Infância Urgente

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Corte de verbas ameaça enfrentamento ao trabalho infantil

por lucosta

O enfrentamento à exploração da mão-de-obra infantil pode ficar prejudicado por causa de cortes sofridos no orçamento do principal programa do governo federal voltado à resolução do problema, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti).

Levantamento realizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostra que, em 2007, a dotação inicial, ou seja, o recurso previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA), era de R$ 376,8 milhões. Em 2008, o valor caiu para R$ 286,4 milhões. Mesmo assim, nem toda essa quantia foi autorizada pela Presidência da República, que ainda retirou outros R$ 23,7 milhões do programa este ano.

Para Lucídio Bicalho, assistente de Política Fiscal e Orçamentária do Inesc, o corte indica pouca prioridade dispensada ao problema porque os recursos estariam sendo remanejados para outros setores. Segundo ele, o corte não ameaça o programa como um todo, mas pode reduzir sua efetividade. As metas físicas, que são os resultados que o Governo planeja alcançar com execução financeira das ações, ficam ameaçadas quando acontecem cortes.


Programa Na Mão Certa: Quais foram as perdas já contabilizadas em relação ao PETI em 2008?

Lucídio Bicalho : Em 2008, o valor inicial aprovado para o PETI foi de R$ 335,7 milhões. Esse valor é 10,9% menor do que o aprovado em 2007, de R$ 376,8 milhões. Isso representa uma perda de R$ 41 milhões, sem considerar a inflação. Até o dia 27 de junho, o Governo Federal só havia liquidado R$ 134,8 milhões dos R$ 335,7 milhões aprovados pelo Congresso Nacional. Portanto, a execução foi de apenas 40,3% do valor inicial. Não é um percentual ruim, mas também não é o ideal, já que estamos na metade do ano.

PNMC: O que esse corte representa para o programa?

LB: A implementação do programa ocorre mediante a execução de ações (projetos, atividades) que atacam as diferentes causas do problema. O corte orçamentário no programa significa que suas ações terão um impacto menor na sociedade. Haverá um ataque mais tímido do programa sobre as causas do trabalho infantil. O corte implica uma perda de créditos orçamentários para as principais ações que compõem o PETI. A ação “Ações Socioeducativas e de Convivência para Crianças e Adolescentes em Situação de Trabalho”, por exemplo, perdeu R$ 29,9 milhões - o valor inicial era de R$ 316,3 milhões em 2007 e passou para R$ 286,4 milhões em 2008. A ação “Concessão de Bolsa a Crianças e Adolescentes em Situação de Trabalho” perdeu R$ 12,1 milhões - seu valor inicial era de R$ 58,7 milhões em 2007 e passou para R$ 46,6 milhões em 2008. Essas perdas estão em valores nominais e seriam bem maiores se os valores de 2007 fossem atualizados pela inflação.

PNMC: Como esse corte afeta o programa de enfrentamento à exploração de mão-de-obra infanto-juvenil?

LB: O corte não ameaça o programa como um todo. Mas é claro que sua efetividade será menor. As metas físicas, que são os resultados que o Governo planeja alcançar com execução financeira das ações, ficam ameaçadas quando acontecem cortes. Isto é, estamos partindo do pressuposto de que o planejamento é real e sério. O Governo é quem deve responder se as metas físicas ficarão abaixo do previsto. Para a sociedade civil, é muito difícil fazer o monitoramento de resultados concretos. Sabemos o valor que está sendo gasto, mas não temos a mesma facilidade para saber quais os resultados gerados. Hoje, o público não tem acesso facilitado aos resultados concretos. As informações estão dispersas.

PNMC: O PETI tem se mostrado eficiente no enfrentamento à exploração de crianças e adolescentes? Por quê?

LB: Se analisarmos alguns dados, veremos que os índices de trabalho infantil têm caído bastante nos últimos anos. Isso se deve, principalmente, à melhora das condições econômicas do país. Há um impacto positivo das políticas sociais do Estado, mas insuficiente. Os dados disponíveis mostram que houve uma significativa redução desse fenômeno desde 1996. A Pnad de 1996 indicava que trabalhavam 15% das crianças e dos adolescentes entre dez e 14 anos. Uma pesquisa posterior constatou que esse índice caiu para 7% em 2005.

