Correio Braziliense - 04.09.2008
André Luiz Alcântara de Souza, 16 anos, entrou no Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje) pela primeira vez 31 dias antes de morrer enforcado com uma toalha na noite de terça-feira (02/09). Ele estava na ala provisória, dos internos que aguardam julgamento na Vara da Infância e da Juventude (VIJ). O jovem, acusado de tentativa de latrocínio (roubo seguido de morte), andava assustado. Chegou a contar para a avó materna, a dona-de-casa Maria Dornelas, 52 anos, que tinha sido ameaçado por outros internos e que chegaram a colocar fogo no colchão dele enquanto dormia. Apesar dos avisos, morreu pelas mãos de três dos quatro colegas de quarto. Um deles só assistiu ao ato bárbaro. Outro está internado há 60 dias, 15 a mais do que o permitido por lei.
O homicídio demonstra a precariedade com que tem funcionado o Caje, que não deveria receber internos provisórios. O Centro Socioeducativo Amigoniano (Cesame), no Complexo Penitenciário da Papuda, costuma atender jovens infratores que ainda precisam ser julgados. Mas a instituição tem vagas apenas para 120 internos e encontra-se lotada. Mesmo a ala do Caje separada para receber os provisórios é inadequada. Somente dois adolescentes deveriam ocupar cada quarto, que normalmente abriga de três a seis pessoas.
A ala provisória do Caje tem capacidade para 44 internos, mas 72 vivem nela atualmente. O pavilhão já chegou a contar com 144 adolescentes. Além disso, a separação dos internos de acordo com as infrações que cometeram e as cidades onde moram deixa a desejar, o que aumenta o atrito entre eles. Esses e outros fatores levaram a área provisória a apresentar o maior índice de ocorrências da instituição. Do começo do ano até ontem, foram registrados 55 casos, que vão de desacato aos servidores a brigas entre os garotos.
Para os funcionários do Caje, o crime de terça-feira tratou-se de uma morte anunciada. “Há mais de um ano que reclamamos das nossas condições de trabalho. Fora a superlotação, não temos estrutura adequada nem políticas públicas que nos auxiliem a melhorar o atendimento”, afirmou o assistente social Cássio Alves, presidente do Sindicato dos Servidores de Assistência Social e Cultural do Distrito Federal. Alves citou problemas, como instalações precárias e falta de treinamento para quem lida diretamente com os internados. A morte de André levou os 450 funcionários da instituição a realizar uma paralisação parcial.
Audiência pública
Desde as 9h de ontem, os servidores suspenderam os serviços na escola, nas oficinas, atividades físicas e atividades técnicas. Antes de retomar o expediente normal, eles pedem uma audiência pública com representantes das secretarias de Justiça e Cidadania, de Educação, de Saúde, de Governo, além do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) e da VIJ. Por volta das 13h de ontem, os internos fizeram um panelaço, que pôde ser ouvido do lado de fora do Caje. A deputada Érika Kokay (PT-DF), da Comissão dos Direitos Humanos da Câmara Legislativa, também esteve no centro. “O garoto que morreu estava sob a tutela do Estado, que deve responder por essa barbaridade”, apontou.
A morte de André foi investigada pela Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA), que não demorou a identificar os autores do crime. “A vítima dividia o quarto com quatro internos, todos pegos em flagrante”, contou a delegada-chefe da DCA, Eliana Clemente. No entanto, o motivo do homicídio ainda não foi esclarecido. Além da possibilidade de o jovem ter sido morto por haver “dedurado” alguém, os colegas de quarto de André apresentaram duas versões para terem praticado o assassinato. “Um deles afirmou que o grupo matou André por causa de uma briga por um pedaço de pão, enquanto outro disse que a vítima o havia ameaçado com um espeto dias antes. O caso foi entregue à VIJ”, concluiu a delegada.
André Luiz abandonou os estudos no fim do ano passado. Estava na 5ª série. Morava com a avó na Vila Buritis IV, em Planaltina. A área é conhecida por ter gangues que vivem em conflito com bandos da região do Pombal. Apesar da acusação de latrocínio, a avó e os vizinhos garantem que a vítima tinha boa índole. “Ele conhecia todo mundo na quadra e sempre me cumprimentava quando chegava em casa”, disse a cabeleireira Maria Helena Ferreira, 38 anos.
Depoimento
“Fui avisada da morte do meu neto na noite de ontem (terça-feira). O pessoal do Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje) apareceu na minha casa para me dar a notícia. Fiquei chocada. Meu netinho estava doido para sair de lá. Pensava até em se converter, freqüentar a igreja e dedicar a vida a Deus. Ele vivia comigo na Vila Buritis IV desde que nasceu, mas gostava muito da mãe. Ele a visitava sempre que podia. Era um garoto bom. Teve que largar os estudos no começo do ano por conta de ameaças do pessoal do Pombal. Chegou a buscar emprego, mas não conseguiu por ser menor de ida
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