Infância Urgente

quinta-feira, 3 de julho de 2008

"Queria só dar um susto", diz tenente que entregou jovens a traficantes no Rio

LUISA BELCHIOR
Colaboração para a Folha Online

"Queria só dar um susto. Nunca ia trocar a vida de três rapazes pela minha "moral'". A afirmação é do tenente Vinícius Ghidetti, apontado como o mandante da entrega de três jovens do morro da Providência aos traficantes do morro da Mineira, no Rio. O tenente presta depoimento nesta quinta-feira ao juiz da 7ª Vara Federal Criminal, Marcello Granado. O oficial e outros dez militares são acusados de triplo homicídio.

Os 11 militares fazem parte da tropa do Exército que ocupava o morro da Providência para fazer segurança das obras do projeto Cimento Social, do governo federal. Eles foram presos no último dia 15 e, segundo a polícia, confessaram ter levado, no dia anterior, os rapazes detidos no alto da favela a traficantes do morro da Mineira, rivais aos da Providência.

"Meu intuito sempre foi liberá-los. Nunca ia desobedecer uma ordem do meu capitão. Fui formado na Academia Militar das Agulhas Negras. Mas queria só dar um susto, queria deixá-los com medo", disse o Ghidetti ao juiz.

O tenente alegou que teve raiva dos rapazes porque foi hostilizado e quase foi agredido por um deles. Questionado pela promotora do Ministério Público Federal Patrícia Nuñez se ele sabia que estava agindo de forma errada ele admitiu que sim, porém, alegou que a idéia era somente deixar as vítimas em um lugar perigoso para que eles achassem que algo ruim iria acontecer.

O encontro com os traficantes do morro da Mineira, segundo o tenente, foi inesperado.

"Quando chegamos na Mineira foi um susto o encontro com traficantes. Foi um encontro fortuito", afirmou o oficial.

Ghidetti afirmou que pediu aos traficantes do morro da Mineira que "apenas" dessem uma surra dos três jovens. Ele disse ter acreditado que, por ser militar, "iria impor respeito aos traficantes".

"Esperava sinceramente que não fosse ter esse desfecho. Espera que eles não fossem morrer. Falei inclusive [aos traficantes]: "é só um susto'", disse Ghidetti.

Ghidetti afirmou em seu depoimento que é do Espírito Santo e mora no Rio há cerca de um ano e meio. Declarou-se católico e chorou muito ao falar do filho de dois meses.

Devem prestar depoimento ainda hoje os soldados José Ricardo Rodrigues, Julio Almeida Ré e os sargentos Leandro Maia, Bruno de Fátima e Renato de Oliveira Alves.

Os demais --soldados Rafael Cunha da Costa Sá, Sidney de Oliveira Barros, Fabiano Eloi dos Santos, Samuel de Souza Oliveira e Eduardo Pereira de Oliveira-- prestam depoimento nesta sexta-feira.

Relatório

Relatório apresentado nesta quinta-feira pela comissão especial do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), que acompanha as investigações sobre a morte de três jovens no morro da Providência, no Rio, aponta a existência de uma "relação promíscua" entre as Forças Armadas e o crime organizado na capital fluminense.

O relatório foi apresentado em reunião do conselho e deverá ser votado ainda hoje. O documento destaca que uma das principais constatações da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Tráfico de Armas é que 22% do armamento apreendido com criminosos no Rio pertence a militares.

Fonte:http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u418928.shtml

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