terça-feira, 18 de novembro de 2008
REFÉNS DO ABANDONO: A vida depois da violência sexual 2
Onde o Estado não alcança
A principal política pública para atender crianças e adolescentes vítimas de abuso e exploração sexual só existe em 22% dos 5.564 municípios brasileiros.Os Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas) — para onde são encaminhados meninos e meninas que sofreram agressões e negligência — funcionam em apenas 1.230 cidades.Nos lugares onde não há Creas, as vítimas ficam sem qualquer amparo para superar o trauma da violência sexual.
A ajuda precária pode ser medida em números.Diariamente, a Secretaria Especial de Direitos Humanos recebe 360 denúncias referentes a violência sexual.Mas os Creas só têm capacidade de atender uma média de 158 pessoas por dia.Ou seja, mais da metade dos casos fica sem assistência. “A rede não dá conta de auxiliar todas as vítimas”, reconhece a subsecretária de Promoção aos Direitos da Criança e do Adolescente,Carmen Oliveira.
Essa realidade poderia ser muito diferente.Uma economia de apenas 4% nas despesas do governo com energia elétrica permitiria dobrar o investimento no combate à violência sexual contra crianças e adolescentes. A conta de luz da União custa R$ 1,14 bilhão por ano. Até 15 de outubro de 2008, foram aplicados R$ 47,5 milhões para atender vítimas de abuso e exploração sexual.O levantamento foi realizado pela ONG Contas Abertas, a pedido do Correio. Além de escasso, o recurso é distribuído de forma desigual.Dos R$ 47,5 milhões gastos de janeiro a outubro, o Ministério do Desenvolvimento Socia l e Combate à Fome (MDS) recebeu R$ 40,5 milhões, 85% do total. Esse valor foi investido na implantação de Creas e no pagamento de profissionais.“O combate ao abuso e à exploração sexual deve envolver diferentes atores”, aponta Neide Castanha, secretária-executiva do Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes.
Valéria Gonelli, diretora do Departamento de Proteção Especial do MDS,ressalta o esforço do governo federal em ampliar a assistência. Ela argumenta que, há três anos, os centros existiam somente em 316 cidades. “Trabalhamos para levar o serviço a todos os municípios onde há risco de violência sexual, mas nossa maior dificuldade está em descobrir onde a necessidade é mais urgente”, justifica. “É algo que, quase sempre, acontece entre quatro paredes.”
REDE DE ATENDIMENTO A CRIANÇAS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL COBRE APENAS 22% DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS.PREFEITURAS TÊM DIFICULDADE EM CONTRATAR E MANTER
PROFISSIONAIS ESPECIALIZADOS NA ASSISTÊNCIA INFANTIL
Situada a 58km de Natal,a pacata cidade de Goianinha é um dos milhares de municípios brasileiros onde crianças e adolescentes não contam com uma rede de proteção social contra a violência e exploração sexual. “As meninas daqui vão para a Praia da Pipa,
onde fazem programas com turistas em troca de dinheiro ou presentes”, reclama Dione Maria Almeida, assistente social da prefeitura de Goianinha.
Há anos a prefeitura da cidade potiguar reivindica a construção de um Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas). Mas a parceria necessária
para instalar a unidade ainda é irreal. Dione Almeida ressalta que um Creas com serviço voltado ao apoio das famílias seria um aliado importante na luta contra
a exploração.
Nos 4.334 municípios não atendidos pelos Creas, o desamparo é a regra. As vítimas acabam sem atenção especializada e os casos de violência sexual contra crianças e adolescentes aumentam. Onde o Estado não está, o terreno fica livre para a atuação
de abusadores e de exploradores.
Em Natal, o Creas funciona em uma casa ampla na área central da cidade. No local, trabalham duas psicólogas, duas assistentes sociais, um assessor jurídico, seis educadores sociais, além de motorista, vigia e recepcionista. Com essa organização, o Creas realizou 155 atendimentos a vítimas de violência sexual só no primeiro
semestre deste ano. Mesmo com boas condições de trabalho, há fila de espera para a assistência psicológica. Além da grande procura, uma falha compromete a qualidade
do acolhimento das vítimas: a alta rotatividade. A maioria dos profissionais tem contratos temporários e fica apenas um ano em atuação. O entra-e-sai de funcionários
confunde as crianças. Depois de um longo processo para conquistar a confiança das vítimas,a equipe precisa deixar o posto. A ajuda é interrompida, o trauma persiste.
Silvia, de 14 anos, foi abusada pelo padrasto aos 10. Ao ouvir os relatos desesperados da menina,a mãe achou que tudo não passava de uma fantasia infantil e ficou ao lado do marido. Silvia teve que sair de casa para viver em um dos abrigos de Natal e hoje recebe atendimento no Creas. “Eu gosto de vir conversar com a psicóloga, me ajuda bastante”, conta Silvia.
Mas ao chegar ao centro em uma segunda-feira de setembro, a menina perguntou: “Cadê a psicóloga que participou do nosso grupo na semana passada”? Descobriu que a funcionária havia deixado o cargo após o fim do contrato.
Creas
Os Centros de Referência Especializados de Assistência Social são básica de psicólogo,assistente social e advogado.
Os profissionais têm a missão de acolher as vítimas, minimizar o sofrimento e abrir caminho para a punição dos agressores.Além dos casos de violência sexual, os Creas
devem proteger crianças que estejam sofrendo violência física, negligência,abandono, ameaças e maus-tratos.São,ainda, responsáveis por fiscalizar adolescentes em
cumprimento de medida socioeducativa, liberdade assistida ou prestação de serviços à comunidade
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