Infância Urgente

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

REFÉNS DO ABANDONO: A vida depois da violência sexual 6


Almas em sofrimento

Osofrimento das vítimas de violência sexual se traduz em agressividade,revolta,
timidez e insegurança. A dor de ter o corpo violado provoca danos psicológicos
graves, que poderiam ser evitados ou minimizados com um acolhimento eficiente. Mas depois do abuso ou da exploração sexual, a maioria dos meninos e meninas tem mais um direito violado: fica sem atendimento e não recebe o apoio de profissionais como psicólogos, assistentes sociais ou pedagogos.

Distúrbios mentais, comportamentos compulsivos, dificuldade de desenvolver laços afetivos e promiscuidade são algumas das conseqüências deixadas pelas situações de violência sexual. A maneira de lidar com esses problemas precisa ser elaborada
de acordo com a experiência de cada vítima. “O abuso deixa diferentes marcas. Depende
do tipo de violência, da idade em que ela começou a ser praticada,do tempo que durou e de quem a praticou”, explica Eva Faleiros, pesquisadora do Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes (Cecria). Ela acrescenta que, quanto maior a proximidade entre a vítima e o agressor,mais difícil fica o tratamento.

As evidências do abuso ficaram claras no comportamento de Simone, 9 anos. Nas ruas do
pequeno e miserável município de Mamanguape, no brejo paraibano,ela foi estuprada por
um desconhecido. Após a violência brutal, passou a se comportar de maneira diferente. Ficou agressiva e desaparece de casa sempre que pode. Diante do problema, o padrasto da menina, um desempregado de 41 anos, decretou: não quer mais Simone por perto. Está em busca de um abrigo e já procurou a Justiça para dizer que prefere
“dar a menina”. “Vou acabar na cadeia por causa da garota. É só a gente se distrair que ela desaparece.

Não quero mais ficar com a menina em casa”, explica o padrasto, como se falasse de
uma mercadoria defeituosa.Ainda com a família, ouvindo as discussões sobre seu destino,ela brinca de boneca, alheia a tudo. As marcas do estupro se tornaram difíceis de apagar e as conseqüências ficaram evidentes nos atos e na revolta de Simone.“Aquele homem fez coisas muito ruins comigo, tenho vergonha só de lembrar”, conta a menina, com um riso de constrangimento e as mãos sobre o rosto. Como a família demorou a denunciar o caso, o início do atendimento psicológico e social
também atrasou. Simone passou mais de seis meses sofrendo em silêncio.

As autoridades de Mamanguape discutem o futuro de Simone.A promotora de Justiça
local, Ana Maria França, revoltase com o caso. “É um absurdo a família querer entregá-la à Justiça só porque ela passa por uma fase difícil. Quando ela mais
precisa de apoio e carinho, falam em mandá-la embora de casa”,desabafa. “Ela só precisava de um tratamento psicológico,não de um abrigo”, acrescenta a
promotora.

Revolta interior A revolta é recorrente entre as vítimas de violência sexual. “Muitas
meninas que sofrem abuso ou foram exploradas sexualmente chegam aqui agressivas, inquietas,com uma revolta muito grande por conta desse histórico de violência”, conta Sayonara Dias, diretora do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente
Casa Renascer, em Natal. A ONG oferece atendimento de referência às crianças e adolescentes que não têm espaço na rede pública de acolhimento.

Marcela, 15 anos, está na Casa Renascer. O sorriso no rosto da adolescente disfarça o passado de sofrimento. Depois de dois anos de ajuda psicológica, ela começou a superar a dor de ser estuprada pelo próprio pai. “Quando ela chegou aqui, juntamente
com a irmã mais nova,não conseguia nem mencionar o abuso. Agora, com apoio psicológico,Marcela começou a escrever uma nova história”, comenta Sayonara.“Meu pai me estuprou e fez o mesmo com duas das minhas irmãs.

A mais nova teve até perfurações no útero e precisou fazer cirurgia”, conta Marcela. Apesar do acompanhamento profissional,a adolescente ainda demonstra ódio pelo sexo masculino — sentimento comum entre vítimas de abuso sexual. “Homem nenhum presta. Não quero nunca saber de filhos, muito
menos de marido”, afirma.

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