Infância Urgente

terça-feira, 1 de julho de 2008

Tortura, morte e corrupção: atuação das Forças Armadas

O Grupo Tortura Nunca Mais/RJ tomou conhecimento de mais um caso de “morte em treinamento” na Academia Militar das Agulhas Negras – AMAN. Com profunda indignação o GTNM/RJ foi informado da morte do cadete Maurício Silva Dias, de 18anos. Ele e mais outros dois alunos, Daniel Fernandes de Magalhães e Isaías Moises do Nascimento, “passaram mal” durante o treinamento na base militar de Resende, sul do estado do Rio de Janeiro, no dia 15 de junho do presente ano.

Os três cadetes participavam, junto com 150 alunos de um treinamento programado para durar 60 horas. Segundo informações publicadas, um dos exercícios seria o de sobrevivência, com restrições de água e comida.

Infelizmente, não é a primeira vez que fatos com estes ocorrem em treinamentos realizados em escolas e quartéis das Forças Armadas e das Polícias Militares brasileiras. No dia 6 de março de 2003, o 1º tenente Elivaldo Gonçalves da Costa, de 26 anos, morreu quando participava de uma instrução ministrada, em Paracambi/RJ, pelo 1º Batalhão de Forças Especiais (BFE), sob o comando do tenente-coronel Nardi.

Segundo depoimento do militar da reserva Genivaldo Dantas da Costa, pai do tenente, ao Grupo Tortura Nunca Mais/RJ, em 6 de maio do mesmo ano, nos dias 1 e 2 de março em visita ao seu filho, no Rio de Janeiro, ouviu do mesmo que: “(...) estava com muita dor no ouvido, achando que estaria com o tímpano perfurado e a mandíbula deslocada, em função de ter apanhado muito durante algumas instruções de luta (...) no sábado ele falou que não estava conseguindo mastigar a comida em virtude de muita dor no queixo (...) Estas fortes dores que estava sentindo no sábado, dia 1 de março de 2003, fez com que fosse ao Hospital da Vila Militar em Deodoro, no Rio de Janeiro (...)”. Mais adiante, continua: “(...) Outro fato, o meu filho, Tenente Elivaldo me ligou no dia 5 de março, às 23:00 horas dizendo: pai eu perdi o registro de segurança de tiro do FAL (Fuzil Automático Leve) veja se o senhor consegue essa peça, se o senhor não consegui sei que vou apanhar muito, eu vou pro barro. Estas foram as últimas palavras do meu filho comigo (...)”.
O laudo cadavérico, emitido pelo Hospital Central do Exército e assinado pelo major Levi Inimá de Miranda, informa que o militar teve exaustão por choque térmico (acúmulo excessivo de calor, que teria provocado a falência dos órgãos).

Aliás, laudos como esse são rotineiros em “acidentes” dessa natureza, nas Forças Armadas. Em 10 de outubro de 1990, o cadete Márcio Lapoente da Silveira, 18 anos, morreu em treinamento comandado pelo tenente De Pessoa, na Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende/RJ. Na autópsia, que foi assinada por Rubens Pedro Macuco Janini – cujo registro profissional foi cassado pelo Cremerj, em 15 de setembro de 2000, por assinar laudos falsos durante o período da ditadura militar – coincidentemente, informa que Márcio também sofreu exaustão por choque térmico. Como o laudo é somente opinativo, não sendo conclusivo, até hoje a causa mortis continua sendo ignorada.

Tanto o Batalhão de Forças Especiais (BFE), as Brigadas Pára-Quedistas como as conhecidas tropas de elite são famosos pela violência de seus treinamentos, que se assemelham muito com àqueles realizados na famigerada Escola Militar das Américas (SOA) e na Academia Interamericana de Polícia (IPA), comandadas pelo Exército dos Estados Unidos e pela CIA.

Ambos tinham e ainda têm, como objetivo ensinar técnicas de repressão e tortura aos alunos, sobretudo, de países da América Latina. Pelo menos 350 militares e policiais brasileiros, nas décadas de 60 e 70, freqüentaram essas escolas de torturadores. Desses, 19 têm seu nome listado como torturador e/ou membro do aparato de repressão, no Projeto Brasil Nunca Mais, coordenado pela Arquidiocese de São Paulo, que é o resultado da microfilmagem de todos os processos de presos políticos que se encontram no Superior Tribunal Militar, em Brasília, abrangendo o período de 1964 a 1978.

Os centros de treinamento funcionaram, de 1954 até 1995, primeiro no Panamá. Posteriormente, a IPA foi transferida para Washington. Em 1984 foi a vez da Escola das Américas mudar-se para o Fort Benning, na Geórgia/USA. Em maio de 2002, após intensas campanhas feitas pelas entidades de direitos humanos para o seu fechamento, o governo norte-americano mudou o seu nome para Instituto de Defesa para a Cooperação da Segurança no Hemisfério, mantendo, lamentavelmente, a mesma função: a de ser instituição de treinamento de combate para soldados da América Latina.

Em maio de 2001, o governo brasileiro foi convidado a comparecer diante do Comitê Contra a Tortura da ONU, em Genebra, para responder sobre tortura no Brasil. Nessa reunião, o Grupo Tortura Nunca Mais/RJ entregou ao Relator Especial Contra a Tortura , diante de representantes do governo federal e de várias entidades de direitos humanos, um Relatório contendo 23 casos de torturas e mortes nos Quartéis das Forças Armadas brasileiras desde 1990 até àquela data. Esses casos não eram do conhecimento do governo brasileiro, conforme declarou um dos seus representantes, o diplomata Pita Gama.

Os efeitos destes treinamentos ficam evidenciados – da mesma forma que cai o mito da incorruptibilidade das Forças Armadas - na ocupação do Morro da Providência, no centro do Rio, desde dezembro de 2007, por militares do Exército para darem segurança a um projeto político eleitoral do senador Marcelo Crivella (PRB), do mesmo partido do vice-presidente da República, Jose Alencar.

O tenente do Exército, Vinicius Ghidetti de Moares Andrade, formado na Academia das Agulhas Negras, que comandava um grupo de dez militares em ação no Morro da Providência, no último dia 14 de junho, em depoimento prestado, admitiu ter entregue três jovens, moradores do Morro da Providência a traficantes de uma quadrilha rival do Morro da Mineira, para que fosse aplicado um “corretivo” por terem desacatado os militares. Estes jovens foram assassinados e seus corpos encontrados no Aterro Sanitário de Gramacho, em Caxias.

Também ficou evidenciado, mais uma vez, o envolvimento de militares com o tráfico de drogas. Segundo reportagem do Jornal O Globo, de 16 de junho de 2008, “(...) A Subcomissão Especial de Armas da Câmara de Deputados fez um rastreamento das armas apreendidas no Rio (...) O Exército, Marinha e Aeronáutica tiveram 525 armas desviadas de seus quartéis para criminosos entre 2003 e 2007”.

Diante desses terríveis acontecimentos, exigimos que sejam realizadas investigações claras e transparentes que permitam apontar a verdade dos fatos e que os responsáveis por tais crimes sejam afastados das Forças Armadas e respondam, na justiça comum, pelos seus atos.

Pela Vida, Pela Paz
Tortura Nunca Mais!
Rio de Janeiro, 18 de junho de 2008

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