terça-feira, 18 de novembro de 2008
REFÉNS DO ABANDONO: A vida depois da violência sexual 4
CLARA, 12 ANOS, GRÁVIDA DE SEIS MESES APÓS SOFRER ABUSO DO PADRASTO DE 51 ANOS EM MANAUS.A VIZINHANÇA SABIA DO CASO, MAS NÃO DENUNCIOU À POLÍCIA. A MENINA MORA EM UM ABRIGO
Osilêncio é o maior inimigo do tratamento das crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. Quanto maior a demora para denunciar os casos, mais graves
são as conseqüências deixadas na alma e no corpo de meninos e meninas. As vítimas são
encaminhadas ao tratamento apenas quando os sinais da violência já não podem ser escondidos.
Nos hospitais, o abuso e a exploração chegam como problemas de saúde. São barrigas
indesejadas, doenças venéreas,transtornos mentais.Clara, 12 anos, serviu sexualmente
ao padrasto, um homem de 51 anos, durante doze meses. Toda a vizinhança sabia da relação entre a menina e o militar aposentado, mas ninguém denunciou o crime à polícia. Seduzida pelo homem que chamava de pai, Clara se via no lugar da
mãe. “Ela (a mãe) largou a gente.Ele disse para a gente formar uma boa família. Eu aceitei”, conta. Ao chegar ao abrigo Mamãe Margarida, de Manaus, a menina ainda não entendia que havia sido violentada. Apenas quando a gravidez de Clara passou a ser visível, o caso chegou à polícia. O abusador foi preso preventivamente. A vítima
foi mandada ao abrigo da capital do Amazonas. Mas o prazo de vinte e duas semanas de gestação, que permite o aborto legal, já havia sido ultrapassado. Clara assumiu
a gravidez indesejada. “Vou ter meu filho e cuidar dele, ainda não sei como”, reconhece a menina,com as mãos sobre a barriga de seis meses. O nascimento do
bebê será a oportunidade para fazer o exame de DNA e comprovar a culpa do padrasto.
“As vítimas costumam chegar aqui quando a situação bateu no teto, no insustentável, no indisfarçável”, afirma a coordenadora do programa de saúde Pro-Paz Integrado, Eugênia Fonseca. O Pro-Paz, como é mais conhecido,funciona em um anexo do Hospital
Santa Casa, em Belém.
No ano passado, 803 vítimas foram atendidas no Pro-Paz, 35 delas ficaram grávidas em decorrência da violência. O aborto só foi realizado em 13 casos, já que as outras
haviam chegado depois das 22 semanas de gestação. Outras duas meninas encaminharam os
bebês para a adoção. “Em caso de gravidez, o mais normal é que elas cheguem depois do prazo permitido para o aborto. Nosso trabalho passa a ser convencêlas a não rejeitar a gravidez”, lamenta Eugênia Fonseca.
Falhas na notificação O protocolo de atendimento do Ministério da Saúde determina
as condições de assistência médica — com profissionais especializados e uma extensa bateria de exames — para as vítimas de violência sexual. Mas a maioria dos hospitais não tem equipe capacitada para prestar esse nível de atendimento. E a vítima chega
num momento de fragilidade tal que não consegue exigir nada.
Nas cidades pequenas, o problema é ainda mais grave: as vítimas são encaminhadas à capital do estado ou a cidades de maior porte para que possam se submeter aos exames necessários.
O cumprimento do protocolo médico também ajudaria no processo de responsabilização do
agressor, já que os profissionais de saúde comprovariam a violência e retirariam do corpo da vítima o material necessário para constituir as provas judiciais. Na prática, entretanto, há médicos que até se recusam a emitir o laudo por não ter experiência em perícia e encaminham as vítimas ao IML. "Elas passam por um segundo
sofrimento, uma segunda vitimização ao expor o corpo violado para diferentes profissionais",afirma Graça Gadelha, socióloga e consultora do Programa Partners of the Americas (Companheiros da América).
Também há falhas na notificação da violência na rede de saúde. Os médicos e enfermeiros que constatam uma agressão sexual muitas vezes deixam de dar o devido encaminhamento ao caso, como notificar o conselho tutelar. “Há profissionais que ficam com receio de fazer a notificação por acharem que estarão fazendo uma denúncia e que isso, de certa forma, pode envolvêlos em um procedimento judicial”,explica a coordenadora de Saúde do Adolescente e do Jovem do Ministério da Saúde, Thereza
de Lamare.
Em 2006, o governo federal criou o Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva), que vai organizar os dados sobre acidentes, suicídios e violência contra a mulher, a criança e o adolescente. O primeiro levantamento do sistema, realizado no
ano passado em 84 unidades de sa úde de 37 municípios, mostrou que a agressão sexual é a primeira causa de atendimento a meninas de 0 a 9 anos. Dos 1.939 registros de violência contra crianças,43% eram referentes a abuso ou exploração sexual. “A implantação do Viva vai resolver o problema da notificação de violência sexual na rede de saúde”, acredita Thereza de Lamare.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário