Infância Urgente

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

REFÉNS DO ABANDONO: A vida depois da violência sexual 8


Agressores impunes, crianças refugiadas

Omecânico Agenor, de 47 anos, estuprou duas filhas,agrediu a mulher e fez ameaças para que as vítimas não denunciassem a violência sofrida. E depois dessa série
de brutalidades, quem perdeu a liberdade não foi o agressor,mas sim as meninas abusadas por ele. Agenor está livre. Sua mulher, a dona-de-casa Maria da Luz, 39 anos, teve que sair de casa aos oito meses de gravidez, ao lado dos onze filhos do casal. Hoje, as vítimas vivem espalhadas entre dois abrigos de João Pessoa,enquanto o criminoso que lhes tirou a dignidade circula à vontade pela capital paraibana.

Em casos de violência sexual em que o agressor faz parte do círculo familiar, é comum as vítimas deixarem o lar para escapar do abuso. A lógica se inverte:sem determinações legais para tirar os criminosos de casa ou assegurar a prisão preventiva deles, famílias inteiras precisam ser alojadas em abrigos para escapar
da violência. Tornam-se prisioneiras ao passo que abusadores e exploradores ficam livres e, muitas vezes, impunes.“Procurei o Creas e o conselho tutelar, mas tinha que ir sempre escondido. Quando ele descobriu que eu estava buscando ajuda, chegou em casa com dois facões e colocou embaixo do colchão. Disse que se eu falasse
sobre os estupros me mataria”, revela Maria da Luz.

A impunidade é comum nos casos de abuso sexual, o que só aumenta a dor das vítimas. Delegados e promotores não conseguem reunir as chamadas provas materiais, que dão maior segurança para que a Justiça decrete as condenações. Os juízes, por sua vez, resistem a punir os agressores tomando por base apenas o testemunho das crianças e adolescentes. “A história que se repete é a palavra delas (vítimas) contra a deles (agressores). Mas delegados e juízes têm medo de sair em defesa das meninas”, reclama Ana Lúcia Mesquita, presidente do Conselho Tutelar de Manacapuru,no Amazonas.

Quando acontece dentro de casa, o abuso costuma ser praticado por anos até que seja denunciado. No momento em que a situação de violência se torna pública, os sinais das agressões já desapareceram do corpo da vítima. “O ideal é solicitar exames de conjunção carnal, pesquisa de espermatozóide, análise de roupas, exame de lesão corporal, além de fazer a análise da região anal. Mas são raros os casos de flagrante, porque as vítimas só fazem os exames muitos meses depois da agressão”,
explica a delegada de Proteção à Criança e Adolescente de Natal,Adriana Shirley.

O silêncio e a negligência das mães das vítimas também contribuem para proteger os agressores. A maioria não enfrenta a situação como fez a paraibana Maria da Luz. Ao contrário, prefere acreditar que tudo não passa de uma história inventada pela
criança. Assim, a Justiça também encontra problemas para reunir testemunhos. “Além da
dificuldade de produção de provas,a maior barreira é a atitude de conivência assumida pela família. Como na dúvida temos que absolver os acusados, isso
atrapalha muito”, explica o juiz Max Nunes, do município paraibano de Mamanguape.

Manacapuru

O caso da amazonense Janaína,de 12 anos, é exemplar nesse sentido. A menina começou a
ser violentada pelo pai aos 6 anos, no município de Manacapuru. A denúncia veio quando uma professora desconfiou do agressor. “Eu já não agüentava mais. Ele prometeu parar, mas nunca parou”, desabafa a menina, que está protegida em um
abrigo de Manaus. O crime é do pai. Mas a pena está sendo cumprida pela adolescente.
O caso foi denunciado à polícia pelo conselho tutelar da cidade. Janaína passou por um exame pericial que recolheu esperma do agressor do corpo dela. Mas, enviado a Manaus, onde seriam feitos testes mais detalhados, o material estragou por falta
de acondicionamento adequado.

Na delegacia, a mãe e os vizinhos testemunharam em favor do agressor. Disseram que ele era um excelente pai. “O caso dela é revoltante. O abusador não passou um dia sequer na cadeia”, indigna- se a conselheira tutelar Ana Lúcia Mesquita.

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