O CRESS-SP distribuiu na VII Conferência Estadual de Assistência Social de São Paulo um boletim especial com posicionamento contrário aos Fundos de Solidariedade, por entender que configura uma maneira de refilantropização da política de assistência social.
O CRESS-SP defende a Seguridade Social em sua integralidade, composta pelas politicas de saúde, assistencia social e previdência: com orçamento público adequado para o cumprimento dos deveres do Estado na garantia destes direitos, com concursos públicos e qualificação permanente do trabalhador e contra toda forma de mercantilização, privatizações e terceirizações que ferem o acesso aos serviços públicos.
Entendendo que o controle social por meio dos conselhos e fóruns da sociedade civil é fundamental para a efetivação dos direitos, o Cress-SP está inserido nestes espaços e nos debates das conferencias de várias áreas.
O texto distribuído é uma versão editada do CFESS Manifesta de setembro e pode ser lido na íntegra no site do Conselho Federal.
TEXTO DISTRIBUÍDO
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FUNDOS DE SOLIDARIEDADE E A REFILANTROPIZAÇÃO DA POLÍTICA DE ASSITÊNCIA SOCIAL
Neste ano, cumpre reafirmar alguns princípios e diretrizes referentes à Política de Assistência Social, concebida, constitucionalmente, como direito social e como política pública integrante do Sistema de Seguridade Social, cabendo ao Estado o dever de assegurá-la.
Regulamentada pela Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), de 1993, a assistência social foi definida como Política de Seguridade Social não contributiva, que deve realizar-se de forma integrada às políticas setoriais, visando ao enfrentamento da pobreza, à garantia dos mínimos sociais, ao provimento de condições para atender as contingências sociais e à universalização dos direitos sociais. As ações das três esferas de governo devam ser realizadas de forma articulada, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e execução dos programas aos Estados e Municípios.
Para o financiamento da Política de Assistência Social, a Lei nº 8.742/93 previu a constituição de Fundos de Assistência Social nas três esferas de governo, para os quais deverão ser canalizados todos os recursos. Esses Fundos deverão ser administrados pelo respectivo Órgão Gestor da Assistência Social, com orientação e controle dos Conselhos de Assistência Social de cada instância.
O repasse de recursos para as entidades e organizações de assistência social, devidamente registradas no CNAS, deverá ser efetivado por intermédio dos Fundos Estaduais, Municipais e do Distrito Federal, de acordo com os critérios estabelecidos pelos Conselhos.
A LOAS estabeleceu os Conselhos de Assistência Social como instâncias deliberativas do sistema descentralizado e participativo de assistência social, nas diferentes esferas, e de composição paritária entre governo e sociedade civil. As Conferências de Assistência Social convocadas por eles têm a "atribuição de avaliar a situação da assistência social e propor diretrizes para o aperfeiçoamento do sistema". As deliberações das Conferências de Assistência Social assumem caráter imperativo para o desenvolvimento da Política de Assistência Social no país, sendo que em 2004, a IV Conferência Nacional deliberou pela implantação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).
O SUAS instituiu um novo modelo de organização dos serviços socioassistenciais e da gestão da política de assistência social, com produção de ações continuadas por tempo indeterminado, unificando conceitos e procedimentos em todo território nacional tendo como foco de atenção prioritária as famílias e o território como base de organização. A nova lógica - em substituição à tradicional forma de financiamento a programas e projetos com metas de atendimento estabelecidas que, em geral, sofrem de problemas de continuidade e são alterados a cada alternância dos grupos diretivos - procura responder ao quesito da universalidade no atendimento da política de Assistência Social a quem dela necessitar. Com enfoque na proteção social, o SUAS reorganiza os serviços socioassistenciais por níveis de complexidade, articulando os serviços tendo como referência as famílias e indivíduos.
MAS ATENÇÃO
Em contraposiçãoa todo o arcabouço legal que concebe a assistência social como direito não contributivo do cidadão, assegurado pelo Estado, tem surgido um movimento conservador que vem implementando as denominadas "Redes de Parcerias Social", em geral denominados "Fundos de Solidariedade", que em suas estruturações, reafirmam as características históricas que tradicionalmente marcaram a assistência social no Brasil, já largamente conhecidas: descontinuidade, pulverização, paralelismo, clientelismo, centralização tecnocrática, fragmentação institucional, ausência de mecanismos de participação e controle popular, opacidade entre o público e o privado na esfera da gestão governamental e da atuação de entidades sociais que recebem recurso público.
Governos estaduais se articulam à iniciativa privada e organizações do chamado "Terceiro Setor", sob a justificativa de: otimizar os recursos destinados pelas empresas privadas à ação social (com incentivo de isenção fiscal); potencializar a atuação das entidades sem fins lucrativos; melhorar a atuação tradicional do Estado na área, otimizando resultados e soluções; e criar condições para incrementar a sustentabilidade do terceiro setor.
