Infância Urgente

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

O aborto inseguro está matando adolescentes e jovens negras na Bahia

É o que aponta o estudo Dossiê sobre a Realidade do Aborto Inseguro na Bahia: a Ilegalidade da Prática e seus Efeitos na Saúde das Mulheres em Salvador e Feira de Santana que foi lançado nesta sexta-feira, 5/12, na capital baiana, pelo Instituto Mulheres Pela Atenção Integral à Saúde e aos Direitos Sexuais e Reprodutivos, com o apoio da Sociedade de Ginecologia da Bahia e da Rede Feminista de Saúde.

Com uma população majoritariamente negra, a Bahia figura entre os estados com os índices mais baixos de escolarização, cobertura da rede pública de saúde e de qualidade da assistência à saúde. E de acordo com o documento elas são na sua grande maioria jovens, pardas e negras, com concentração na faixa de 20 a 29 anos. Cerca de 67% delas tem até 22 anos e 25% são adolescentes.

O impacto da ilegalidade do "ABORTO na VIDA DAS MULHERES: realidade e desafios", organizada pelo IMAIS em parceria com a Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos, o Grupo Curumim, o CFEMEA, as Católicas pelo Direito de Decidir - CDD e as Jornadas pelo Direito ao Aborto, com o patrocínio do IPAS e o apoio da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia da Bahia - SOGIBA e da Pathfinder do Brasil, apresentado e debatido nesta sexta-feira em reunião na Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia da Bahia (SOGIBA), com palestra de Maria José de Oliveira Araújo, coordenadora da pesquisa, e um painel que reunirá Telia Negrão, secretária executiva da Rede Feminista de Saúde, os médicos David Nunes Jr. ( SOGIBA) e Cristião Rosas (Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia - FEBRASGO), Jorge Solla (Secretário da Saúde do Estado da Bahia) e a advogada Beatriz Galli (IPAS). Deputadas/os e vereadoras/es participam da discussão para buscar alternativas à situação de saúde vivida pelas mulheres da Bahia.

As mulheres que morrem de aborto

Segundo o Dossiê, são adolescentes, jovens, empregadas domésticas e trabalhadoras rurais, maioria negra, as mulheres que morrem de aborto inseguro em Salvador e Feira de Santana. Esta é a primeira das muitas constatações dos dados sistematizados pelo estudo A Realidade do Aborto Inseguro na Bahia: a Ilegalidade da prática e seus Efeitos na Saúde das Mulheres em Salvador e Feira de Santana, organizado pelo IMAIS – Instituto Mulheres pela Atenção Integral à Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, entidade filiada à Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos. A pesquisa foi coordenada pela médica Maria José Araújo e teve a participação de Lena Sousa e Cecilia Simonetti.

De acordo com o documento, as cidades de Salvador e Feira de Santana fazem parte do grupo de regiões com altas taxas de internações por abortos inseguros e alta razão de morte materna por causas evitáveis. Ao demonstrar que o aborto é causa importante de morte materna nas duas cidades estudadas, o dossiê revela a "ausência de uma política de planejamento reprodutivo que cumpra a Lei Federal nº. 9.263/2006, que diz que o Estado deve garantir a todos os cidadãos e cidadãs, os meios necessários para planejar a família, de acordo com suas necessidades e condição social". Os dados do dossiê são o "resultado mais concreto dos problemas de gestão identificados em documentos, nas visitas às maternidades, nas falas dos/as profissionais de saúde e das mulheres e seus familiares, quando contam os percalços com que se deparam nos momentos do exercício do direito à saúde, especialmente dos direitos sexuais e reprodutivos".

Na realização deste trabalho, o IMAIS contou com a parceria do Grupo Curumim, CFEMEA, IPAS, Jornadas pelo Aborto Legal e Seguro e Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos (Rede Feminista de Saúde). Documento semelhante, analisando a situação em Recife e Petrolina, estado de Pernambuco, foi elaborado pelo Grupo Curumim e apresentado em junho deste ano.

