Paraisópolis: A Favela de Paraisópolis

Pablo Tiarajú D'Andrea. Pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole e realizou pesquisa em Paraisópolis, inclusive morando lá por algumas semanas

Falar sobre Paraisópolis é ter a certeza que não há certezas. As ambigüidades do lugar começam já pelo nome. Polis, sim. Paraíso, nem tanto. Como cidade, Paraisópolis tem centro e periferias, lutas políticas e discussões, ruas e becos, e muita, muita gente circulando. Como Paraíso, há a percepção de quem veio de lugares bem piores. Contudo, um olhar atento pode revelar que a beleza do nome não passa de uma questão semântica.

A primeira coisa que chama a atenção é a localização da favela. Chegando pela Avenida Giovanni Gronchi, nota-se como em um quarteirão a paisagem muda e aos poucos os condomínios de luxo do Morumbi são substituídos pelos barracos de madeira, avisando aos recém chegados que uma fronteira foi ultrapassada. Contudo, a distinção não é só material, fruto de uma primeira impressão do olhar. Paraisópolis têm códigos próprios, costumes que ali têm significado e fazem sentido. Formas jurídicas não convencionais também operam. Em Paraisópolis, a palavra ainda vale. Essas pequenas nuances podem ser reveladoras de uma dada estrutura e somente são possíveis de serem captadas com a convivência prolongada no local, uma vez que olhares à primeira vista não revelam segredos.

O entorno rico talvez seja o maior diferencial em relação a outros bairros pobres da cidade. Esta proximidade propicia uma oferta maior de emprego para os habitantes de Paraisópolis. É possível notar, antes do sol amanhecer, um contingente considerável de pessoas dirigindo-se aos condomínios de luxo. São babás, empregadas domésticas, motoristas e zeladores cuja mão de obra barata e não especializada garante o emprego. Operários nos moldes tradicionais já não existem em Paraisópolis, ou ao menos não vivem em favelas.

Se numa direção caminham trabalhadores, na outra chegam as associações “de fora” que prestam algum tipo de serviço, sobretudo nas áreas de educação e saúde. Também estão presentes em Paraisópolis organizações do terceiro setor que oferecem cursos que variam de jardinagem à computação, de inglês a aulas de tênis, passando por bordado e carpintaria. No geral, são mais de 50 associações desse tipo em Paraisópolis.. Assim sendo, podemos considerar a favela como sendo a Mangueira de São Paulo, só faltando a escola de samba.


Dita ausência talvez seja explicada pela composição majoritariamente nordestina, que compõe 80% da população local. Dessa forma, percebe-se que as características culturais tendem para outras expressões. Paraisópolis tem inúmeras Casas do Norte e alguns salões de forró, o gênero musical típico desse enclave nordestino. Aos sábados e domingos e no fim das tardes dos dias de semana não é raro escutar o som de um forró oriundo de alguma residência. De dia é mais provável o dance music e o rap, uma vez que os jovens, antenados com os movimentos musicais, também querem curtir um som e para isso aproveitam a ausência dos pais, mais chegados nos ritmos que evocam o nordeste. Outro bom parâmetro para notar a presença nordestina é a preferência futebolística. Dentre as camisetas de futebol usadas pelos moradores, as hegemônicas são as do Corinthians e as do São Paulo. O primeiro pela universalidade do gosto. O segundo pela proximidade do estádio. Também é possível notar as de Palmeiras e Santos, mas a rubro-negra do Sport do Recife é a que de fato impressiona.


Violência

Em outubro de 2003, Paraisópolis fez parte do noticiário policial de grande parte da imprensa. Uma disputa entre dois grupos rivais, um de fora de Paraisópolis e um de dentro, causou tiroteios e mortes em uma comunidade acostumada com a paz. A repercussão na imprensa foi grande e explicitava a preocupação dos moradores, mas sobretudo comprovava a força política dos habitantes do entorno, preocupados em dar visibilidade à violência e com isso mobilizar a sociedade civil e o poder público para uma intervenção. Para o entendimento da questão, cabe ressaltar que Paraisópolis por muito tempo correu o risco de ser removida, abrindo a possibilidade para investimentos imobiliários. A remoção não foi possível, mas ter Paraisópolis as características violentas de qualquer outra favela seria um preço que a população do Morumbi não pagaria, e não paga. A “cruzada civilizatória” empreendida pelas associações “de fora” é uma face desse projeto e a propaganda na imprensa outra.

Por outro lado, o controle social em Paraisópolis e a conseqüente pacificação são operados pela presença de uma liderança forte, articulada com uma rede de parentesco que media conflitos, inibe delitos e pune quando julga necessário.

Os problemas de Paraisópolis são grandes. Falta escola, coleta de lixo, postos médicos e trabalho.. A presença de um comércio profícuo, do entorno e de redes sociais – seja pela família estendida, seja pela associação religiosa - facilita um pouco o acesso a bens. Como disse um morador, “em Paraisópolis dá pra se virar melhor”. Como outros lugares da cidade são muito piores, a construção subjetiva de apreciação do local é um dos trunfos dos moradores para representar o espaço e falar bem do lugar. Tratando-se de percepção, tudo é relacional.

Enfim, Paraisópolis é um pouco de tudo. Metáfora privilegiada de um tipo de expansão econômica e urbana, expressa-se como bricolagem cultural e ornitorrinco social, onde o catador de papelão divide o espaço com o carro último tipo do comerciante bem sucedido. A Casa do Norte convive ombro a ombro com a locadora e o crente e o vendedor de balas pegam a mesma lotação rumo a Pinheiros. Tão cheio de ambigüidades, Paraisópolis é, sem dúvida, um lugar especial da cidade de São Paulo. Especial porque diferente.