Infância Urgente

terça-feira, 18 de novembro de 2008

REFÉNS DO ABANDONO: A vida depois da violência sexual 1



ÉRICA MONTENEGRO E
HELENA MADER

DA EQUIPE DO CORREIO BRASILIENSE

O primeiro capítulo desta história já foi contado.Na beira das praias,nas rodovias,no centro das metrópoles,meninas e meninos vendem o corpo em troca de
comida,presentes ou algum dinheiro.Dentro do lar,crianças são estupradas ou têm a
intimidade violada por pais, padrastos e vizinhos.Cenas e dramas como esses causam
indignação à opinião pública, mas caem no esquecimento.O que permanece obscuro é o capítulo seguinte ao abuso,ao estupro,à exploração.Quando meninos e meninas precisam de auxílio para retomar o curso de suas vidas,encontram o desamparo.

Enquanto as vítimas sofrem com traumas,gestações indesejadas e a solidão dos abrigos,os agressores quase sempre estão impunes.Neste caderno especial,o Correio
mostra que,depois da violência,crianças e adolescentes ficam sem atendimento psicológico,jurídico, médico e social.Abandonados, amargam a dor e a vergonha dos
crimes cometidos por adultos.

O desafio de investigar

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em vigor há 18 anos, determina que as políticas públicas para a infância e a juventude sejam prioridades absolutas no país.Os cidadãos com até 18 anos merecem preferência na prestação de socorro em quaisquer circunstâncias.No caso das vítimas de abuso e exploração sexual, o que se vê é o descumprimento das normas legais e o abandono de quem sofreu as agressões no corpo e na alma.

Para desvendar o que acontece depois da violência, o Correio entrevistou 37 crianças e adolescentes e 110 pessoas envolvidas com a proteção dos direitos da infância, como promotores, juízes, conselheiros tutelares, delegados e representantes de ONGs.Durante 29 dias, duas equipes de reportagem visitaram 17 municípios em quatro regiões brasileiras, além do Distrito Federal.Ao todo, foram 15 mil quilômetros percorridos de avião, carro, ônibus e barco.

O acolhimento é longe do ideal tanto nas capitais como nos grotões do país.Sem
a atenção que as faça recuperar a auto-estima e os planos para o futuro, as vítimas
tornam-se pessoas inseguras, agressivas, propensas a vícios e com dificuldades de
manter relacionamentos.Nas confidências de quem viveu a agressão e nos relatos
dos especialistas,o mesmo tom de abandono.Em todos os locais visitados, há falhas
desde a apuração da denúncia até a responsabilização do agressor.

Pela filosofia do ECA, as vítimas seriam amparadas por uma rede de proteção assim que as situações de abuso ou exploração sexual fossem descobertas. Esse atendimento deveria incluir assistência médica, psicológica, social e jurídica.As crianças teriam direito ainda a uma atenção especial no ambiente escolar, para que não fossem discriminadas, nem tivessem a educação prejudicada. Mas, na prática,o que se vê é um jogo de empurra entre as autoridades e instituições.De um ponto da rede para o outro, as crianças passam por inúmeros “encaminhamentos”, sem que ninguém assuma efetivamente a responsabilidade pelo tratamento garantido em lei.Abaixo, um fluxograma mostra o esquema ideal de atendimento de acordo com a legislação.Nas páginas seguintes,uma representação gráfica vai identificar em que momento ocorre a falha na assistência a meninos e meninas atingidos pela violência sexual.

Em respeito ao ECA,todos os nomes de crianças,adolescentes e respectivos parentes citados no caderno são fictícios.

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