A vulnerabilidade das jovens

A situação de vulnerabilidade das jovens diante da gravidez e aborto é apontada no dossiê que se vale da pesquisa GRAVAD, realizada com 4.634 moças e rapazes de 18 a 24 anos em Salvador, Rio de Janeiro e Porto Alegre. O estudo revela que as jovens baianas relataram mais freqüentemente ter realizado um aborto alguma vez na vida (10,5%), assim como os rapazes referindo-se à gravidez das parceiras (19%).

A experiência de gravidez e aborto, mais freqüentemente citadas pelas jovens de Salvador, esteve fortemente associada à sua origem social. Aquelas das camadas populares tinham mais limitações nas escolhas reprodutivas, tendo declarado um maior número de gestações, de filhos e de abortos provocados. Foram as jovens baianas que relataram menor uso de contraceptivos à época da gravidez e, nessa cidade, os serviços de saúde foram menos citados como fonte de informação sobre gravidez e contracepção.

Alto risco de vida

O aborto inseguro representa um alto risco à vida e à saúde física e mental das mulheres. É alta a quantidade de gestações não planejadas e indesejadas em todo o mundo. Como consta no relatório da Federação Internacional de Planejamento Familiar (IPPF, 2007), são realizados cerca de 46 milhões de abortos para interrupção de gravidez indesejada em todo o mundo, dos quais 19 milhões são feitos de forma insegura e 70 mil resultam em mortes maternas, em grande parte preveníveis e evitáveis.

No Brasil, o aborto inseguro é a quarta causa de mortes maternas (BRASIL, 2007). Atinge desigualmente as regiões e as mulheres segundo grupos sociais, culturais e étnico-raciais, penaliza principalmente as mulheres jovens, negras e de pouca escolaridade, residentes nas regiões mais pobres do país.

E também onera significativamente o sistema de saúde pública pelos altos custos (quase R$ 33,7 milhões anuais) decorrentes do aumento de internações hospitalares, necessárias para tratar as complicações causadas pela prática em condições arriscadas. Dados do Ministério da Saúde (MS) apontam as curetagens pós-aborto como o segundo procedimento obstétrico mais praticado nas unidades de internação do SUS, superadas apenas pelos partos normais.

O Ministério da Saúde registra aproximadamente 220 mil internações motivadas por aborto inseguro nas unidades do Sistema Único de Saúde, em 2007, e estima que cerca de 1.400 milhões de mulheres realizem aborto no Brasil a cada ano.

Índices inaceitáveis

Com uma população majoritariamente negra, a Bahia ainda figura entre os estados com os índices mais baixos de escolarização, cobertura da rede pública de saúde e de qualidade da assistência à saúde. Na região Metropolitana de Salvador as mulheres representam 52,4% da população, sendo aproximadamente 81,9% de negras e pardas. A cidade de Salvador tem quase 3 milhões de habitantes é a terceira capital mais populosa do país.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD, 2007) citada no dossiê aponta que cerca de 43,5% das famílias são chefiadas por mulheres), média superior à nacional (33%), representando a parcela da população com inserção mais precária no mercado de trabalho: recebem, invariavelmente, salários menores que os dos homens, sejam eles brancos ou negros.

A pesquisa destaca que na Bahia, a realidade da mortalidade materna confirma, de forma singular, o caráter perverso da criminalização do aborto como fator de sustentação e ampliação das injustiças sociais, alimentadas pela associação estreita entre discriminações e desigualdades de raça e de gênero.