Em 2006, de acordo com o IBGE, 5,1 milhões de crianças e adolescentes na faixa de 5 a 17 anos de idade estavam trabalhando. Segundo o Governo, nesse mesmo ano, o PETI atendeu 1 milhão de crianças e adolescentes em 3.388 municípios. Significa que não se atendeu a previsão de 3,2 milhões de crianças/adolescentes previstos na Lei Orçamentária Anual naquele ano. Ou seja, ao fim do exercício 2006, o programa atingiu somente 30% da meta física planejada. Atualmente, o PETI atende 883 mil crianças e adolescentes com bolsas. O Estado deixa de atender mais de 4 milhões de crianças e adolescentes em situação de trabalho ilegal. Não podemos desconsiderar outros programas, como o Bolsa Família, que, de forma complementar ao PETI, estão ajudando a combater o trabalho infantil. Mas estamos muito longe de uma solução para o problema. As atividades oferecidas, nem sempre, são de qualidades. São desconectas do mundo da informação, da tecnologia, do conhecimento digital. Se as crianças e os adolescentes forem atendidos com serviços ruins, aumentam as chances de retornarem às situações de trabalho.

PNMC: De que forma o Governo poderia investir melhor os recursos para eliminar definitivamente esse problema?

LB: O programa precisa contemplar a criança e o adolescente como sujeitos de direitos indivisíveis. Isso significa que as ações do programas precisam trabalhar pelos direitos da criança e do adolescente na sua integralidade: os direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais. Por exemplo, as formações que são oferecidas precisam trabalhar conteúdos atrativos e que enriqueçam esse público do ponto de vista da formação humana. Essas crianças e adolescentes recebem uma noção do que é viver coletivamente, em sociedade? Aprendem uma noção mínima do que é uma democracia? Quais são seus direitos políticos e civis? As crianças têm formação em música, dança e tecnologia? Os cursos oferecidos possuem profissionais qualificados para darem essas aulas? Portanto, além de triplicar o valor destinado ao programa, o Governo deve melhorar a qualidade do serviço prestado. A OIT (Organização Internacional do Trabalho) defende que a erradicação do trabalho infantil passa pela educação de qualidade. Isso significa que o Governo deve investir mais e melhor em educação. É preciso expandir a jornada escolar no Brasil e, ao mesmo tempo, melhorar a qualidade do serviço prestado à sociedade. Isso exige qualificar e contratar mais professores. A educação deve ser a principal prioridade de qualquer governo. Isso exige responsabilidade, compromisso e investimento alto.

PNMC: De que forma a erradicação do trabalho infantil refletiria na sociedade atual?

LB: Segundo estudo da OIT/Unicamp, se o trabalho infantil fosse erradicado, isso provocaria uma queda de 1% na renda nacional. O país levaria cinco anos para recuperar a perda, mas, em dez anos, a renda nacional aumentaria 35%. Dados da PNAD de 2001 revelam que, em 37% das famílias urbanas e 47% das rurais, a contribuição das crianças para a renda familiar é de mais de 20% e, em mais de 12% das famílias, ultrapassa 40%.

Veja o exemplo da Coréia do Sul, que era um país pobre há pouco mais 50 anos. Hoje, é um país rico. Para chegar a esse resultado, o país investiu muito na educação. Lá, as crianças e os adolescentes estudaram no passado, não estavam em situação de trabalho. Desenvolvimento não é só riqueza. Por isso, não tem como pensar em desenvolvimento se os direitos a um meio-ambiente preservado, à equidade de gênero, à educação, à cultura, aos direitos políticos e civis estão sendo violados.

O trabalho infantil é uma ancora que impede o Brasil de se desenvolver. Em geral, a pobreza é a causa para o trabalho infantil, e as crianças operárias realimentam o ciclo de pobreza. Isso porque é alta a probabilidade de se tornarem a nova geração de pobres. A criança que trabalha tem mais chance de ser a semente da miséria futura. São gerações expostas a vários tipos de violências e ausências de direitos. O país perde. Mas, quem perde mais é quem vive essa situação de violação. O país tem a história pela frente para corrigir esse erro. A criança tem sua vida comprometida, porque vai receber uma remuneração menor pelo resto da sua vida em relação àquela pessoa que teve oportunidade de desenvolver habilidades técnicas, matemáticas e humanas durante a infância.

Fonte:http://www.inesc.org.br/noticias/noticias-do-inesc/corte-de-verbas-ameaca-enfrentamento-ao-trabalho-infantil

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