas necessidades. É ela que orienta toda a elaboração, a aprovação e a baixa execução do orçamento. É o que determina a elevação e os recordes do superávit primário; o aumento do contingenciamento de recursos; a elevada taxa de juros e o desvio da super arrecadação para compor fundos inexistentes. Enquanto isso, os investimentos essenciais para o crescimento do país, para a geração de empregos e a aplicação em políticas públicas promotoras de direitos se subordinam a essa lógica perversa, ficando com o que resta depois de tantos cortes. E o controle social, mais uma vez, prejudicado pela falta de transparência das decisões de governo.

Eliana Magalhães Graça
Evilásio Salvador
Assessores de Política Fiscal e Orçamentária

Fonte: Boletim INESC

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