Em audiência, familiares relatam atuação do Conselho Tutelar; denúncias podem chegar à OEA
Em audiência, familiares relatam atuação do Conselho Tutelar; denúncias podem chegar à OEA
02/10/2009
Jonathan Constantino
de Itaquaquecetuba (SP)
“Queremos viver felizes juntos dos nossos filhos”. Essa era a mensagem inscrita no cartaz segurado por Derval Martins, um dos muitos levantados pelos presentes, no dia 27 de setembro, na audiência pública popular que denunciou o procedimento do Conselho Tutelar Municipal (CT) de Itaquaquecetuba, na região da Grande São Paulo, entre os anos de 2004 e 2007, e da promotora da Infância e da Juventude de Itaquaquecetuba, Simone de Divitiis Perez.
Derval Martins teve a filha tomada pelo CT, em novembro de 2006, quando o conselheiro Lídio Jonas de Souza invadiu a casa de sua irmã, Inês Martins de Melo, que à época cuidava da criança, e retirou do berço a menor. Ele, juntamente outras 20 famílias vitimizadas, participou do julgamento realizado na sede 152ª Subsecção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Itaquaquecetuba.
O ato foi organizado pelo Tribunal Popular e contou com a participação do Fórum Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente (FEDDCA), da OAB e de representantes dos deputados estaduais José Cândido (PT) e Raul Marcelo (Psol), membros da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp).
Tribunal Popular
Surgido em 2008, opondo-se à Conferência de Direitos Humanos, realizada no mesmo ano pelo governo federal, o Tribunal Popular é uma rede formada por mais de 100 entidades e movimentos sociais cujo objetivo é denunciar os crimes cometidos pelo Estado.
Segundo Marisa Feffermann, do Tribunal, a audiência realizada em Itaquaquecetuba pretende mobilizar a opinião pública e chamar a atenção para o drama que as famílias estão passando, denunciando também a criminalização da pobreza. “Em vez de o Estado garantir seu dever no cumprimento e promoção de direitos, mais uma vez age ilegalmente punindo as famílias pobres, como não bastasse a injustiça social de que já são vítimas”, denuncia.
Para Marisa, além da perspectiva de denúncia e resistência, o Tribunal Popular cumpre um papel importante ao fortalecer as pessoas vitimizadas para que essas consigam exigir seus direitos. “É preciso empoderar as pessoas, que hoje ficam com discurso de vítima, para que elas assumam o lugar de atores”, pontua.
A audiência realizada em Itaquaquecetuba também abre precedentes para a investigação em outros lugares nos quais já surgiram denúncias de mesmo gênero e permite avanços no que diz respeito à resolução do casos destas famílias, avalia Givanildo Manuel da Silva, do FEDDCA. “Amplia a ação política, pois sai do âmbito regional”, avalia.
Givanildo salienta que as famílias precisam de resposta rápida, pois se trata de um crime contra os direitos humanos e há casos que aguardam solução há três anos ou mais. “Os direitos das famílias, das crianças foram violados”, protesta.
Esperanças
Para Maria Iracema Forte Rodrigues, a audiência dá sinais de esperança. Ela, que teve a filha foi tomada de si sem aviso após nascer e que não chegou a ver a menina, sob alegação de problemas psicológicos, mas sem apresentação de laudo ou parecer clínico que o atestasse, mostrava-se animada. “Eu vou ver ter minha filha de volta”, afirmou.
Suas esperanças estão baseadas nos encaminhamentos tirados a partir do Tribunal. Será agendada uma audiência pública na Alesp, convocada pelo gabinete dos deputados José Cândido e Raul Marcelo, através da qual pretende-se recolher assinaturas dos parlamentares para a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigue o caso.
Hugo Batalha, assessor do gabinete de Raul Marcelo, explica que, além do pedido da CPI, o conjunto de entidades que organizou o julgamento irá encaminhar uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), solicitando investigação dos fatos, a anulação dos processos de adoção e de destituição de pátrio poder.
De acordo com Batalha, a partir das denúncias encaminhadas ao CIDH, o Estado brasileiro pode ser levado a julgamento na Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Devido a precedentes abertos, há a possibilidade de condenação e o Estado pode ser obrigado a pagar indenização por danos morais. Na avaliação de Givanildo, caso a CIDH considere pertinentes as denúncias, a possibilidade de condenação na OEA é grande. “Para acontecer a absolvição, [o Estado] tem que argumentar muito. Nesse caso, será quase impossível, as partes serão ouvidas e levaremos os familiares [para depor]”, afirma.
Retrospecto
O tribunal foi organizado a partir das denúncias realizadas por um grupo de 17 famílias cujos filhos foram tomados pelo CT entre os anos de 2004 e 2007, em Itaquaquecetuba, conforme apresentado por reportagem do Brasil de Fato em junho.
Abuso de poder, abordagem agressiva e vexatória, ocultação de informações e retirada arbitrária de crianças do seio familiar são as principais acusações levantadas por elas e começaram a vir à tona quando, em julho de 2007, tomaram posse os cinco novos conselheiros para a nova gestão.
Após encaminharem as denúncias à Promotoria de Infância e Juventude, passaram a ser perseguidos, o que culminou com seu afastamento do cargo. Durante os quatro meses em que o grupo exerceu suas funções no CT, levantaram 42 casos de famílias que reivindicavam suas crianças, sendo que o número não pôde ser estimado e havia pais que perderam mais de um filho.
Segundo os familiares, a então presidente do CT, Márcia Major, teria participado da maioria das ações e, em grande parte dos casos, com ajuda do ex-conselheiro Lídio Jonas de Souza. O familiares afirmam que a promotora Simone de Divitiis Perez era conivente.
Fonte:BF
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