Redes são formadas por uma Fundação Privada que administra o Fundo para o qual são canalizadas as "doações espontâneas" que empresas e organizações sociais destinam a projetos sociais; e por uma organização social privada que oferece cursos e estudos para qualificação de prestadores de serviços no terceiro setor, além de prospectar recursos no Brasil e no exterior.
O sistema de funcionamento da Rede tem como motor fundamental as chamadas "entidades-âncoras", que por seu posicionamento/relacionamentos na sociedade, consegue captar recursos para um projeto por ela proposto e o desenvolve em parceria com outras entidades selecionadas por meio de chamada pública de âmbito estadual. O Projeto Social, com objetivos e metas definidos pela entidade-âncora, com foco em sua missão, pode ser desenvolvido em diferentes municípios, sem passar pelas instancias locais de controle social.
Assim, o modelo proposto não leva em consideração o sistema descentralizado e participativo previsto na LOAS, ao permitir a transferência de recursos diretamente das entidades-âncoras a entidades parceiras locais, sem passar pela sanção das instâncias deliberativas e de controle social de seus respectivos municípios.
Esse modelo, que cria um processo paralelo de articulação de entidades, pauta uma relação verticalentre as chamadas Entidades Âncoras (um grupo privilegiado por incentivos fiscais) e Entidades Parceiras, sendo que cabe à primeira transferir recursos às segundas, publicar edital, fiscalizar, monitorar, avaliar a execução das ações. Ou seja, passam a executar ações que, no sistema hierarquizado e descentralizado previsto na LOAS, são de competência do Órgão Gestor estadual ou municipal.
Ora, considerando que para o exercício dessas atividades as Entidades Âncoras são remuneradas, concluí-se que recursos destinados a atividades fins de Assistência Social, estão sendo deslocados para atividades meios, cuja responsabilidade por sua prestação é do Poder Público. Ainda, ações assistenciais elaboradas pelas Entidades Âncoras, com foco em sua "mesma missão", não contribui para o estabelecimento de uma rede hierarquizada de serviços, programas e projetos de caráter continuados, conforme previsto no SUAS.
Por outro lado, se entre os critérios de elegibilidade para financiamento dos Projetos Sociais, é mencionada a questão da contrapartida social por parte do público beneficiado, detecta-se sua total inadequação. A Assistência Social é uma Política de Proteção Social, de caráter não contributivo como previsto na Constituição Federal Brasileira, de forma que este tipo de exigência denota, portanto, afronta à concepção de Assistência Social vigente no País.
De acordo com o SUAS, as instâncias estaduais de Governo constituem o Órgão Gestor da Política Estadual de Assistência Social em seus respectivos estados, portanto, têm a competência e atribuição de implantar e implementar o SUAS, conforme pactuado na Comissão Intergestora Tripartite. No entanto, não temos conhecimento de que os estados que implantaram tais Fundos de Solidariedade ou Redes de Parceria Social, tenham se posicionado contrários a essa pactuação e formalizado junto ao Ministério de Desenvolvimento Social a desistência de adesão à PNAS e ao SUAS.
Ademais, é fundamental destacar que recursos resultantes de renúncia/incentivos fiscais são, por natureza, públicos, visto referirem-se a impostos/dívidas com o Estado. Desta forma, esses recursos, necessariamente, deveriam ser depositados no Fundo Estadual da Assistência Social, que centraliza os recursos destinados à Política de Assistência Social, ou nos Fundos da Criança e do Adolescente.
As instanciais governamentais que adotaram tal modelo de atuação, ao invés de captar recursos para os fundos públicos, passaram a criar Fundos Privados, de forma genérica denominados "Fundo Permanente de Sustentabilidade do Terceiro Setor". Em outras palavras, as Secretarias Estaduais colocam servidores pagos pelo erário público para captar recursos para a iniciativa privada, contribuindo para a fragilidade e inoperância dos dois Fundos estaduais, em completo choque com o previsto na legislação. No entanto, tais Redes estão sendo apresentadas como um novo Conceito de política social, um modelo pioneiro de gestão da área social.
Finalmente, pelas razões aqui expostas, é possível concluir que as chamadas Redes de Parceria Social e os Fundos de Solidariedade para Financiamento do Terceiro Setor, colidem com o modelo de gestão com base em um sistema descentralizado e participativo na organização da política pública de assistência social previsto na Constituição Federal de 1988 e na LOAS/1993 e contraria o movimento desencadeado nacionalmente, que propugnou pela implantação do SUAS.
Em assim sendo, neste ano de realização de Conferências de Assistência o Conjunto CFESS/CRESS alia-se aos movimentos e forças sociais em defesa do caráter público da assistência social, direito do cidadão e dever do Estado.
Texto Editado do CFESS Manifesta de setembro de 2009
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