Salvador tem uma taxa de mortalidade materna cinco vezes maior do que o mínimo definido como aceitável pela Organização Mundial de Saúde, que fica em torno de 10 mortes maternas por 100 mil nascidos vivos. Na capital baiana calcula-se que essa taxa represente 72 mortes maternas por 100 mil nascidos vivos. A curetagem é o segundo procedimento mais freqüente na rede do SUS. Em 2007 foram realizadas 8.387 curetagens, que podem ser traduzidas em aproximadamente 699 por mês, 23 por dia e 01 a cada hora. A cada quatro internações por parto ocorre 01 internação para curetagem pós-aborto na cidade, média bem menor que a nacional (6,7 partos/01 aborto).

O perfil epidemiológico

A pesquisa também aponta que em Salvador há dificuldades para implementar a proposta de Rede Integrada de Atenção à Saúde da Mulher nos Distritos Sanitários. E assustador é o perfil epidemiológico da mortalidade das mulheres no município de Salvador. " nos anos de 2004 e 2006 é comparável com aquele registrado para o Brasil: as doenças do aparelho circulatório são as primeiras causa de morte, seguidas das neoplasias e das doenças do aparelho respiratório". Ainda no dossiê: "As causas maternas, objeto do nosso estudo, representaram, em 2004, 0,3% do total de óbitos, segundo dados do DATASUS (1996-2004). Mesmo tratando-se de um baixo percentual, as mortes maternas estão incluídas entre as dez primeiras causas de morte de mulheres em idade fértil e representam uma grave violação dos direitos humanos das mulheres, já que qualquer morte materna evitável não deveria acontecer".

Aborto e curetagens são responsáveis pelo maior número de internações

Os dados sobre o número de internações por aborto nas maternidades visitadas mostram que em 2007, a maternidade Tsyla Balbino, uma das mais antigas de Salvador, é responsável pelo maior número de internações por aborto (1.713), correspondendo a 20,6% das internações nos estabelecimentos públicos de Salvador.

Ainda de acordo com o dossiê

"Os dados de internação por procedimentos obstétricos para os anos de 2005, 2006 e 2007 para a maternidade Tsyla Balbino demonstram que as curetagens pós-aborto são a segunda causa de internação. Neste hospital, o uso da técnica de aspiração manual intra-uterina, método mais seguro para evitar complicações, é praticamente inexistente, tendo sido realizado apenas um procedimento em 2005.Os dados desta maternidade sistematizados até julho de 2008 apontam que 69% dos procedimentos de curetagens foram realizados em adolescentes e mulheres jovens, na faixa etária de 14 a 29 anos, confirmando os dados de outras maternidades da rede pública. Segundo informações da maternidade, a razão parto/aborto manteve-se no mesmo patamar de anos anteriores, ou seja, em torno de um aborto para cada três partos realizados. Esta é a maternidade com a maior proporção de abortos por número de partos realizados.

Atendimento de mulheres
O dossiê faz referência ao tratamento recebido pelas mulheres que procuram o serviço de aborto legal , que chegam aos hospitais em fase de abortamento, ou com complicações decorrentes por aborto inseguro. A equipe responsável pela elaboração do dossiê A Realidade do Aborto Inseguro na Bahia: a Ilegalidade da Prática e Seus Efeitos na Saúde das Mulheres em Salvador e Feira de Santana, constatou a evidente necessidade que se ofereça atendimento de qualidade, com respeito aos direitos humanos das mulheres. E constatam a existência de relacionamentos marcados pela censura, "pelos estigmas da proibição e do pecado que contribuem para intimidar, fragilizar a pessoa e dificultar a aproximação e o diálogo, importantes para o diagnóstico e tratamento".

Os relatos coletados junto às mulheres e familiares foram de "maus-tratos, desrespeito à dignidade e à vida dessas mulheres são um elemento comum às falas. Falta de informação, muita hemorragia, medo de morrer, sofrimentos vivenciados, com maior ou menor solidariedade, na solidão de suas casas ou das enfermarias, mostram um outro ângulo do problema".


Vera Daisy Barcellos - Jorn. Reg. Prof. 3.804 - 51 913..56.435
Assessoria de Imprensa da Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

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